Estudante da UFSC descobre três novas espécies de fungos

Phylloporia clariceae é uma das novas espécies de fungos descoberta pela estudante Valéria Ferreira Lopes. O nome é homenagem à professora da UFSC e criadora do Laboratório de Micologia, Clarice Loguércio Leite. Foto: Valéria Ferreira Lopes
Uma pesquisa recente da Universidade Federal de Santa Catarina é responsável pela descoberta de três novas espécies de fungos que podem ser encontrados na região da Mata Atlântica do sul do Brasil. A pesquisa é objeto da dissertação de mestrado de Valéria Ferreira Lopes, que defendeu seu trabalho junto ao Programa de Pós-Graduação em Biologia de Fungos, Algas e Plantas. Além da descoberta, a dissertação representa um alerta: o de que o método utilizado para classificar os fungos pode estar escondendo uma diversidade muito maior de espécies.
De fato, os fungos formam um reino ainda bastante desconhecido pela Ciência. Não se sabe ainda o número de espécies que podem existir. As estimativas vão de 1,5 milhão até mais de 5 milhões. Desse total, são conhecidas apenas 100 mil. Fungos não são plantas nem animais, pois possuem características únicas, cuja principal função na natureza é fazer a decomposição de dejetos orgânicos. Podem viver em ambientes tão diversos quanto no interior de uma formiga quanto decompondo uma árvore morta.
Novidades científicas

Phylloporia nodostipitata é uma das novas espécies de fungos, que foi encontrada na Unidade de Conservação Ambiental Desterro. Foto: Valéria Ferreira Lopes
Com o título “Revisão de Phylloporia Murrill (Hymenochaetaceae, Hymenochaetales) com ênfase em espécies Neotropicais”, a dissertação foi orientada pelo professor do Departamento de Botânica da UFSC Elisandro Ricardo Drechsler dos Santos e co-orientada pelo professor da Universidade Federal da Bahia, Aristóteles Góes Neto.
Um dos objetivos foi realizar um estudo aprofundado de diversos exemplares classificados no gênero Phylloporia, que até o momento continha vinte e quatro espécies catalogadas. Para sua dissertação, a estudante enfocou sua pesquisa em exemplares encontrados em Santa Catarina e que foram classificados nesse gênero. O objetivo era assegurar se realmente eram uma das espécies já catalogadas ou novidades científicas. “Não sabia o que ia encontrar, mas havia uma hipótese de que poderia ser algo inédito”, explica Valéria, que é natural de Rondonópolis, Mato Grosso, e graduou-se na Universidade de Cuiabá (UNIC), campus de Primavera do Leste (MT).
Foram dois anos e três meses de pesquisa que resultou na proposição de três novas espécies. Elas receberam o nome de Phylloporia clariceae, Phylloporia elegans e Phylloporia nodostipitata. As três foram localizadas na Unidade de Conservação Ambiental Desterro (Ucad), uma área de 4,9 km² que fica no bairro João Paulo, em Florianópolis, e que faz parte da UFSC. “Um dos destaques deste trabalho é a inclusão de mais espécimes e espécies neotropicais na filogenia do gênero, o que ajuda a contar a história evolutiva do grupo, bem como amplia as informações sobre a distribuição geográfica das espécies”, avalia o orientador, Elisandro Ricardo Drechsler-Santos.
A Phylloporia clariceae pode ser encontrada em cipós vivos. O nome é uma homenagem à professora da UFSC e criadora do Laboratório de Micologia, Clarice Loguércio Leite, em reconhecimento à importância da sua pesquisa sobre fungos no Brasil. A espécie Phylloporia elegans recebeu este nome pela sua forma mais delgada e elegante. É encontrada nas raízes de vegetação de restinga. A Phylloporia nodostipitata tem um formato de um caule com nós, daí o seu nome de origem latina (nodos = nós + stipitata = estipes). Foi localizada junto a uma espécie de araçá (Psidium sp.), em restinga. Ainda não se sabe qual é a distribuição geográfica dessas espécies e a relação com o hospedeiro.
Diversidade subestimada
Um dos diferenciais da dissertação de Valéria é indicar a existência de uma diversidade subestimada de fungos. De acordo com a estudante, isso ocorre por causa da classificação das espécies, baseada em uma descrição morfológica pouco detalhada e que é fortemente embasada na literatura da Europa e da América do Norte.
“O problema ocorre na hora de reconhecer as espécies, uma vez que o pesquisador que coletou tinha à disposição somente um modelo de taxonomia que é genérico demais”. O modelo para classificá-las utiliza uma morfologia muitas vezes simplista, na qual se descrevem as características mais gerais, como tamanho, formato, textura, entre outros aspectos. “Não é um erro proposital, mas não se pode pegar a literatura disponível e achar que o trabalho terminou ali. Com a biodiversidade tão grande do nosso país, é de se pressupor uma diversidade de espécies de fungos maior que a conhecida”, afirma Valéria.
Para ir além da taxonomia disponível, o primeiro passo da metodologia de Valéria foi fazer uma análise detalhada da morfologia desses três novos fungos, adicionando outras características taxonômicas para descrevê-los. Foi a partir daí que ela descobriu que os fungos eram na verdade completamente diferentes de outras espécies. Para fazer a comparação, Valéria teve acesso a fungos depositados em herbários do Brasil, Estados Unidos, Inglaterra, Noruega, França, Ucrânia e Peru.
No passo seguinte, a estudante avaliou a fisiologia molecular dos fungos, por meio de análise de DNA. Foi o que ajudou a confirmar que realmente se tratava de uma nova espécie. “Enquanto na análise morfológica pode haver muita subjetividade, a molecular, de forma complementar, ajuda a diminuir a avaliação subjetiva”, explica a pesquisadora”.
Ainda este ano, a estudante deverá divulgar as novas espécies em um artigo científico, que será submetido a uma publicação internacional. A descoberta lança também novas perguntas a serem respondidas. Uma delas é identificar com mais detalhe qual é a relação do fungo com o hospedeiro. “Como há pouco conhecimento sobre a real diversidade de fungos, não é possível falar com exatidão se há espécies de fungos em perigo de extinção, mas se comprovarmos que algumas espécies de fungos são específicas de plantas em risco, daí sim poderíamos dizer de forma indireta que os fungos, na ausência dos seu hospedeiro/substrato em particular, poderão estar sofrendo uma pressão e por consequência um determinado risco”, explica o professor Elisandro. Valéria pretende continuar estudando o tema e, para isso, está participando do processo seletivo de doutoramento em uma universidade da Argentina. “O que me cativa na Biologia é saber o tanto de espécies que ainda precisam ser conhecidas”, afirma a nova mestre.
Mais informações:
– Valéria Ferreira Lopes – ferreiralopesval@gmail.com
– Professor Elisandro Ricardo Drechsler dos Santos – drechslersantos@yahoo.com.br ou e.ricardo@ufsc.br / (48) 3721-2889
Laura Tuyama / Jornalista da Agecom / UFSC
laura.tuyama@ufsc.br