Pesquisa da UFSC traz perspectiva sociológica sobre pandemia global de Covid-19

O professor da UFSC João Matheus Acosta Dallmann traça um panorama das explicações científicas em tempos de pandemia e de crise social. Foto: divulgação
O sociólogo e professor do campus Araranguá da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), João Matheus Acosta Dallmann, pesquisa, no contexto de pandemia global, o desenvolvimento dos eventos contemporâneos em que se revelam as assimetrias entre o ato de governar e a adoção de medidas sanitárias, a fim de traçar um panorama das explicações científicas e aprofundar o debate em tempos de crise social.
Evidenciar pontos fora da linha em situações extremas como as que estamos vivenciando é um dever do campo sociológico, aponta o pesquisador. Para ele, o que tem levado o Brasil a quase 30 mil óbitos (notificados) é a miserabilidade com que se tem tratado a vida humana no mundo. “A anomia evidenciou os objetivos das elites do poder nos mais variados lugares. Isso é problema e solução. A Matriz Colonial de Poder (MCP) perde sua capacidade de retroalimentar práticas sociais e, inexoravelmente, adotaremos outras formas de comportamento e interação. Problema para as elites do momento. Solução para um capitalismo que avançava com intermitentes crises e que certamente saberá recuperar sua hegemonia no mundo ocidental. Daí a necessidade de desocidentalizarmos nossos horizontes. Descolonizarmos nosso pensamento”, argumenta.
Eventos como o do novo Coronavírus são um perfeito cenário do jogo de forças entre quem produz ciência, quem financia e quem coloca em marcha as políticas. A teoria sobre os campos sociais de Pierre Bourdieu, sociólogo francês, ajuda a compreender melhor. No período em que a desenvolveu, Bourdieu considerava o campo científico um espaço de disputa e com uma relação bastante ambígua com os campos político e econômico, dado que o primeiro implementa e o segundo, no mais das vezes, financia.
O projeto de pesquisa, inciado em abril deste ano, intitula-se Considerações sobre o campo científico no contexto da pandemia de SARS-CoV-2 (Coronavírus). O docente explica que a rápida disseminação da doença pelo mundo “colocou à luz um conjunto complexo de questões para o campo científico”, que foi a primeira instituição a colapsar. “Talvez a questão mais crítica do ponto de vista da saúde pública, diz respeito à autonomia do campo científico e sua autoridade/permeabilidade sobre o campo político”.
A pesquisa se debruça sobre as expertises acerca da construção epistemológica do discurso sobre o SARS-CoV-2. E coloca algumas indagações: como elas se constituem autoridades sobre a pandemia? Por que em alguns países as elites nacionais não se deixam permear pelo discurso científico hegemônico? O campo político está mesmo antagonizando com o científico? Que paradigmas científicos estão em jogo?
O professor conta que, no final de abril, o jornalista britânico Richard Kemeny lhe perguntou por e-mail se existia algo que a mídia internacional não estava tratando sobre o Brasil, e de que forma isso estaria ligado às consequências da pandemia no país. Sua resposta foi que havia algo pouco explorado, no entanto, não percebia que a verdade é que o tipo de crise que emergiu no Brasil era, em certos aspectos, nada ou pouco diferente da de outros países. E acrescentou que “a crise sanitária é uma sub-crise, pode-se dizer, da grande crise ambiental que estamos experimentando. Essas duas importantes crises são vivenciadas pela humanidade, confinada e com medo, e geridas pelas instituições em pleno pandemônio. Poucos países neste momento vivem estabilidade política. Isto é grave do ponto de vista analítico.”
No dia 14 de maio, o professor João Matheus entrevistou a socióloga holandesa e professora da Colombia University, Saskia Sassen. No Diálogos em quarentena, a pesquisadora advertiu que o momento exige prudência. Para ela “o pânico, o medo e o terror têm sido usados como ferramentas que devem ser revisadas com muito cuidado”. Recordou-se dos surtos epidêmicos de Sars nos anos de 1980 e deixou uma reflexão sobre o que existe de diferente daquele momento para cá. “Façamos uma investigação sobre as desiguais orientações de saúde que se aplicam nos diferentes continentes e sua correlação com a degradação ambiental”, sugeriu Saskia.
Tanto a ideia de prudência quanto a de pandemônio estão sendo tratadas nessa pesquisa, como caminhos epistemológicos de análise. “Isto requer, então, reconhecer as diferentes linhas de enunciação do discurso científico. Na vida real, o block não existe, isto é, não é possível, por exemplo, fingir que só um grupo mais ou menos organizado do campo científico em saúde sabe o que fazer e como direcionar o futuro em termos de medidas concretas. O mesmo se pode falar dos outros campos e seus grupos hegemônicos”, complementa Dallmann.
A pesquisa é desenvolvida no âmbito das reflexões com os grupos que formam a Escola de Saúde Coletiva do Campus Araranguá e do Coletivo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia da Saúde (Ìlera). Participam os docentes Roger Ceccon e Carlos Garcia Sever, Bruna Avila da Silva, doutoranda do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH) e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (Nepesc), os estudantes de Medicina e bolsistas dos dois grupos, Jefferson dos Santos, Bruna Mascarenhas, Paulo Menezes e Bárbara Gomes. Também faz parte o Núcleo de Estudos em Sociologia, Filosofia e História das Ciências da Saúde (NESFIHS), coordenado pela professora Sandra Caponi.
Os resultados da pesquisa serão disponibilizados no site da Escola de Saúde Coletiva da UFSC Araranguá. Está prevista a compilação do material em um livro.
Saiba mais
João Matheus Acosta Dallmann é docente do Departamento de Ciências da Saúde, do Centro de Ciências, Tecnologias e Saúde (CTS) do Campus Araranguá da UFSC. O mestre e doutor em Sociologia Política é líder do Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia da Saúde e membro do Núcleo de Estudos em Sociologia, Filosofia e História das Ciências. Desenvolve pesquisas nas áreas de Sociologia da Pobreza com ênfase nos Programas de Transferência Condicionada de Renda (PTCR), principalmente o Programa Bolsa Família (PBF) no Brasil e nos estudos sobre medicalização da pobreza e da infância em políticas sociais. (Fonte: Lattes)
Mais informações pelo e-mail: matheus.acosta@ufsc.br
Rosiani Bion de Almeida/Agecom/UFSC