Sylvio Back: título ‘Doutor Honoris Causa’ reconhece legado de catarinense para literatura e cinema brasileiros

16/12/2020 10:33

Sylvio Back contabiliza 38 obras em sua filmografia, sendo 12 longas-metragens. Foto: Martin Gamaler

Sylvio Back tinha apenas cinco anos quando vivenciou o seu primeiro contato com o cinema: no andar superior do Cine Luz, na Curitiba de 1942, assistiu à exibição da animação Bambi, dos estúdios Disney. “De pé, segurando a mão da minha vó”, lembrou em uma de suas entrevistas. A memória desta experiência e o amor pela literatura desde a infância não tardaram a levá-lo em definitivo para a aventura do cinema. Hoje, aos 83 anos, Back tem um invejável currículo com 38 filmes, sendo 12 longas-metragens, e 25 livros (roteiros, poesia e ensaios) que amealharam 77 prêmios nacionais e internacionais.

Pelo conjunto da sua obra literária e cinematográfica dedicadas à arte e à cultura catarinenses e brasileiras, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) concedeu o título Doutor Honoris Causa a Sylvio Back. Homenagem da Universidade conferida a pessoas eminentes que se tenham destacado em determinada área “por sua boa reputação, virtude, mérito ou ações de serviço que transcendam famílias, pessoas ou instituições”, a honraria será outorgada em sessão solene do Conselho Universitário, às 14h30 da próxima sexta-feira, 18 de dezembro – data de comemoração do aniversário de 60 anos da UFSC.

Back ingressou no jornalismo na década de 1950. Foto: Arquivo pessoal

O título é um gesto de reconhecimento ao legado do realizador de Lance Maior (1968) e de Aleluia, Gretchen (1976). “Quantas vezes falei e escrevi, até em tom de brincadeira, que cada filme, pelo tempo de realização (entre quatro e cinco anos, da ideia à primeira cópia) era como se fora um doutorado. Jamais pensei em receber tamanho reconhecimento pela minha obra, autodidata que sou, pois aprendi cinema vendo e ‘lendo’ filmes sem ter sido antes assistente de nenhum diretor. O mérito em tela homenageia todos os criadores do país, cineastas, poetas e escritores. Melhor impossível!”, avaliou Sylvio.

Filho de imigrantes, pai húngaro e mãe alemã, Back nasceu no município de Blumenau em 1937. Residiu em Florianópolis até 1940, quando a família mudou-se para Curitiba. Lá, na juventude, foi professor de francês e inglês e, mais tarde, cursou Ciências Econômicas. Na década de 1950, ingressou no jornalismo. Autor de todos os roteiros de sua filmografia, sempre se declarou “um jornalista que faz filmes”. Enquanto trabalhava como copydesk na redação do Diário do Paraná, dirigiu o suplemento literário Letras & Artes do jornal, publicando seus primeiros ensaios sobre cinema e teatro.

Back (à direita) na filmagem do curta ‘As moradas’. Foto: Francisco Bettega Netto

Em 1962, fundou e presidiu o Clube de Cinema do Paraná. Dois anos depois concluiu seu primeiro curta-metragem: As Moradas, cujo mote era retratar “como os pobres vivem e são mal enterrados, e como os ricos vivem e moram bem até depois de mortos”. A obra contrastou as favelas e cemitérios de indigentes de Curitiba com residências luxuosas e gigantescos mausoléus. Já seu primeiro longa-metragem, Lance Maior (1968), abordou os desejos de ascensão de um jovem bancário de classe média. Com uma adaptação do romance Geração do Deserto, de Guido Wilmar Sassi, produziu seu segundo longa, A Guerra dos Pelados (1970), eleito pelo jornal Folha de S.Paulo como o melhor filme exibido em 1971.

Seis anos mais tarde, Back lançou Aleluia, Gretchen!, história de uma família que foge da Alemanha nazista e fixa-se no sul do Brasil. O filme, sensação no Festival de Chicago de 1976, recebeu prêmios importantes. Depois disso, realizou outros curtas, médias e longas-metragens, como Revolução de 30 (1980) e República Guarani (1981). Em 1986, mudou-se para o Rio de Janeiro.

Na sequência, produziu os documentários: Guerra do Brasil (1987), acerca da Guerra do Paraguai; Rádio Auriverde: A FEB na Itália (1991), sobre a atuação da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial; e Yndio do Brasil (1995), obra a respeito da representação dos índios em filmes nacionais e internacionais. Voltou a fazer ficção em Cruz e Sousa, o Poeta do Desterro (1999) – uma releitura da trajetória do poeta catarinense. Seus longas mais recentes são O Contestado: Restos Mortais (2010), documentário sobre a Guerra do Contestado, e O Universo Graciliano (2013), o primeiro filme sobre vida e obra do escritor Graciliano Ramos.

Considerado um dos primeiros diretores a produzir obras com engajamento estético e político fora do eixo Rio-São Paulo, Sylvio Back resgatou, ao longo de uma carreira de mais de seis décadas, a “outra margem” de episódios importantes da história brasileira. “Busco com meus filmes, poemas e contos um permanente engajamento com a criação livre, com um rearranjo pessoal da realidade dentro de uma estética experimental, de uma linguagem, eu diria, ‘torta por natureza’, além de uma postura iconoclasta até em termos de mercado e de público”, ressaltou.

Foto: Ana Paula Amorim/Canal Brasil

Para ele, o Sul do país armazena um inesgotável manancial temático e poético indo-luso-afro. “Sempre fico pensando que o Extremo-Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) ainda sofre no inconsciente coletivo nacional de uma nostalgia dos tempos coloniais quando se pretendia cortar o Brasil português à altura de Guaíra-Cananéia. O Sul não é ‘um Brasil diferente’ – contrariando a assertiva racista que sobre ele se cunhou nos anos 1950”, afirmou Sylvio. “Daí a minha preocupação como artista-multi estadual dessas paragens, intelectualmente por elas formado e informado, em mapear o lado escuro de homens, fatos e feitos, sem jamais ter premeditado uma filmografia tal qual, articulando-a magicamente do pretérito ao presente”, complementou.

Em paralelo à carreira no cinema, Back escreveu livros de contos, ensaios e poemas, como O Caderno Erótico de Sylvio Back (1986), Moedas de Luz (1988) e A Vinha do Desejo (1994). Atualmente, destaca-se como um dos poetas mais ativos na construção de uma lírica erótica na literatura brasileira. Mesmo durante a pandemia sua produção não parou: “Quando a peste negra, o coronavírus de então, corria solta por Londres, Shakespeare escrevia seus maravilhosos poemas eróticos e, de quebra, a peça King Lear. Por uma ousada coincidência, pelo que peço vênia aos leitores, sinto-me espelhado no genial bardo, perseguindo seu exemplo: tenho novo florilégio erótico in progress: ‘Tesão não tem idade’, e acabo de concluir o primeiro poema longo, Curitiba Merencória“, revelou.

Mas o melhor evento, segundo ele, coroando a concessão do inesperado título de Doutor Honoris Causa, é o lançamento da antologia de poemas Silenciário, pela Editora da UFSC, em 2021. Com capa do designer e poeta Luiz Solda e apresentação do poeta Adriano Espínola, a obra compila livros publicados desde 1986 e um inédito, com 56 poemas, intitulado A Maior Diversão. A concessão do título ao cineasta, decidida em plenário em 10 de março de 2020, está publicada no Boletim Oficial da UFSC de 24 de março. Antes de Back, a honrosa láurea coube ao escritor português José Saramago, prêmio Nobel de Literatura de 1998.

Maykon Oliveira/Jornalista da Agecom/UFSC

Referências

BRUNING, Gustavo. Em comemoração aos 80 anos de Sylvio Back, mostra no CIC revisita filmografia do cineasta. Disponível em: <https://ndmais.com.br/cinema/em-comemoracao-aos-80-anos-de-sylvio-back-cineasta-tem-filmografia-revisitada-no-cic/>. Acesso em: 6 dez. 2020.

IMDB. Sylvio Back. Disponível em: <https://www.imdb.com/name/nm0045623/>. Acesso em: 4 dez. 2020.

RAMOS, Fernão; MIRANDA, Luiz Fernando (Orgs.). Enciclopédia de cinema brasileiro. 2 ed. São Paulo: Senac.

TERNES, Apolinário. Sylvio Back: Cineasta catarinense que redescobre o Brasil há 30 anos. Disponível em: <https://web.archive.org/web/20160305220439/http://www1.an.com.br/grande/back/index.html>. Acesso em: 6 dez. 2020.

UFSC concede título de ‘Doutor Honoris Causa’ ao cineasta Sylvio Back. Disponível em: <https://noticias.ufsc.br/2020/03/ufsc-concede-titulo-de-doutor-honoris-causa-ao-cineasta-sylvio-back/>. Acesso em: 4 dez. 2020.

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