‘Aqui tem Diversidades’: a trajetória acadêmica de Lucimara Patté e Victoria Spinola

14/08/2017 15:38

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) carrega em sua história, além do conhecimento e formação de novos profissionais, a luta pelos direitos e o orgulho em dizer que “Aqui tem Diversidades”. Um exemplo é a trajetória acadêmica de Victoria e Lucimara, ex-alunas do curso de Direito.

A história de Victoria Spinola na Universidade começou em 2009 no curso de Psicologia, onde ainda se apresentava como do gênero masculino. Sofreu preconceito pelo comportamento, temperamento e várias outras condições que não condizia com o gênero que manifestava. Após cursar um ano de Psicologia e fazer uma matéria sobre gênero no próprio curso, resolveu apostar na área do Direito, acreditando que lá se encontraria e teria mais visibilidade. “O curso de psicologia é muito teórico e eu senti que no Direito eu ia me contemplar e me satisfazer. Então eu passei pra primeira turma e comecei o curso em 2011, no primeiro período”, completa Victoria.

Victória Spinola, ex-aluna de Direito.

A vida de Victoria nunca foi fácil, sempre se isolou das pessoas por se ver diferente, incompreendida, recebendo olhares hostis. Isso também afetava a sua vida acadêmica, já que não se integrava às aulas e aos colegas de classe. “Eu acho que existe um fardo, uma responsabilidade social em ser a primeira trans a se formar em direito, por que isso não só me coloca como um exemplo pra outros homens trans, mas sim represento todas as dificuldades, todo o preconceito e eu enfrentei tudo isso pra hoje ser a mulher que sou”.

Em 2016 o Monitoramento da Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (Rede Trans Brasil) apontou que cerca de 25 travestis e transexuais foram assassinados no país. O Grupo Gay da Bahia (GGB), mais antiga associação de defesa dos homossexuais e transexuais do Brasil diz também que em 2016 foi o ano com o maior número de assassinatos da população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais), foram 347 mortes. Com um grande número de casos como estes, Victoria diz que conseguir se formar já é satisfatório e completa dizendo que “a gente sabe que as condições da estar viva são mínimas”.

Victoria assumiu sua transgeneridade no último ano da faculdade e diz que, na verdade, não foi quando a notaram mais, mas sim quando ela se impôs mais e isso representou um grande passo. Começou a usar seu nome social e não houve problemas, pois desde 2013 já tinham deferido o direito das pessoas trans usarem nomes sociais. Até a oitava fase usava seu nome de registro, mas não se sentia confortável em responder a chamada.

Agora Victoria, além de ser a primeira mulher trans a se formar em Direito na UFSC, ela venceu mais uma etapa da carreira e foi aprovada na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Buscará trabalhar com uma visão humana e ter esse olhar voltado às pessoas trans e às mulheres. Para o futuro também sonha com mestrado e doutorado. Ela não espera ser um “espelho” para outras pessoas, pois cada história tem sua maneira de contar e as dificuldades e aprendizados a encontrar.

Já Lucimara Patté é natural de José Boiteux, do povo Laklaño Xokleng. Ingressou na UFSC em 2012 e considera essa decisão como um dos maiores desafios de sua vida. Deixou pra trás a família, os amigos e a comunidade. A mãe e os irmãos a apoiaram, já o pai ficou triste com a decisão da filha de fazer o ensino superior. “Ele ficou triste porque, no fundo, sabia dos desafios e barreiras que eu ia enfrentar e tudo o que eu ia ouvir”, disse Lucimara. E ele tinha razão, a estudante indígena sofreu preconceito e ouviu piadas sobre sua origem, mas toda vez que pensou em desistir do curso, lembrava-se do orgulho que a comunidade sentia por ela e do quanto eles precisavam da sua ajuda para lutar por seus direitos.

Lucimara conta que a universidade não a recepcionou de acordo com as suas expectativas, pois faltava estrutura para sua permanência, os professores e colegas não sabiam agir com respeito e diz que “toda vez que eu ouvia algum preconceito por aqueles que ainda não estavam preparados para receber uma estudante indígena, eu tentava ser o mais pacífica possível, porque dizem que nós, indígenas, somos “bichos do mato” ou “não-educados”, mas eles que precisavam se educar e respeitar a diferença”.

Lucimara Patté, ex-aluna indígena

A ex-aluna teve uma trajetória acadêmica baseada em conflitos e sofrimento por falta de estrutura ao estudante indígena e diz que hoje a UFSC está mais aberta, possui mais diálogo, estrutura e secretaria de apoio. “Hoje os estudantes entram e tem alguém os recepcionando, orientando e auxiliando, se tinha na minha época, era só no papel”.

Tanto Victoria, quanto Lucimara, carregam uma história de luta, persistência e garra. Lutaram contra o preconceito, o desrespeito e continuam lutando por igualdade. As maiores dicas que elas deixam é correr atrás e nunca desistir dos sonhos, embora alguém diga que não é possível.

Manuella Mariani/Estagiária de Jornalismo da Agecom/UFSC

Fotos: Arquivo Pessoal

Tags: CCJUFSCUniversidade Federal de Santa Catarina