Biodiversidade estudada na UFSC pode impulsionar tratamentos e conhecimento soberano

Equipe do Laboratório trabalha para identificar moléculas promissoras em produtos naturais (Fotos: Gustavo Diehl/Agecom)
Mel. Manga. Bacuri. Fungos. Casca de banana. Cogumelos. A lista de organismos naturais que podem ter moléculas e compostos inovadores para tratamentos de saúde é infinita, mas alguns deles já estão na bancada do Laboratório de Química de Produtos Naturais da Universidade Federal de Santa Catarina.
Doenças epidêmicas, como dengue, zika, doença de Chagas, leishmaniose e Covid-19 podem se beneficiar, no futuro, de tratamentos que reconhecem a biodiversidade. Até mesmo câncer e Alzheimer também estão na mira dos cientistas que buscam solução para os problemas que mais afligem a humanidade. Os trabalhos ocorrem no Programa de Pós-Graduação em Química, com parcerias no país e no mundo.
O professor Louis Pergaud Sandjo, coordenador do laboratório, trouxe o desejo de estudar e conhecer produtos nativos de Camarões, país onde nasceu e iniciou a trajetória de pesquisador. Lá, analisou uma planta comestível, a Triumfetta cordifolia, popularmente conhecida como Nkui, e usada na medicina popular. Em um dado momento, a Nkui levou à sua tia, diabética, ao desmaio. Entender porque isso acontecia era importante, assim como destrinchar as combinações de compostos e moléculas escondidas na erva.
28Bioprospecção é o conceito utilizado para explorar a diversidade química brasileira, ainda pouco conhecida. Novas Entidades Químicas (NCEs) com potencial farmacêutico são descritas e formam um conhecimento acumulado para que a ciência encontre a cura para tratamentos de doenças.
“Em emergências como a COVID-19, os medicamentos utilizados frequentemente são moléculas já existentes e conhecidas, com toxicidade já estabelecida, e que são apenas reposicionadas para o novo tratamento, em vez de se começar do zero”, explica o professor.
Identificar e conhecer as moléculas é um dos desafios do seu laboratório, que encontrou em frutas como a manga e o bacuri, nativa da Amazônia, possíveis soluções para o vírus que assustou o planeta na pandemia.
A tese de Gabriella Barroso Souza, orientada pelo professor, descobriu que metabólitos da fruta poderiam inibir a protease (main protease-Mpro) que permite que o vírus da Covid-19 sobreviva. As moléculas consideradas promissoras foram enviadas para a Alemanha. Lá, descobriu-se efeito também sobre os vírus da dengue e zika.
No caso do fruto amazônico, o bacuri, os estudos também resultaram em seis moléculas identificadas, com uma delas inibindo o que permite que o vírus sobreviva. “O próximo passo seria encontrar colaboradores para realizar ensaios em organismos vivos para verificar se o efeito se repete no organismo e avaliar a toxicidade das moléculas”, explica o professor.
“Maromba” para porcos
Um dos estudos conduzidos pelo professor, com foco na saúde animal, já passou por teste in vivo, mas em menor escala. A pesquisa busca alternativas aos antibióticos na criação de suínos e foi desenvolvido no mestrado de Ana Caroline da Silva.
A ideia foi avaliar a composição química de Marrubium vulgare L. (Lamiaceae) e seus efeitos fitogênicos em porcos recém-desmamados, traçando os parâmetros bioquímicos e o perfil metabólico do soro animal. Os cientistas compararam aqueles que receberam extrato da planta com os outros, que não passaram pelo processo.
O professor vê os resultados como promissores, já que uma das concentrações do extrato permitiu que os porcos chegassem a um tamanho adequado. Além disso, não houve danos ao organismo dos animais, nem modificação nos parâmetros bioquímicos dos órgãos vitais. Os cientistas identificaram as moléculas da planta no sangue dos suínos, mas sem perigos para o consumo da carne.
O veterinário Valfredo Schlemper, professor da Universidade Federal da Fronteira Sul, faz a sua pesquisa de pós-doutorado no Laboratório e também investiga a planta, popularmente conhecida como “maromba”, típica da Serra de Santa Catarina.
“Existe um conhecimento ancestral de etnofarmacologia. Povos primitivos utilizam desde muitos séculos essa planta para vários distúrbios gastrointestinais, respiratórios, etc. E ela foi introduzida na Serra Catarinense, se adaptou muito bem com a colonização italiana e alemã e tornou-se cosmopolita, sendo usada frequentemente nas fazendas tanto para humanos como para animais. Ela é multifuncional”, conta.
Esse respeito ao conhecimento popular e tradicional também é uma marca dos trabalhos que envolvem a bioprospecção na biodiversidade. Como há muitos chás, ervas e compostos que fazem parte de tratamentos de rotina de grupos e comunidades, eles passam a ser estudados na bancada do laboratório para que seus potenciais possam ser melhor conhecidos e aproveitados.
Abelhas sem ferrão e moléculas anti-Alzheimer
A UFSC também estuda o própolis da abelha sem ferrão, chamada de Mandaçaia. A equipe tem trabalhado em identificar os compostos desse produto que tradicionalmente é usado por seu potencial anti-inflamatório.
Até o momento, foram identificadas cinco moléculas que pertencem à família dos terpenoides, os mesmos dos óleos essenciais. Foi a primeira vez que esse tipo de própolis demonstrou atividade analgésica, considerada muito positiva pelo professor. Agora, a ideia é testar seu potencial em uma enzima considera como alvo no tratamento do Alzheimer, a acetilcolinesterase.
Outro produto natural utilizado popularmente e que pode ter seu potencial acentuado pela ciência é a cabreúva. Os cientistas já sabiam que ela era usada como anti-inflamatório e isolaram quatro compostos completamente inéditos na literatura. “São estruturas que ainda não tinham sido descritas. Foi a primeira vez que foram identificadas”.
O professor acredita que essas moléculas apresentam atividade contra a protease, a enzima que precisa ser atenuada para observar efeitos antivirais. Os novos compostos serão enviados para a Johannes Gutenberg Universität, Mainz, na Alemanha, com quem a UFSC mantém colaboração nestas pesquisas.
O laboratório também tem parcerias para aprofundar seus resultados com entidades de pesquisa como a Fundação Oswaldo Cruz, Universidades Federal da Paraíba e da Fronteira do Sul, e com instituições de fora do Brasil, em países como África do Sul, França e Argentina .
Rejeitos orgânicos
A variedade e diversidade dos fungos e cogumelos são outro foco do trabalho de bioprospecção realizado pelo laboratório de Química. Desde espécies amazônicas, até fungos que crescem naturalmente em rejeitos orgânicos, a vida que brota nestes organismos pode ser rica em compostos e moléculas úteis para tratamentos diversos.
Uma das pesquisas em andamento analisa os fungos que crescem a partir da casca de banana, do lixo doméstico. Algumas das biomoléculas identificadas nestes organismos são de interesse da indústria farmacêutica e costumam ser comercializadas por laboratórios de biotecnologia.
Este é um ponto, segundo o professor, que favorece a soberania científica e tecnológica brasileira, já que, do lixo, é possível extrair materiais relevantes para a evolução da ciência nacional. “Aqui no Brasil precisamos atingir esse nível, de que a gente não dependa de outros países. Podemos ter essa independência”, diz.
No cogumelo catarinense Phlebopus beniensis foram identificadas duas classes de compostos que também nunca haviam sido reportadas naquela espécie, o que contribui para o conhecimento taxonômico e químico do fungo e dos seus potenciais. Uma dessas classes é derivada de ácido tetrônico, da mesma família da vitamina C.
Uma parcela do extrato deste cogumelo passou por testes contra a enzima Trypanothione reductase, que permite que o parasita da doença de Chagas viva, e conseguiu bloquear 100% da sua atividade, revelando um potencial promissor. “A cada vez que a ciência produz um dado, diante de um problema espontâneo que aparece, ele vai servir para poder enfrentar aquele problema. É para isso que trabalhamos”.
Amanda Miranda | amanda.souza.miranda@ufsc.br
Jornalista da Agecom | UFSC
































