Cumplicidade como alicerce para a construção das narrativas literárias: e-book comemora 90 anos de Eglê Malheiros
Eglê Malheiros em Salim Miguel. Salim Miguel em Eglê Malheiros. A escrita de um está viva na obra de outro, e vice-versa. Não há como desassociar que a fala, os traquejos e os trejeitos dos autores se mesclam em suas obras e são sentidos pelo leitor ao passar os olhos pelas palavras vivas dos escritores.
A cumplicidade é vívida a partir de janeiro de 1948 quando o poema de Eglê, “Nove badaladas repletas de luar…”, publicado na página 3, e o Editorial de Salim que salienta a publicação de ideias, compõem a primeira edição da Sul – Revista do Círculo de Arte Moderna. Os 14 textos publicados nessa primeira edição por jovens intelectuais catarinenses do Grupo Sul representam o debate de ideias em torno da literatura, com o sentido artístico, mas sem desvencilhar da visão crítica em torno de aspectos políticos, econômicos e sociais aos quais a sociedade local passava: “O homem moderno não pode ignorar, totalmente, a maravilhosa complexidade e as reais transformações da vida que o rodeia, nem as <realidades psicológicas> da sua própria vida. […] O Sul, que hoje apresentamos, em Florianópolis, se propõe, na medida das coisas possíveis, revelar os valores novos e acompanhar as ideias do mundo atual no campo da filosofia, da ciência, da cultura e, principalmente, no campo das letras e das artes”, diz o diretor Anibal Nunes Pires.
Ideias e literatura compuseram os 30 números da revista do Grupo Sul, finalizada em dezembro de 1957. Neles, a participação de Eglê Malheiros é constante e fundamental: “A Eglê e o Salim, e talvez mais um ou dois dos intelectuais, são as pessoas que atuaram do início ao fim da revista. Destaque para a Eglê, que é a única presença feminina do início ao fim”, revela Luciana Rassier, professora vinculada ao Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras (DLLE) da UFSC e pesquisadora das obras do casal e do Grupo Sul desde 2004.
O e-book ‘Manhã e Outros Poemas’ é uma edição comemorativa aos 90 anos da autora que “reúne toda a sua obra poética: o material publicado em Manhã (seu primeiro e único livro no gênero, de 1952), na Revista Sul, em coletâneas ou na imprensa, como também poemas inéditos que estavam entre seus guardados”, revela o texto de apresentação da coletânea.
Disponibilizado em julho de 2018, o material foi organizado por Sônia Malheiros Miguel, filha do casal, e o projeto visual ficou a cargo da neta Atiaia Sant’Anna Miguel, que usou como inspiração a capa original de Manhã (1952) criada por Carlos Scliar. “O livro é resultado de uma produção caseira realizada com muito afeto, que envolveu filha e filhos, noras, netos e netas”, diz a apresentação do e-book, sendo que o levantamento, a garimpagem e a organização do material encontrado foram feitos por Sônia. Integram, ainda, a publicação três textos: um da nora Regina Dalcastagnè, um do filho Luis Felipe Miguel e outro do neto Jorge Luiz Miguel.
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