Luto na pandemia de Covid-19: estudo sistematiza demandas psicológicas emergentes

09/06/2020 14:26

Sistematizar o conhecimento sobre os processos de terminalidade, morte e luto durante a pandemia de Covid-19: este é objetivo do artigo de um grupo de professoras e pesquisadoras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) publicado pela revista Estudos de Psicologia.

O grupo, composto por Maria Aparecida Crepaldi, Beatriz Schmidt, Débora da Silva Noal, Simone Dill Azeredo Bolze e Letícia Macedo Gabarra, trabalha no desenvolvimento de artigos e materiais informativos para oferecer subsídios à prática de psicólogos no contexto da pandemia.

O estudo tem o título “Terminalidade, morte e luto na pandemia de COVID-19: demandas psicológicas emergentes e implicações práticas” e destacou a importância no reconhecimento de que esses processos “são experienciados de forma singular, não havendo uma sequência estanque ou normatizadora, tampouco rigidez nos rituais que favorecem a despedida e a elaboração de sentido para as perdas em tempos de pandemia”.

Confira entrevista com a professora da FURG Beatriz Schmidt:

O texto trata das demandas psicológicas provocadas pela pandemia de coronavírus. Em síntese, quais são estas demandas e no que foi alterada a prática da psicologia?

Beatriz Schmidt:

A pandemia do novo coronavírus tem o potencial para afetar as experiências de terminalidade, morte e luto. Frequentemente, pessoas hospitalizadas por Covid-19 ficam em isolamento, mantendo contato com seus familiares por meio de telefones celulares ou tablets, quando podem utilizá-los. Nesse contexto, torna-se mais complexa a realização de rituais de despedida entre doentes na iminência da morte e seus familiares, bem como de rituais funerários, o que pode dificultar a elaboração do luto. Além disso, a ocorrência de múltiplos casos de infecção e óbito em uma mesma família gera lutos sequenciais, trazendo desafios adicionais à forma de se adaptar e lidar com as perdas. Assim, intervenções psicológicas alinhadas a essas demandas emergentes são necessárias. No contexto hospitalar, o psicólogo pode contribuir na realização de rituais de despedida entre pacientes com alto risco de morte e seus familiares por meio de videoconferência, se houver recursos disponíveis, interesse por parte dos envolvidos e a situação permitir (ex., o paciente tem consciência preservada e se comunica, verbal ou não-verbalmente). Os rituais de despedida acontecem por meio de incentivo à comunicação familiar, definição de questões não resolvidas, compartilhamento de bons momentos vividos juntos, agradecimentos e pedidos de perdão, revelando-se promotores de qualidade de morte para os doentes e de qualidade de vida para os familiares. Ademais, os rituais de despedida tendem a ser organizadores, vindo a favorecer a resolução do luto. Sugere-se que a videoconferência seja acompanhada pelo psicólogo, no sentido de oferecer apoio e auxiliar no manejo de situações potencialmente desafiadoras. Alternativamente, recomenda-se a realização de teleconferência, o envio de cartas ou mesmo de objetos que representem a ligação emocional entre o enfermo e os membros da sua rede socioafetiva, para serem mantidos junto ao leito ou no caixão, como símbolo da conexão entre eles. Se o paciente estiver inconsciente, a família pode ser incentivada a encaminhar mensagens de áudio para reprodução à beira do leito. Além do acompanhamento ao enfermo e à família, o psicólogo também pode oferecer suporte a outros profissionais da linha de frente (ex., enfermeiros e médicos), os quais frequentemente têm experienciado sintomas de estresse, insônia, ansiedade e depressão na pandemia de Covid-19.

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