No Dia dos Professores, Leonor Scliar-Cabral é exemplo da busca pela qualidade da alfabetização
Em se tratando de linguística, Leonor Scliar-Cabral é referência nacional e internacional. A professora, escritora e tradutora dedica-se há 38 anos aos três eixos de atuação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC): ensino, pesquisa e extensão. Hoje, aos 90 anos e já aposentada, segue trabalhando, e muito! Esse exagero julga ser um defeito seu, mas esclarece: “sou tão apaixonada pelo que faço e, atualmente, tenho um certo temor de não poder concluir aquilo que julgo absolutamente necessário para melhorar a alfabetização”.
Neste Dia dos Professores, ela explica a motivação para tanta dedicação: “Quem teve o privilégio de ter acesso aos conhecimentos avançados fornecidos pelas ciências biológicas e humanas, no que diz respeito ao processamento da linguagem oral e escrita, tem a obrigação de devolver à sociedade o fruto desse aprendizado adquirido”.
A trajetória de Leonor na educação superior começa em agosto de 1981. A docente lotada no Departamento de Língua e Literatura Vernáculas (DLLV), do Centro de Comunicação e Expressão (CCE) da UFSC, lecionou no curso de Letras e em muitos outros. Recorda-se de, inicialmente, ensinar Língua Portuguesa para a produção textual a alunos de Matemática a Jornalismo.
Ensino, pesquisa e extensão
No papel de educadora, Leonor ministrou na UFSC as disciplinas básicas de Linguística – fonética, fonologia, morfologia, linguística histórica e aplicada, entre outras -, conhecimentos dos quais já tinha publicado uma obra clássica no Brasil para formação de profissionais na área, “Introdução à Linguística” (1974). Exerceu a docência, também, no Centro de Ciências da Educação (CED) para futuros alfabetizadores e em programas de pós-graduação.
Como pesquisadora alcançou o nível 1A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Para Leonor, fica difícil quantificar os estudos em que esteve envolvida, assim como o número de pesquisadores de iniciação científica, mestres, doutores e de pós-doutores que contribuiu com a formação e orientação.
Desta jornada acadêmica, Scliar-Cabral ressalta as primeiras experiências como a pesquisa “Narratividade em crianças e os processos de leitura”. Este projeto interdisciplinar foi realizado entre 1982 a 1983, com o convênio do Instituto Nacional de Pesquisas (Inep). Envolveu 60 crianças, na faixa de 4 a 6, e 11 anos, de realidades socioeconômicas distintas, e uma equipe constituída de psicolinguistas, linguistas, pedagogos, psicólogos e antropólogos.
Outra linha de pesquisa que Leonor participou envolve a Psicolinguística Experimental. Desta vez, em parceria com o professor da Universidade Livre de Bruxelas, José Morais, um dos grandes nomes da ciência cognitiva no mundo. Resume um dos estudos, pioneiro à época, com crianças do primeiro ano do Ensino Fundamental e a “preferência da orelha direita, cujos sinais são processados no hemisfério esquerdo para os sinais acústicos da fala”, como também “o efeito da alfabetização sobre esses processamentos”. Com a mesma instituição da Bélgica, pesquisou sobre a consciência fonêmica, na categorização semântica, trabalhando com o efeito da alfabetização e da escolaridade.
Hoje, a pesquisadora se dedica a alimentar um banco de dados mundial de aquisição da linguagem, como parte da sua tese de doutorado. São mais de cinco mil registros, que servem para outros estudiosos se debruçarem em análises morfológicas da aquisição da linguagem em três fases da criança. Também colabora com cursos de extensão a distância, na plataforma Moodle UFSC, sobre sistema de alfabetização para leitura e escrita.
“Eu não acredito que seja possível a Universidade existir sem haver vínculos com a comunidade. Nós fazemos pesquisa teórica e aplicada com uma finalidade: devolver à comunidade esse produto, e uma das possibilidades desta interface é o trabalho de extensão”, reforça a professora.
A implantação da Cátedra Unesco para leitura e escritura na América Latina foi o coroamento do trabalho de extensão de Leonor Scliar-Cabral. A disciplina tem a finalidade de contribuir para a melhoria da qualidade da educação no continente americano. A rede internacional agrega pesquisadores de várias universidades nos países da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia (sede), México, Peru, Porto Rico e Venezuela.
Uma das preocupações da Cátedra é com os altos índices de analfabetismo funcional, mesmo entre os estudantes. Leonor pontua que “dentro da universidade, temos ainda 1% dos estudantes com analfabetismo funcional de nível rudimentar, ou seja, aqueles que conseguem apenas compreender títulos e frases curtas”. O convênio com a UFSC começou a ser implantado no final de 2009. Atualmente, por questões burocráticas, a UFSC não participa mais da iniciativa.
Sua atual atividade de extensão está direcionada, prioritariamente, para uma alfabetização de qualidade. “Segundo dados do Instituto Nacional de Alfabetismo funcional (Inaf), não mais de 28% dos brasileiros, na idade para tal, compreendem os textos que circulam em sociedade. Os efeitos desse mal estão aí nas eleições”, disse Leonor. E mais: “nós não teríamos chegado à situação que o Brasil se encontra se o povo tivesse acesso à informação de forma crítica”.
Para a experiente professora “somente com políticas públicas adequadas, fundamentadas, naquilo que há de mais avançado no conhecimento – precisamos acreditar na ciência e não em crendices – que se ocupa do processamento da linguagem como ela é adquirida e aprendida, nós poderemos avançar. Através dessas aplicações temos três caminhos a seguir: formação de professores, metodologia adequada e elaboração de material pedagógico”.
Inovador
O Sistema Scliar de Alfabetização pesquisa os processos de aquisição da linguagem e de aprendizagem da leitura e da escrita. Testado com crianças de diferentes perfis, o sistema demonstrou sua eficiência, pois está ancorado em sólidos fundamentos teóricos e nos mais recentes avanços da Neurociência, da Linguística e da Psicolinguística. O método é pioneiro e pode ser empregado a distância.
Leonor afirma que “todo o trabalho foi feito dentro da Universidade e teve origem nos meus conhecimentos que adquiri no convívio com colegas, mas principalmente com muita leitura, estudo e experimentação.”
Emérita
A cientista da linguagem teve sua trajetória reconhecida pela UFSC em dezembro de 2008. Nesta data, a instituição lhe concedeu o título de professora emérita, o mais importante do meio acadêmico. A homenagem se pautou pela produção científica no estudo da linguística, campo em que seu nome é destaque dentro e fora do país.
Leonor
Leonor Scliar-Cabral nasceu em Porto Alegre (RS), é doutora em linguística pela Universidade de São Paulo (USP) e fez pós-doutorado na Universidade de Montreal. Em julho de 1991, em congresso realizado na Universidade de Toronto, foi eleita presidente da International Society of Applied Psycholinguistics (ISAPL). Reeleita para mais um mandato na Universidade de Bolonha/Cessena, é atualmente presidente de honra da entidade. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Psicolinguística, atuando principalmente nos seguintes temas: aquisição da linguagem, neurociência, alfabetização, leitura e analfabetismo funcional.
Primeira presidente da União Brasileira de Escritores de Santa Catarina (UBE/SC), entre 1995 e 1997, e atualmente representa o Brasil na Cátedra Unesco para o Desenvolvimento da Leitura e da Escrita na América Latina. Possui dezenas de livros publicados no Brasil e no exterior. Entre os títulos estão “Introdução à linguística”, “Princípios do sistema alfabético do português no Brasil”, “Memórias de Sefarad” e “O sol caía no Guaíba”.
Publicou “Romances e canções sefarditas” (1994), “Memórias de Sefarad, Desenectute erotica” (1998), “Poesia espanhola do século de ouro” (1998), “O outro, o mesmo” (tradução poética, In J. L. Borges, “Obra completa”, 1999), “Cruz e Sousa, o poeta do desterro” (versão poética para o francês com Marie-Hélène Torres das legendas do filme homônimo de Sylvio Back, 2000). Em função do trabalho de tradução poética, deu origem ao curso de tradutores na UFSC.
Ultimamente, vem se dedicando à prevenção do analfabetismo funcional, com a proposta do método “Alfabetização: aprendizagem neuronial para as práticas sociais de leitura e escrita”. Outro livro recente é o “Guia prático de alfabetização”, baseado em “Princípios do sistema alfabético do português do Brasil” (2003). Com Carmem Rosa Caldas-Coulthard, publicou “Desvendando discursos: conceitos básicos” (2008). “Sagração do alfabeto” (2009) foi finalista do Prêmio Jabuti, categoria poesia, em 2010, ano em que também organizou “Psycholinguistics Scientific and technological challenges”.
Rosiani Bion de Almeida/Agecom/UFSC
com informações do Círculo da Leitura (2013)
Foto: Jair Quint/Agecom/UFSC
Imagens: Audrey Schmitz/Agecom/UFSC