Pesquisa da UFSC usa movimentos oculares para aprimorar leitura crítica de textos on-line

22/07/2025 15:25

Tecnologia de rastreamento ocular registra o foco visual do leitor durante a leitura de telas on-line; metodologia foi utilizada como ferramenta de instrução na pesquisa de Juliana do Amaral. Foto: Divulgação/LabLing/UFSC

Já é bem estabelecido na literatura científica o fato de que a leitura em meio digital tem importantes diferenças em relação à leitura no meio analógico, principalmente nas mídias com suporte em papel. Essa premissa, que vai além de meras preferências subjetivas ou fadiga ocular, é o ponto de partida da pesquisadora Juliana do Amaral, pós-doutoranda no Laboratório da Linguagem e Processos Cognitivos (LabLing), vinculado aos programas de pós-graduação em Linguística e em Letras-Inglês da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Em artigo publicado no Journal of Computer Assisted Learning no início de julho, Juliana demonstra que modelar o comportamento na navegação e avaliação de conteúdo on-line otimiza a experiência de leitura em páginas web, contribuindo para o desenvolvimento do pensamento crítico e a revisão de crenças pré-estabelecidas.

Vários estudos já confirmaram que há um déficit de compreensão quando se lê em computadores ou smartphones, na comparação com conteúdos impressos, de acordo com a pesquisadora. Uma importante metanálise, Don’t Throw Away Your Printed Books, demonstrou que as pessoas que leem em telas digitais compreendem menos os conteúdos. Além disso, os estudos indicam que não é possível aprimorar sua compreensão nas leituras em tela com o passar do tempo e a aquisição do hábito.

Desinformação e leitura crítica

Embora a leitura de textos narrativos mais longos em dispositivos que simulam o manuseio de livros, como o Kindle, seja menos afetada, a complexidade aumenta com textos expositivos e informativos, especialmente em páginas web, que exigem competências digitais específicas. Na análise de Juliana, estudar e aprimorar as competências de leitura tem especial relevância no cenário de desinformação favorecido pelas mídias digitais interativas. “Desenvolver a competência de avaliação de fontes é fundamental. No ambiente digital, onde não há controle de qualidade e qualquer um pode publicar, é crucial saber identificar a autoria, suas credenciais e o veículo de publicação”, analisa.

“Eu investigo, em particular, como promover o desenvolvimento da competência de avaliação das fontes. Ou seja, como o leitor verifica a confiabilidade dos conteúdos on-line com base nas características de autoria?”, explica Juliana. “Como linguista, tenho especial interesse em texto. Então, na pesquisa, busquei verificar como o leitor constrói uma representação mental a partir da leitura de mais de um texto sobre o mesmo tema”, acrescenta. Na investigação, ela analisou o processo de navegação (pelos resultados de uma busca no Google) e a avaliação de fontes pelos participantes, ou seja, como eles verificaram a confiabilidade do conteúdo com base em características de autoria e credenciais. O estudo abordou temas controversos, como a teoria dos estilos de aprendizagem, conhecida por ser um “mito” refutado na ciência, mas ainda presente em treinamentos educacionais. Para isso, utilizou o rastreamento ocular, tecnologia que registra o foco visual do leitor através da reflexão na córnea e pupila.

Rastreamento ocular

Juliana do Amaral, pós-doutoranda do Laboratório da Linguagem e Processos Cognitivos (LabLing), autora do estudo. Foto: Divulgação/LabLing/UFSC

O grande diferencial da metodologia foi usar os movimentos oculares não apenas para analisar o comportamento do leitor, mas como uma ferramenta de instrução por meio da modelagem. O modelo gravado em vídeo e exibido aos participantes da pesquisa fixa intencionalmente o olhar em informações cruciais para a fruição do conteúdo, como autoria, banner do site e elementos de credibilidade. Os participantes tiveram acesso ao vídeo do comportamento modelado antes de realizar suas próprias tarefas de navegação, em um ambiente on-line controlado, buscando informações sobre os estilos de aprendizagem. O objetivo era que eles emulassem o comportamento modelado, transferindo-o para suas futuras tarefas de navegação. Após a pesquisa aos conteúdos fornecidos, os participantes tinham que elaborar um texto expondo sua visão a respeito da teoria dos estilos de aprendizagem.

De acordo com Juliana, o estudo concluiu que a modelagem por meio dos vídeos de movimentos oculares pode ser usada para desenvolver competências digitais. Essa intervenção tem efeitos estendidos na mudança de concepções errôneas. No caso dos participantes da pesquisa, foi possivel identificar que eles inspecionaram os resultados da busca por mais tempo, ignoraram fontes não confiáveis com mais precisão e atualizaram suas crenças, demonstrando capacidade de leitura crítica. A metodologia é vista como simples e facilmente replicável, podendo ser incorporada até mesmo em cursos totalmente on-line, sem a necessidade de extensos programas instrucionais.

A pesquisa de Juliana do Amaral se alinha à “hipótese do aprofundamento ou superficialização” (Shallowing hypothesis), que sugere que a leitura digital nos condiciona a postagens curtas, dificultando a leitura de textos longos e prazerosos. Diante disso a solução não é abandonar as telas, mas desenvolver a “higiene digital” e competências para otimizar a leitura on-line, vislumbra a linguista.

Educação infantil

Juliana apresenta a metodologia de rastreamento ocular a estudantes durante a Jornada de Integração Letras-Inglês, em maio de 2025, no LabLing. Foto: Divulgação/LabLing/UFSC

Para as crianças, o impacto do hábito da leitura em tela é ainda mais crítico. Dados de crianças e adolescentes norteamericanos avaliados pela Avaliação Nacional de Progresso Educacional (NAEP, na sigla em inglês) revelam uma correlação entre a alta frequência de uso de telas nas aulas de linguagem e o baixo desempenho em tarefas de compreensão leitora. Nessa perspectiva, os estudos recentes têm enfatizado que crianças pequenas não precisam de telas e que, para a primeira infância, o uso de dispositivos eletrônicos deve ser minimizado, com prioridade para a leitura compartilhada entre pais e filhos, que ajuda a desenvolver a consciência narrativa e a relação com o material impresso. A implementação recente da Lei 15.100/2025 no Brasil está alinhada a essa visão.

Próximas etapas

Desenvolvido durante o período de doutorado sanduíche na Universidade de Valência, na Espanha, com 63 participantes, o estudo está sendo ampliado por Juliana em seu estágio de pós-doutoramento. Segundo explica, a ideia é realizar os testes com estudantes das fases iniciais de cursos de graduação da UFSC. “São estudantes que estão vindo do ensino médio e em processo de adaptação a uma linguagem acadêmica, aprendendo a desenvolver também competências de estudo autônomo e identificação de fontes confiáveis”, justifica a pesquisadora. A ideia, acrescenta, é verificar se esse tipo de intervenção terá eficiência semelhante ao que foi observado com os jovens espanhóis.

Ana Paula Lückman | ana.paula.luckman@ufsc.br
Jornalista da Agecom | UFSC

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