Códices é uma das estrelas da Bienal Internacional do livro

O desafio dos pesquisadores é desvendar o conteúdo dos códices, missão que, como nunca antes, mobiliza seletos pesquisadores de várias partes do mundo
Uma obra essencial para a cultura e resgate da história e da memória dos povos indígenas da Mesomérica. Assim pode ser definido o clássico Códices – os antigos livros do Novo Mundo, do historiador mexicano Miguel León-Portilla, publicado pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina (EdUFSC), com tradução de Carla Carbone, da USP, e revisão técnica do pesquisador Eduardo Natalino dos Santos, que ressalta, na apresentação, a importância do estudo dos livros e manuscritos pictóglifos em tempos pré-hispânico e coloniais, com destaque para os famosos códices maia, mixtecos e astecas. O lançamento da EdUFSC é uma das estrelas da 22ª Bienal Internacional do Livro, que acontece até o dia 19 deste mês no Pavilhão de Exposições do Anhembi, em São Paulo.
Miguel León-Portilla explica que os livros de pinturas e manuscritos mais antigos do Novo Mundo passaram a ser designados de códices. Códice, porém, do vocábulo codex, cujo significado é tronco, do qual esclarece o autor, surgiu outra acepção: tábuas onde se escreve. Logo, segundo esclarece León-Portilla, “aplicar o vocábulo codex e códice aos livros manuscritos guarda estreita relação com o conceito original de tábua onde se escreve.
Esse conceito vulgarizou-se a partir do século XIX, principalmente após a publicação, no México e na Europa, de cuidadosas reproduções desses manuscritos, que passaram a ser conhecidos como “códices do México antigo”. Esses manuscritos datam do período clássico mesoamericano (“entre os séculos III e VIII d.C”). A utilização dos códices prosseguiu após a Conquista do México. Muitos outros continuaram a ser produzidos no período colonial, dos quais mais de 500 permaneceram conservados.
O desafio dos pesquisadores é desvendar o conteúdo dos códices, missão que, como nunca antes, mobiliza seletos pesquisadores de várias partes do mundo. Miguel León-Portilla, através do livro e das suas pesquisas, dá uma singela contribuição à comunidade acadêmica, além de popularizar uma arte de expressão e comunicação que prestou um inestimável serviço à civilização. Ele dá conta do recado em cinco capítulos.
Começa apontando o valor do livro no tempo, na escola, no governo, na administração pública e na vida da “gente do povo”. Lembra que “houve quem destruiu os manuscritos nativos porque os consideravam inspirados pelo demônio”. O fato é que sábios nativos sobreviventes continuaram elaborando novos manuscritos. Também, acrescenta León-Portilla, “frades, portadores de humanismo renascentista adquirido nas universidades, não só lamentaram as perdas como também quiseram compensá-las, resgatando o que puderam do antigo legado indígena.
Na sequência, enfatiza a relevância da relação existente entre a oralidade, isto é, a tradição comunicada de viva voz, e o conteúdo dos códices. “Isso foi fator-chave nas novas leituras de códices quando se quis transcrever o significado de suas pinturas e signos gráficos a textos indígenas redigidos com escritura alfabética”. No antepenúltimo capítulo, o intelectual descreve e analisa, à exaustão, os grandes momentos que marcaram as pesquisas dos códices, que, em muito, ajudaram a decifrá-los, tornando públicos os seus mistérios,mitos e segredos. No capítulo derradeiro, León-Portilla faz uma devassa dos livros, tanto os pré-hispânicos como os escritos no período colonial, oferecendo aos leitores uma “leitura de algumas páginas de grande interesse em vários códices do altiplano central, do âmbito maia e de oaxaca”.

O povo tinha conhecimento, por diversas formas, de que aquilo que estava nos livros influenciava na própria existência
Apresentando uma abordagem plural e abrindo espaço para divulgação dos pontos de vista de uma variada gama de pesquisadores e instituições, o autor inclui ainda um apêndice que contempla os catálogos de códices mais representativos publicados até a atualidade. León-Portilla, ao produzir o clássico, confessa um desejo: “que os leitores valorizem também a riqueza desses códices e cheguem a se sentir atraídos pelo que devemos qualificar de autêntico tesouro”.
Afinal, como escreve, são “milhares de inscrições em monumentos de pedra, em objetos da cerâmica, metal ou osso “que dão testemunho das várias formas de escrita que se desenvolveram na região. “Testemunhos que também vemos nos livros, hoje chamados de códices, que são portadores de imagens policromáticas e signos hieroglíficos, que falam de acontecimentos divinos e humanos”. E, ainda que seja difícil aproximar-se de um códice original e, menos ainda, tê-los nas mãos e ir virando suas páginas, sobra aos leitores a compensação de encontrá-los em modernas edições, algumas delas, segundo atesta León-Portilla, “tão fiéis que quase parecem falsificações”.
Os livros maias, salienta o autor, incluem textos hieroglíficos situados ao lado de diversas imagens, cujos significados são esclarecidos uma vez que “ as imagens são portadoras, por si mesmas, de uma gama de significantes que abarcam uma linguagem iconográfica complexa, que inclui o simbolismo de suas cores”.
Os signos glíficos, afirma o autor, estão formados por imagens. “Em alguns casos, são rostos humanos ou distintos traços somáticos de seres divinos, humanos ou animais, flores e múltiplos objetos estilizados, além de elementos de desenhos geométricos muito variados”.
As figuras pintadas no livro forneciam as imagens. As relações e significações dessas imagens esclarecem o significado dos caracteres glíficos. A palavra de quem o instruía com os livros ampliava, de muitas maneiras, com sua linguagem rica em metáforas, o que se propunha transmitir.
Hoje não existem mais os sábios para decifrar as imagens coloridas acompanhadas por textos glíficos. A tarefa ficou para os estudiosos, as universidades, os museus e as editoras empenhadas e preocupadas com a leitura do mundo.
Miguel León-Portilla, que referencia na obra também suas próprias pesquisas, parafraseando o filósofo Heráclito (“ninguém pode se banhar duas vezes no mesmo rio”), conclui que não é possível tampouco ler duas vezes o mesmo livro”.
O povo tinha conhecimento, por diversas formas, de que aquilo que estava nos livros influenciava na própria existência. A percepção era de que “o que se encerrava nos livros era tão precioso como as flores e os cantos”. Certamente, por isso, dedicaram a própria vida para salvar parte do tesouro das fogueiras promovidas pelos colonizadores.
Para o diretor executivo da EdUFSC, Sérgio Medeiros, Códices – os antigos livros do Novo Mundo, se não o principal, é “um dos textos fundamentais sobre as escritas ameríndias”. Cabe ao leitor conferir.
Moacir Loth /Jornalista da Agecom/UFSC
lothmoa@gmail.com
Códices – os antigos livros do Novo Mundo
Miguel León-Portilla
Tradução: Carla Cabone
Revisão técnica: Eduardo Natalino dos Santos
EdUFSC – 320 p. R$ 69,00
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