Ferramenta gratuita desenvolvida na UFSC facilita avaliação de pacientes com dor no quadril

Plataforma foi desenvolvida para auxiliar profissionais da saúde a monitorarem a qualidade do movimento dos pacientes. Foto: divulgação
Durante seu mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o fisioterapeuta e pesquisador Diogo Almeida Gomes desenvolveu uma ferramenta on-line gratuita que permite avaliar, de forma simples, rápida e acessível, a qualidade do movimento de pessoas com dor no quadril. Elaborada em colaboração com fisioterapeutas, a Simpli-Fai, ou Escala de Desempenho do Agachamento Unilateral para Indivíduos com Síndrome do Impacto Femoroacetabular, foi construída com a proposta de ajudar profissionais da saúde a monitorar pacientes e direcionar sua reabilitação.
Diogo realizou o trabalho no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação, sob orientação da professora Heiliane de Brito Fontana e coorientação de Marcelo Peduzzi de Castro. O trabalho foi desenvolvido junto ao Grupo Pesquisa em Biomecânica Musculoesquelética (BSiM/UFSC), a partir de uma ideia que surgiu durante o projeto de extensão Biomecânica e controle motor do tronco e dos membros inferiores: ciência aplicada à prática – uma colaboração entre a UFSC, a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e a clínica de fisioterapia em que Diogo trabalhava.
Segundo o pesquisador, a ideia veio de sua própria experiência trabalhando em uma clínica de fisioterapia. As metodologias disponíveis para a avaliação até então eram caras e difíceis de aplicar, demandavam muito tempo dos profissionais – tanto para a avaliação do paciente quanto para a análise de dados.
“Com esses métodos mais tradicionais, de avaliação biomecânica, de avaliação quantitativa, tu precisas de todo um aparato, precisa posicionar marcadores no paciente, conectar com um software, precisa ter todo um ajuste de posição também de quem está avaliando, de quem está sendo avaliado, de testes. Então, uma avaliação dessas, quando bem feita, pode levar de duas a três horas, enquanto o procedimento da nossa avaliação, utilizando a escala, pode durar de um minuto a um minuto e meio”, explica Diogo.
Para usar a Simpli-Fai, basta um vídeo do paciente, fazendo agachamentos com uma perna só – de três a cinco repetições. Com base nas imagens, o avaliador responde a seis perguntas, com respostas do tipo “sim ou não”, relacionadas a diferentes aspectos da qualidade do movimento. A partir das respostas, a ferramenta apresenta uma pontuação que vai de zero a oito, em que zero indica a pior qualidade de movimento possível, e oito representa o desempenho ideal.
O custo quase zero é outra vantagem da Simpli-Fai. “Esses outros métodos mais sofisticados, mais tecnológicos, exigem investimentos que beiram um milhão de reais para construir um laboratório de biomecânica, onde tu vais conseguir analisar esse paciente. Ou existem empresas que prestam esse tipo de serviço para os pacientes, onde uma avaliação de uma hora custa entre mil e 2 mil reais”, comenta Diogo.
Além disso, o fisioterapeuta observou que as avaliações quantitativas deixavam de fora aspectos qualitativos importantes. “Esses métodos podem às vezes não refletir certos fenômenos do movimento que conseguimos observar de maneira subjetiva. Fenômenos que podem ser importantes para a qualidade do movimento.”
Problemas nos padrões de movimento podem impactar os níveis de dor, a execução de atividades cotidianas e a qualidade de vida. Uma boa ferramenta de avaliação, portanto, permite identificar potenciais alvos terapêuticos, bem como acompanhar a evolução do tratamento do paciente ao longo do tempo.
Desenvolvimento e validação da escala
O estudo contou com a participação de 60 voluntários – 45 com síndrome do impacto femoroacetabular que já tinham passado por cirurgia no quadril e 15 pessoas assintomáticas. Em um primeiro momento, os pesquisadores gravaram os participantes fazendo agachamentos com uma perna só e analisaram os padrões de movimento, para, então, definirem os parâmetros que integrariam a escala.
Todo o processo envolveu fisioterapeutas especialistas na área. Sete profissionais contribuíram para a validação do projeto por meio de questionários on-line e de discussões em grupo focal. Outros dois fisioterapeutas foram recrutados para avaliar os vídeos de agachamento dos voluntários usando a escala.

Diogo Almeida Gomes desenvolveu a Simpli-Fai como parte de sua pesquisa de mestrado. Foto: divulgação
Apesar de ter sido desenvolvida inicialmente por e para fisioterapeutas, é ampla a possibilidade de uso da ferramenta. “Diversos profissionais da saúde podem usar, e até os próprios pacientes podem avaliar o próprio padrão de movimento sem muita dificuldade”, afirma Diogo.
“A gente tem recebido feedbacks muito positivos de pessoas que justamente estão conseguindo implementar essa escala na prática clínica e com motivações diferentes, seja para acompanhar a qualidade do movimento de um paciente ou usando em pré-temporada de algum esporte específico para conseguir mapear algum risco de lesão relacionado à qualidade de movimento”, complementa o pesquisador.
Diogo enfatiza que o grupo conseguiu atingir o objetivo de desenvolver um instrumento confiável, de fácil aplicação e baixo custo – e já recebeu alguns reconhecimentos por isso. Em 2023, o estudo foi indicado à Premiação de Melhor Trabalho de Investigação da Pós-Graduação do XX Congresso Brasileiro de Biomecânica. No ano seguinte, foi o vencedor do prêmio de melhor artigo da Young Athlete Hip Research Conference, em Oxford, no Reino Unido. Em junho deste ano, o trabalho foi publicado na revista científica internacional Journal of Orthopaedic & Sports Physical Therapy (JOSPT).
“Acreditamos que essa ferramenta pode beneficiar tanto profissionais da área da saúde quanto a população em geral. Temos muito orgulho de ter desenvolvido esse trabalho na UFSC”, destaca Diogo.
Próximos passos
Mesmo após a finalização e a disponibilização da escala para uso do público, os pesquisadores continuam atentos às demandas e sugestões dos usuários e trabalhando no aprimoramento da ferramenta. Atualmente, Diogo faz doutorado na La Trobe University, na Austrália, mas mantém colaboração com a UFSC para a continuidade do projeto.
“Hoje a gente trabalha e pensa em desenvolver a escala para outras populações. Populações que não passaram por cirurgia, populações que têm outros tipos de disfunção, como disfunção do joelho, disfunção de tornozelo. E também tentando entender um pouco mais sobre a aplicabilidade clínica da escala nessa população com dor no quadril. Uma das coisas que a gente está vendo, por exemplo, é se a escala consegue identificar quais pessoas vão responder bem a uma cirurgia de quadril ou não. Ou, por exemplo, se a pontuação da escala está associada ao nível de dor, ao nível de sintomas do paciente. Então, essas são todas pesquisas em andamento que a gente está bem empolgado para finalizar e começar a tentar aplicar esses achados o quanto antes”, afirma Diogo.
Camila Raposo | camila.raposo@ufsc.br
Jornalista da Agecom | UFSC