Laboratório de Virologia Aplicada fecha parcerias para pesquisas com o coronavírus
Pesquisar o SARS-C0V-2 no passado da população de Santa Catarina e no presente de regiões desassistidas: são projetos em andamento do Laboratório de Virologia Aplicada (LVA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O primeiro é uma parceria com o Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen), Hospital Universitário da UFSC, Laboratório de Protozoologia, Laboratório de Bioinformática e empresas conveniadas para investigar amostras retroativas de pacientes; o segundo, com a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), para utilizar o esgoto como ferramenta sentinela e averiguar a incidência de Covid-19 em áreas vulneráveis.
“Vamos avaliar o coronavírus antes de saber que ele circulava”, conta a pesquisadora do LVA e professora da UFSC Gislaine Fongaro, do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia (MIP). Amostras clínicas atreladas a diagnóstico de doenças respiratórias serão reavaliadas para investigar SARS-CoV-2. Trata-se de projeto em parceria com o Lacen de SC. São amostras colhidas entre julho de 2019 e janeiro de 2020, antes da pandemia. Como a equipe já trabalha no sequenciamento do genoma do vírus que circula atualmente em Santa Catarina, irá “observar a taxa de mutação do vírus, novas cepas, comparar o início com o pico da pandemia e a segunda onda, tudo parte de um macroprojeto com vários parceiros. Ao amadurecer estas propostas, vamos conseguir mais resultados e abrir novas possibilidades de pesquisas para tirar conclusões além das amostras retroativas”, frisa.
O trabalho do LVA ganhou destaque internacional quando descobriu que amostras do novo coronavírus estavam no esgoto de Florianópolis em novembro de 2019. “Houve grande visibilidade da virologia ambiental. A OMS e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) vêm dando respaldo em seminários e reuniões para utilizar isto como ferramenta”, comenta a professora da UFSC. Gislaine afirma que ferramentas sentinelas serão importantes após a pandemia: “Agora, tudo é positivo (em grandes centros urbanos), mas como não temos em mãos data para uma vacina, testes em pools que representam grupos e detectam indiretamente o vírus indicariam o momento de tomar mais cuidado”.
Esses estudos estão sendo muito importantes, analisando o esgoto como ferramenta epidemiológica sentinela (para monitoramento), reconhecida pela da Organização Mundial de Saúde (OMS) – ao invés de testes individuais, o material serve como uma amostra coletiva de uma população. O LVA participa da validação e implantação de protocolos mínimos de controle deste tipo de ferramenta. “Recebemos e processamos amostras de esgoto coletadas de locais vulneráveis a doenças respiratórias, como assentamentos, alojamentos, presídios e asilos”, observa a pesquisadora. “Conseguimos avaliar quando aumenta a carga viral, e passar o resultados para as autoridades tomar decisões. Já tivemos negatividade em determinadas regiões, mas também positividade onde não havia registro oficial de coronavírus. Cabe à vigilância epidemiológica local tomar decisões específicas para evitar mais casos e infecções”, alerta Gislaine.
Uma grande preocupação de pesquisadores do campo da virologia ambiental, avalia Gislaine, é a necessidade de vários controles de qualidade, desde a área da coleta ao método para recuperar vírus da amostra. “Como não temos legislação específica, para reforçar a confiabilidade, utilizamos controles internos para extrair e recuperar a partícula exógena, monitorando o processamento da amostra desde a coleta até a análise de concentração das partículas virais, do material genético. É preciso entender de virologia aplicada a área ambiental para nem superestimar nem subestimar resultados. Ainda, só porque encontrou material genético de um vírus na água, não significa que vai infectar as pessoas”, pondera a professora.
Testes virucidas
Além destas pesquisas, o LVA continua o trabalho de analisar a capacidade virucida de diversos tipos de material. “Registramos 378 análises de desinfetantes, máscaras, tecidos e biomateriais específicos no período de pandemia. É um importante know-how para a universidade, que é referência nesses testes no país, tem um impacto social muito grande. São portas importantes que vão sendo abertas para o desenvolvimento social, para fins biotecnológicos, além do trabalho de mitigação de doenças”, destaca pesquisadora. A aplicação destes produtos tem diversos fins: de maçaneta de carro a maca de hospital.
Além dos testes de produtos externos, trabalhos de desenvolvimento de biomateriais também seguem no próprio LVA. Antes do surgimento do SARS-CoV-2, alguns virucidas já vinham sendo investigados no laboratório. Com a pandemia, uma das pesquisas se voltou para uma cepa de coronavírus chamada murina, que infecta ratos – uma parceria com outras universidades e instituições. “A superfície viral e as glicoproteínas são muito similares ao coronavírus humano. Já realizamos testes virucidas onde se obteve o mínimo de 99,9% de aceleração da inativação de coronavírus. Isto é bem interessante do ponto de vista ambiental e até mesmo para trabalhos voltados a possíveis terapias. A professora aponta para testes mais aprofundados a serem feitos por mestrandos e doutorando que atuam no Laboratório de Virologia Aplicada e que a publicação dos resultados vai abrir possibilidade para outros grupos de pesquisa trabalharem com este material. “Gostamos bastante deste potencial, não sei se para um fármaco no futuro, mas certamente como um material que acelera a inativação de vírus”, comenta Gislaine.
Publicação
A pesquisa sobre o coronavírus no esgoto de Florianópolis avançou desde sua primeira divulgação, com uma análise metagenômica da amostra. “Ela fortaleceu nosso resultado, comprovou que se tratava mesmo de uma sequência com 99,9% do original de Wuhan”, afirma a professora. Neste tipo de apuração, explica Gislaine, “a gente tenta cobrir o máximo possível de um genoma. Diferente de você sequenciar um pedacinho do genoma, o sequenciamento metagenômico pega vários pedacinhos ao longo de um genoma inteiro do vírus. Dá mais segurança e houve a comprovação de que a filogenia dele (‘o parentesco’) é com a cepa oficial de Wuhan, a primeira sequenciada do mundo. Nós conseguimos uma cobertura que deu, em vários pontos ao longo do genoma, confiança analítica”. Os dados foram incorporados no artigo, que foi submetido à revista Science of the Total Environment e está em novo processo de revisão, por conta do acréscimo destes dados.
Embrapa
Outra colaboração do LVA é com a Embrapa – Suínos e Aves, de Concórdia, que foi contemplada numa proposta aprovada numa chamada da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), na qual o LVA integrou o corpo científico e técnico. A unidade terá um laboratório com nível 3 de biossegurança. “Manter isto para pequenos grupos é muito caro, assim é estratégico ter essa estrutura NB3 em uma região catarinense que tem amplamente estudado patógenos respiratórios e zoonoses, possibilitando novos projetos entre a virologia da UFSC com a Embrapa, a partir de uma parceria que vem de anos e que fazemos muita questão de manter, conclui Gislaine.
Caetano Machado/Jornalista da Agecom/UFSC