‘A saúde do oceano deve ser prioridade’, afirma professora da UFSC enviada especial à COP30

30/10/2025 11:54

O uso de combustíveis fósseis e o desmatamento sempre estiveram no cerne das discussões sobre aquecimento global e mudanças climáticas. Mas recentemente o oceano também vem ganhando mais espaço neste debate e terá inclusive uma representante oficial na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025. A professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Marinez Eymael Garcia Scherer será a voz dos oceanos na COP30, que será realizada de 10 a 21 de novembro, em Belém (PA).

Como Enviada Especial para os Oceanos da COP30, Marinez será responsável por elevar a posição do oceano nas discussões climáticas. “A prioridade agora é fazer com que o oceano ocupe lugar de destaque nas negociações climáticas, ao lado de temas como florestas e transição energética. Sendo o principal regulador climático do planeta, já passou da hora de trazer a saúde do oceano e as soluções baseadas no oceano para o centro das discussões”, afirmou. 

Na UFSC, a professora leciona Gestão Costeira Integrada e Planejamento Espacial Marinho, além de liderar o Laboratório de Gerenciamento Costeiro Integrado (LAGECI). Entre 2023 e 2024, foi Coordenadora-Geral do Gerenciamento Costeiro no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Confira abaixo a entrevista com Marinez às vésperas de sua viagem à COP30:

O que significa ser Enviada Especial para os Oceanos da COP30 e qual será o seu papel na Conferência?

É uma honra ter sido indicada como Enviada Especial para os Oceanos da COP30. Meu papel é conectar os atores não governamentais à COP30, elevar a posição do oceano nas discussões climáticas e apoiar a inclusão das mais variadas vozes nessas discussões.  

Vale lembrar que é a primeira vez que uma COP do Clima tem os enviados especiais. Essa foi uma inovação da Presidência do Brasil na COP30 e visa uma maior capilaridade em diversos temas e setores como mulheres, florestas, biodiversidade, sociedade civil, agricultura, energia, esportes. Ao todo são 22 enviados especiais no Brasil, incluindo a enviada especial para os oceanos, mais oito enviados internacionais, representando diferentes regiões do globo. 

Quais propostas ou recomendações relacionadas ao oceano você pretende levar à COP30?

Estamos trabalhando em conjunto com o Grupo de Ativação do Objetivo 7 da COP30, que se refere aos “esforços para restaurar e proteger os ecossistemas costeiros e o oceano”. Na COP30 apresentaremos o Plano de Aceleração de Soluções desse objetivo, que está sendo elaborado no contexto da Agenda de Ação da COP30 com ações que vêm sendo desenvolvidas internacionalmente e que apresentam resultados mensuráveis

Além da participação ativa no Grupo de Ativação e nos diversos diálogos e eventos, também lançamos o formulário Mutirão Azul – Soluções baseadas no Oceano para o  enfrentamento da crise climática. Essas soluções podem ser desenvolvidas por organizações não-governamentais, movimentos sociais, povos indígenas e comunidades tradicionais, academia, investidores, empresas e governos. As propostas serão compiladas em um documento que fará parte das entregas como enviada especial às Presidências da COP30 e, assim que possível, da COP31. O formulário está disponível neste link até o dia 21 de novembro.

Desde que assumiu a função, quais iniciativas sobre os oceanos você já acompanhou?

São inúmeras as oportunidades que tive de fazer parte de eventos, diálogos, textos e discussões. Destaco a UNOC3 [Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano], que ocorreu em junho, em Nice, França. Foram igualmente importantes os debates na Conferência de Bonn sobre Mudanças Climáticas, também em junho, na Alemanha; a série de eventos na Semana do Clima, em setembro, em Nova Iorque, EUA. Além disso, tenho me dedicado a publicações em meios de comunicação de grande alcance e mídias sociais, além de diversos outros eventos nacionais e internacionais.

De que forma os oceanos foram tratados nas negociações climáticas anteriores e quais seriam as prioridades agora?

O oceano começou a ter maior destaque na COP 26, que ocorreu em Glasgow, na Escócia, em 2021. A partir deste ano, foram desenvolvidos os diálogos do oceano, os Ocean Breakthroughs (desafios do oceano, em tradução livre) e houve o estabelecimento de muitas organizações nacionais e internacionais dedicadas ao tema Oceano e Ecossistemas Costeiros.

A prioridade agora é fazer com que o oceano ocupe o lugar de destaque nas negociações climáticas, ao lado de temas como florestas e transição energética. Sendo o principal regulador climático do planeta, já passou da hora de trazer a saúde do oceano e as soluções baseadas no oceano para o centro das discussões.

Quais são os principais impactos das mudanças climáticas sobre os oceanos? E como os oceanos podem contribuir para enfrentar a crise climática?

Responsável por absorver mais de 90% do calor excedente da Terra e cerca de um quarto das emissões globais de CO₂, o oceano é um dos maiores aliados contra a mudança do clima, o principal regulador climático do planeta.

No entanto, o aquecimento global e outras ameaças ao oceano, como contaminação, sobrepesca e destruição de ecossistemas costeiros e marinhos estão levando o oceano a situações de impacto severo. Acidificação, decréscimo da biodiversidade e modificação de correntes oceânicas são apenas algumas das ameaças que recaem sobre o oceano e, por consequência, toda a vida no planeta. 

Temos que ter consciência de que o oceano é responsável pela estabilidade do clima e, consequentemente, da vida na Terra. Assim, desde a agricultura no centro do país, às cidades costeiras, todos nós dependemos da saúde do oceano.

É urgente que todos os países adotem o planejamento e a gestão sustentável da zona costeira e marinha. Além disso, a restauração e proteção dos ecossistemas costeiros e do oceano são os caminhos a seguir. Soluções como a descarbonização da frota marítima; o incentivo à energia renovável offshore com base em uma transição energética justa e inclusiva; práticas sustentáveis de pesca e aquicultura; proteção dos ecossistemas que contribuem à prevenção e adaptação frente aos efeitos da subida do nível do mar e eventos extremos, são outros exemplos de como podemos contribuir para que o oceano continue sendo nosso principal aliado frente à crise climática. 

Como a exploração de petróleo na Margem Equatorial irá impactar na saúde do oceano e da vida marinha?

Qualquer exploração e queima de combustível fóssil impacta na saúde do oceano e da vida marinha, pois esta é uma das principais contribuições ao aquecimento global. Além disso, o risco de derramamento de óleo e a necessidade de alteração de ecossistemas costeiros para a instalação das estruturas em terra são alguns dos potenciais impactos, pois trazem uma ameaça adicional a estes ecossistemas e ao oceano na região amazônica do país. 

Como a pesquisa, o ensino e a extensão da UFSC têm colaborado para ampliar o conhecimento e a proteção do oceano?

A UFSC tem desenvolvido trabalhos científicos de grande peso para o tema. Temos professores e pesquisadores internacionalmente reconhecidos por esse trabalho. Também temos participado de um grande número de projetos internacionais na área da oceanografia, aquicultura, energias renováveis e afins, que contribuem para o aumento do conhecimento qualificado e para o suporte aos tomadores de decisão

Essa posição de destaque da UFSC se traduz na qualidade do ensino e possibilita ações de extensão que cheguem à comunidade em geral, promovendo a cultura oceânica, por exemplo. 

O formulário para registrar  soluções voltadas ao enfrentamento da crise climática baseadas na zona costeira e no oceano está disponível aqui.

Daniela Caniçali | daniela.canicali@ufsc.br
Jornalista da Agecom | UFSC

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