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Como se pudesse uma porção de terra descolar-se do continente e singrar o Atlântico, a Ilha de Santa Catarina é desbravada com rara beleza por Flávio José Cardozo em sua coletânea de contos Singradura. Relançada pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina (EdUFSC) em outubro de 2020, a obra originalmente publicada em 1970 reúne 20 breves contos que se desenvolvem na parte insular de Florianópolis.

O termo náutico que significa o período de 24h em que um navio avança sobre o oceano e que dá nome à última história e à coletânea marca o tempo em que as personagens de cada um dos contos transcorre seus dias. Como habitantes de uma embarcação fixa, o tempo não é contado por auroras e crepúsculos, mas pelo movimento do oceano que cerca a Ilha.

Em histórias de residentes comuns, olhados no que possuem de singular e particular, mas também de universal, o simbolismo é tocado pelas mesmas ondas que beijam o cotidiano. E é de ver a raridade das vidas simples que a linguagem concisa e poética de Flávio desenvolve a pungência dessas existências, como o que escuta Marília de seu amante do além-mar no conto que conclui e nomeia a obra:

– Eu te mostrarei os mistérios do meio do oceano [..] e ouvirás de minha boca como eles são mistérios pequeninos ante os teus mistérios […].

Não compete a Flávio revelar esses mistérios da vida ilhéu de onde este catarinense de Lauro Müller tornou-se residente. Como as ondas que banham as pedras do mar, que ora revelam, ora ocultam, Flávio navega por terra para dentro da ilha e suas vidas anônimas, apresentando sutilmente parte da complexidade que a maré deixa ser vista enquanto nos faz refletir sobre o quão profundas de fato são essas personagens tão únicas e simultaneamente universais.

Serviço
O quê: Singradura, 203p.
Autor: Flávio José Cardozo
Quanto: R$27,00 impresso e, durante a Feira do Livro, R$13,50
Mais informações na página da Edufsc

Gabriel Martins/Agecom/UFSC