A condição da mulher rural é tema de novo livro da Editora da UFSC

20/03/2017 22:41

mulheres_rurais_capaMulheres rurais: quatro décadas de diálogo”, de Maria Ignez Paulilo, é o mais recente lançamento da Editora da UFSC (Edufsc). A autora é professora titular aposentada do departamento de Sociologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialista em Sociologia Rural. Lecionou na UFSC de 1979 a 2007, mas segue integrando o Programa de Pós-graduação em Sociologia Política (PGSP), orientando dissertações e teses. Sua mais recente obra surge como uma referência para conhecer e se familiarizar com a condição da mulher no campo no Brasil.

Este é o terceiro livro de Maria Ignez lançado pela Edufsc. Em 1990, a professora publicou “Produtor e Agroindústria: consensos e dissensos”; em 1996, “Terra à vista. . . e ao longe”. “Eles abordavam a vida no campo de forma mais geral. A ideia, com esse novo livro, é reunir diversos artigos que estavam dispersos, mas que tinham em comum tratar mais especificamente sobre as mulheres rurais” afirma. A autora selecionou 14 artigos, publicados entre 1976 e 2016, percorrendo todo seu caminho de pesquisa.

Maria Ignez observa que, em 1979, quando ingressou na universidade, a preocupação com a vida no campo era maior. “Hoje temos menos pesquisadores dessa área do que quando cheguei, apesar de Santa Catarina ser um estado muito agrícola. Os temas de pesquisa se expandiram muito, o que leva os mais novos a se dedicarem a outros assuntos. Podemos dizer que a Sociologia se expandiu, mas não a pesquisa sobre o campo.”

A professora reconhece que também contribuiu para o menor interesse pelo campo a diminuição da população rural. Ao mesmo tempo, pondera que o contingente de moradores dessas regiões ainda é significativo. “O que mudou, ao longo desses anos, foi a forma de definir o que é rural e o que é urbano. Aqui no Brasil, qualquer cidadezinha é considerada urbana. Mas se a forma de avaliar fosse outra, muitos lugares seriam considerados rurais. A área rural no Brasil ainda é muito significativa. Mas infelizmente persiste aqui a imagem de que o rural é menor.”

Sobre o livro

Na introdução de “Mulheres rurais”, a autora informa: “resolvi não excluir nenhum dos [artigos] que considerei relevantes”. Entre os trabalhos selecionados, estão pesquisas que percorreram diferentes regiões do país: noroeste paulista, interior de Santa Catarina, Sertão de Pernambuco, Brejo Paraibano etc. Observa-se, na leitura dos textos, que Maria Ignez desenvolveu uma proximidade com cada uma das regiões estudadas. A maioria das comunidades e dos municípios interioranos que ela elegeu como objeto de estudo ganhou, pela primeira vez, a atenção de uma pesquisadora. Com originalidade, ela olhou para comunidades que ainda eram invisíveis para o resto do país, trazendo à luz realidades de vidas até então desconhecidas.

Seus artigos trazem à tona marcos históricos e problemáticas de diferentes épocas — como, por exemplo, os conflitos provocados  pelo Programa Governamental Pró-Álcool na Paraíba; as revoltas dos fumicultores entre 1979 e 1980 em Santa Catarina; as greves dos cortadores de cana do Nordeste na década de 1980. A pesquisadora verificou, já na década de 1980, os impactos da superexploração dos recursos naturais em Santa Catarina e outros estados: “O desmatamento da região é impressionante. Tanto as grandes madeireiras como os pequenos produtores exploram a madeira sem maiores preocupações ecológicas.”

Seu interesse pelas mulheres rurais advém  de uma constatação de que elas eram negligenciadas tanto por pesquisadores da Sociologia, como pelas próprias feministas: “O que me incomodava, na época, aliás, uma época em que a população rural era muito maior que a de hoje, era a ênfase das feministas quase que exclusivamente nas mulheres urbanas, operárias e moradoras de favelas.”

Nas décadas de 1970 e 1980, o “trabalho fora de casa” ainda era vedado para as mulheres; o trabalho infantil era corriqueiro — o que causava baixa frequência na escola —; e a participação política e sindical era ínfima. Nesse contexto, a autora observa que “é invariável a convicção de que o trabalho feminino é mais barato”. Com o fortalecimento das indústrias, a agricultura de subsistência passou a ser considerada um “setor atrasado” — o que tornou ainda mais premente um estudo sistemático sobre o que se passava no campo.

Os consensos e dissensos dentro dos assentamentos rurais também foram registrados pela pesquisadora, sobretudo quando as divergências envolviam questões de gênero: “Como sempre acontece quando as mulheres começam a entrar em espaços de trabalho antes masculinos, há forte reação social contrária, que procura se legitimar se baseando em argumentos morais ou físicos falaciosos.”

Em diversos momentos da obra, Maria Ignez faz uma autorreflexão crítica: “Olhando em retrospecto, penso que a ‘virada linguística’ dos anos 1990 fez com que muitas de nós, feministas marxistas, tivéssemos que repensar as categorias muito rígidas de análise.” Sobre seus textos iniciais, ela afirma: “Queríamos pensar o rural em termos marxistas, ‘enquadrar’ o rural em conceitos já existentes.” E sobre os anos mais recentes, o que se destaca “são os movimentos reivindicatórios das mulheres rurais, elas começaram a se organizar”.

Além de um retrato da “mulher rural”, como indica o título, pode-se dizer que a autora apresenta também um diagnóstico da vida no campo ao longo das décadas de 1970, 1980, 1990, 2000. Ao voltar-se para as mulheres, Maria Ignez revela a situação dos trabalhadores rurais como um todo. Sua obra, assim como todo o período que dedicou à pesquisa — e que segue dedicando —, se materializa como uma grande contribuição à Sociologia Rural e aos estudos feministas.

Mais informações na página da Edufsc, pelo telefone (48) 37219408 ou pelo e-mail editora@contato.ufsc.br.

Daniela Caniçali/Jornalista da Agecom/UFSC

 

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