Covid-19 e violência doméstica: como reconhecer, denunciar e buscar ajuda

24/04/2020 13:53

“Fique em casa!” A orientação de cientistas e profissionais da saúde de todo o mundo deixa claro que o distanciamento social é a estratégia mais eficaz para prevenir a propagação do novo coronavírus. Mas o que fazer quando o lar, em vez de espaço de segurança e proteção, converte-se em ambiente de medo, tensão e sofrimento? A quem recorrer quando se está confinada com seu agressor?

Em todo o mundo, observa-se um aumento expressivo de casos de violência doméstica desde que começaram a pandemia de Covid-19 e, por consequência, a aplicação das medidas de distanciamento social. Segundo o New York Times,o número de emergência para violência doméstica na Espanha recebeu 18% mais ligações nas duas primeiras semanas de lockdown do que no mesmo período do mês anterior, enquanto a França registrou um aumento de cerca de 30% na violência doméstica. Em uma cidade chinesa, as denúncias do tipo triplicaram em fevereiro. No Brasil, levantamentos mostram que o registro de violência contra a mulher cresceu em ao menos quatro estados. Em São Paulo, aumentou 30% o número de casos de violência contra a mulher e dobrou o de assassinatos de mulheres dentro de casa.

Conforme aponta o documento Covid-19 e a violência contra a mulher: o que o setor/sistema de saúde pode fazer, elaborado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), “o estresse, a desintegração das redes sociais e de proteção e o acesso mais restrito aos serviços podem exacerbar o risco de violência para as mulheres”. A probabilidade de que mulheres em relações abusivas e seus filhos sejam expostos à violência aumenta à medida que os membros da família passam mais tempo juntos e enfrentam estresses adicionais e potenciais perdas econômicas ou de emprego, reforça o relatório.

Segundo Miriam Grossi, professora do Departamento de Antropologia e coordenadora do Instituto de Estudos de Gênero da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), fatores como a sobrecarga de trabalho sobre as mulheres, as incertezas e os medos quanto ao futuro e o tensionamento dos papéis de gênero do que tradicionalmente se espera do comportamento e das tarefas de homens e mulheres — estão entre os principais fatores que desencadeiam o aumento de conflitos conjugais, que, em muitos casos, culminam em atos de violência.

“Em geral a violência está associada ao que se espera do outro enquanto comportamento de gênero. Por exemplo, se espera das mulheres que cozinhem, lavem a louça, lavem a roupa, limpem a casa. São tarefas vistas como tradicionalmente femininas. No momento de confinamento, esse tipo de tarefa doméstica é tensionada. Primeiro, porque muitas mulheres começam a solicitar aos companheiros divisão de tarefas, isso sem nem falar do cuidado com os filhos. Existe, então, um tensionamento muito grande desses papéis de gênero, do que se espera das mulheres, que é cuidarem da casa, e, dos homens, que saiam para sustentar a casa, para trabalhar”, explica. 

A professora destaca também o fato de que, para algumas pessoas, a violência e a agressividade são maneiras de extravasar medos e inseguranças. “A violência muitas vezes é expressão do sentimento de impotência masculina frente a suas parceiras. Quando se sentem incapazes de cumprir aquilo que acham que deve ser seu papel, muitos homens reagem de forma violenta. É paradoxal. A fraqueza masculina tem como forma essa violência.”

Tipos de violência

Identificar que se está sendo vítima de violência nem sempre é simples. “O próprio fato de reconhecer algum ato como violento exige também uma consciência, um conhecimento da Lei Maria da Penha, por exemplo, dos cinco tipos de violência criminalizadas pela lei”, afirma Miriam. Em seu artigo 7º, a lei nº 11.340/2006, mais conhecida como Maria da Penha, descreve as seguintes formas de violência doméstica e familiar contra a mulher: 

  • violência física: ofensa à integridade ou saúde corporal;
  • violência psicológica: condutas que causem dano emocional e diminuição da autoestima ou que visem controlar ações e comportamentos, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, ridicularização, entre outros;            
  • violência sexual: constrangimento a presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada. Mesmo entre casais, relações sexuais “forçadas” ou sem consentimento também são atos de violência. Incluem-se ainda, entre outros, o impedimento de usar métodos contraceptivos e a limitação do exercício de direitos sexuais e reprodutivos;
  • violência patrimonial: retenção, subtração ou destruição de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, entre outros;
  • violência moral: qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

De acordo com a professora, a partir do reconhecimento das maneiras com que a violência se expressa, é preciso determinar limites — por exemplo, deixando claro para o parceiro a insatisfação quanto a uma agressão verbal. Também é fundamental o registro de denúncias nos órgãos competentes (confira abaixo as orientações).

Redes de proteção

A professora atenta ainda para a importância de as mulheres terem uma rede de amigos e familiares com os quais possam contar e para onde eventualmente possam ir caso necessário. “Acho que também uma forma de a gente prevenir esse tipo de violência é criando mais redes de solidariedade. Porque quando sabemos que há pessoas com as quais estamos dialogando regularmente ou que temos vizinhos em quem podemos confiar, etc, é mais fácil nos protegermos quando acontece uma situação dessas”, enfatiza.

Onde buscar ajuda e denunciar

Em decorrência da pandemia de Covid-19, o Governo Federal e a Polícia Civil de Santa Catarina anunciaram novos canais online para denúncias e registros de boletins de ocorrência. Membros da comunidade acadêmica da UFSC também podem buscar acolhimento online com a Coordenadoria de Diversidade Sexual e Enfrentamento de Violência de Gênero (CDGEN), setor vinculado à Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidades (Saad). Confira os contatos:

Polícia:
Em situação de emergência, ligue 190
Disque-denúncia: 181 ou 100
WhatsApp: (48) 98844-0011
Registro de boletins de ocorrência online: www.pc.sc.gov.br/servicos/delegacia-virtual 

Ligue 180: Além do tradicional número de telefone para denúncias de violência contra a mulher, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos lançou duas plataformas digitais para os canais de atendimento da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos: um site e o aplicativo para celulares Direitos Humanos Brasil.

Centro de Referência em Atendimento à Mulher em Situação de Violência (CREMV) – Florianópolis:
Telefone (WhatsApp): 48 99957-2148 – atendimento das 10h às 16h
E-mail: cremv@pmf.sc.gov.br
Facebook: https://www.facebook.com/cremv.cremvfloripa.1

CDGEN/UFSC: Durante o período de suspensão das atividades presenciais na Universidade, a Coordenadoria de Diversidade Sexual e Enfrentamento de Violência de Gênero mantém as atividades de atendimento online pelo email cdgen.saad@contato.ufsc.br. A equipe pode realizar o acolhimento e auxiliar no contato com o Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência e no encaminhamento à Delegacia da Mulher, entre outras ações.

 

Veja também:
Cartilha do Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) 

 

 

Camila Raposo/Agecom/UFSC

 

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