Paralimpíadas: UFSC tem Centro de Referência com aulas para adultos e crianças
Mariele estava há muito tempo longe das piscinas e tem vontade de voltar a competir. Com apenas uma semana de aulas, Jean já percebe melhoras na qualidade do sono e na ansiedade. Rodrigo nada desde pequeno, mas está voltando agora, depois de anos sem treinar. Alícia já participou dos Jogos Escolares Paradesportivos de Santa Catarina (Parajesc) e de corrida de rua e, segundo sua mãe, “se encontrou no atletismo”. Lucas, Nelson e Marcio são atletas de alto rendimento, competem há anos e sonham em representar o Brasil nas Paralimpíadas. Vinícius chegou a participar de mais de 40 corridas de rua em um único ano, mas deu uma pausa nas competições para focar em sua formatura, no curso de Enfermagem da Unisul. Sara veio do Mato Grosso do Sul e, nos últimos meses, desde que começou a praticar esportes, melhorou sua autoestima, passou a dormir melhor e voltou a limpar a casa e fazer outras tarefas cotidianas.
Mais de 70 pessoas, com variadas idades, histórias, motivações e tipos de deficiência, frequentam os espaços do Centro de Desportos (CDS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para praticar atletismo, natação e goalball. As atividades são ofertadas por meio do Centro de Referência do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), implementado na UFSC há pouco mais de três meses.
As aulas são gratuitas e contemplam todos os níveis de treinamento – desde a iniciação esportiva até a preparação de atletas de alto rendimento, que competem em eventos estaduais, nacionais e internacionais. O projeto é aberto a pessoas com deficiência física, visual e intelectual – as mesmas categorias de deficiência elegíveis para os Jogos Paralímpicos.
O treinamento e a formação de atletas são apenas parte dos objetivos do Centro de Referência. Para o supervisor do Centro, Roger Lima Scherer, é provável que a iniciativa potencialize o surgimento de atletas paralímpicos, mas a ideia é que crianças e adultos também tenham um espaço para conhecer diferentes modalidades esportivas e incorporar a prática de atividades físicas em seu dia a dia.
“A orientação, principalmente com as crianças, é de não fechar em uma modalidade específica. Se chega uma criança cega, por exemplo, não é para oferecer o goalball e somente o goalball. Mas então, se a gente trabalha com atletismo, com natação, a ideia é fazer essa criança rodar nas diferentes modalidades, para ela ter as diferentes vivências motoras e ver o que realmente ela gosta e se adapta mais”, explica Roger.
Mesmo entre adultos, não é necessário ter experiências prévias com as modalidades para poder participar. “Hoje, a pessoa com deficiência, ou é uma atleta ou é sedentária. São poucas as pessoas com deficiência que conseguem incorporar a atividade física de forma regular no seu dia a dia”, conta o supervisor. Ele lembra que são raros os locais que oferecem atividades físicas adaptadas às necessidades de pessoas com deficiência – e, mesmo assim, nem sempre esses lugares têm estrutura adequada, e muitas vezes os professores são voluntários ou recebem um valor ínfimo.
“Se a gente quer correr na Beira-Mar, a gente sai e vai dar uma corridinha, uma caminhadinha. A pessoa com deficiência precisa de alguém junto ali, precisa ter uma estrutura adequada e uma acessibilidade naquele local. Então esses espaços [dos Centros de Referência Paralímpico] não são feitos só pensando no esporte de forma competitiva, mas servem para a pessoa com deficiência agregar um repertório motor no dia a dia, fazer com que ela sinta vontade de querer fazer atividade física, mesmo que não venha a ser um atleta, pensando também na possibilidade de não ter doenças crônicas no futuro, de minimizar sua possibilidade de ter obesidade ou sobrepeso”, complementa o supervisor.
Comitê Paralímpico e Universidade
Os Centros de Referência fazem parte do Plano Estratégico do Comitê Paralímpico Brasileiro, elaborado em 2017 e revisitado em 2021. O objetivo é aproveitar espaços esportivos em estados de todas as regiões do país para oferecer modalidades paralímpicas. Atualmente, o CPB conta com 72 Centros de Referência, espalhados por 26 unidades federativas do Brasil (a única exceção é o estado do Piauí).
Um a cada cinco atletas da delegação brasileira que representa o país nos Jogos Paralímpicos de Paris 2024 treina nos Centros de Referência. Esses espaços esportivos oferecem estrutura física e profissional para os treinos de 57 (ou 22,5%) dos 255 atletas com deficiência brasileiros que estão competindo na França.
Há anos a UFSC oferta uma série de atividades físicas e esportivas voltadas a pessoas com deficiência. Mas a cooperação com o CPB institucionaliza o projeto e possibilitou a compra de materiais e a contratação do supervisor e de três professores com ampla experiência em esportes paralímpicos. “O goalball está muito bem estabelecido aqui na UFSC. Mas os treinos de atletismo e de natação eram coisas mais pontuais, alguns atletas que vinham com treinadores específicos. A gente tem uma piscina olímpica, tem uma pista oficial. O Centro de Referência facilitou esse processo de captação de alunos”, comenta Roger, que começou a trabalhar com goalball e com pessoas com deficiência no início da graduação em Educação Física da UFSC.
O professor de atletismo, Diego Antunes, também destaca a importância da parceria para a atração de novos alunos e para a continuidade dos treinamentos. “Trabalhei por anos com associações, e o terceiro setor sofre muito, porque ele depende muito do público, tem pouco do privado. Por vários anos, tive problemas de atraso de salário e outras questões, como falta de recurso para ir para competições. Agora, como o vínculo é com o Comitê Paralímpico, eu tenho um pouco mais de estabilidade, sou CLT. E o que sempre ajudou, na verdade, foi esse vínculo que eu tive com a UFSC, mesmo antes de o Centro do CPB existir, de fazer pesquisa, dos professores também apoiarem com bolsistas, com estagiários.”
Julio Pistarini, o professor de Natação do Centro de Referência, também chama a atenção para a importância da relação entre CPB e universidade para a consolidação dos trabalhos. “É um sonho, né. Primeiro, porque a gente vem de vários projetos que talvez não tenham dado certo. Ou que, por algum motivo, a gente não conseguiu alicerçar corretamente. Aqui, a gente tem o amparo de uma estrutura fenomenal, de uma piscina olímpica e uma piscina de adaptação, onde a gente consegue executar o nosso trabalho perfeitamente.”
“A gente ainda não entendeu a magnitude desse projeto”
As atividades do Centro de Referência da UFSC começaram em maio, com 17 alunos. “Em junho, nós tínhamos 48. Em julho, 65. E em agosto, até agora, temos 72”, afirma Roger. Boa parte dos alunos foram encaminhados a partir de contatos com associações que atendem pessoas com deficiência, como a Apae, a Associação Florianopolitana de Deficientes Físicos (Aflodef), a Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), a Associação Catarinense para Integração do Cego (Acic) e a Associação Catarinense de Esportes Adaptados (Acesa). Também são ofertadas atividades em duas escolas municipais – Brigadeiro Eduardo Gomes e Dilma Lúcia dos Santos –, em colaboração com o projeto Rede em Movimento, da prefeitura de Florianópolis.
“Essas parcerias, a gente fez para possibilitar, principalmente, a participação de crianças e adolescentes, que muitas vezes acabam ficando marginalizados na educação física e não têm oportunidade de fazer um um trabalho mais específico em uma modalidade”, esclarece Roger.
Julio também avalia que o atendimento de crianças e adolescentes é a principal motivação do projeto. “Hoje o treinamento [de atletas] existe, ele faz parte do projeto, mas eu acho que o meu foco principal está em atender as crianças, em dar oportunidade de formação na base.”
“A gente ainda não entendeu a magnitude desse projeto. Ele pode tomar proporções muito grandes, a ponto de contratarmos mais professores, de estruturarmos de uma forma diferente, e só vai agregar. O projeto está engatinhando, mas eu acredito que ele vai tomar uma proporção que a gente ainda não entendeu. Ele tende a criar asas”, enfatiza o professor.
Além das possibilidades de novas pesquisas e estágios ligados ao curso de Educação Física da UFSC, Roger também pretende buscar parcerias com outras áreas, como Nutrição e Fisioterapia, para ampliar o atendimento do Centro. Além disso, já existe a perspectiva de aumentar o número de modalidades oferecidas. A UFSC e o CPB estão em tratativa para trazer o tiro com arco – o que pode ocorrer até o fim do ano. Com o sucesso do projeto, também há possibilidade de incluir o badminton e bocha paralímpica. “São duas modalidades que a gente quer ver se consegue ofertar a partir de 2025”, salienta o supervisor.
Como participar
Todas as atividades são gratuitas. Pessoas com deficiência física, intelectual e/ou visual interessadas em participar das aulas e/ou seus familiares podem entrar em contato diretamente com os professores ou com o supervisor do projeto pelo Whatsapp:
- Atletismo: professor Diego Antunes – 48 99168-7107
- Natação: professor Julio Pistarini – 48 99188-8152
- Goalball: professor Leonardo Goulart – 48 99934-1317
- Supervisor: Roger Scherer – 48 99608-1399 | roger.scherer@cpb.org.br
Além disso, o projeto busca voluntários para servirem de guia para o treino de pessoas cegas na corrida. Não é necessário ter experiência prévia – o participante receberá treinamento gratuito. Interessados podem entrar em contato com o professor Diego pelo número acima.
As atividades do Centro de Referência podem ser acompanhadas pelo Instagram @centroparalimpicoflorianopolis.
Outras atividades físicas e esportivas
Além das atividades do Centro de Referência, o Centro de Desportos da UFSC também oferece outras aulas específicas para pessoas com deficiência, como handebol em cadeira de rodas, parabadminton e tênis de campo para cadeirantes, além de iniciação esportiva para crianças com autismo. O edital com informações sobre horários e inscrições está disponível no site do CDS.
Camila Raposo | camila.raposo@ufsc.br
Agência de Comunicação | UFSC