Palestra sobre uso da química na bruxaria conecta ciência e cultura
Não é mês de Halloween, mas quem passou pelo auditório do Departamento de Química da Universidade Federal de Santa Catarina (QMC/UFSC) na tarde da última quinta-feira, 23 de agosto, encontrou um grande grupo de pessoas atentas a um homem que falava sobre um tema um tanto inusitado para uma universidade: poções de bruxas. Ao contrário do que se poderia imaginar, no entanto, o palestrante não era um feiticeiro oriundo de um conto gótico. Quem falava era Edson Minatti, professor da instituição, ministrante da palestra “Moléculas da Bruxaria”.
Todos os assentos estavam ocupados. O interesse sobre essa relação entre ciência e cultura trouxe até estudantes de outras graduações, como Medicina, Artes Cênicas e Cinema. A palestra iniciou com uma breve retomada sobre a história das bruxas na Idade Média e Idade Moderna, quando eram perseguidas e mortas. Em seguida houve uma contextualização da cultura das bruxas em Florianópolis. Com o pano de fundo definido, passou-se , então, ao assunto principal.
Elixires
O eixo do evento foi a apresentação dos ingredientes químicos presentes em três elixires famosos na literatura sobre o tema, bem como sua ação nos seres humanos.
A primeira poção explicada foi a do sono profundo, referenciada até na ficção da Disney, como Branca de Neve e A Bela Adormecida. O elixir do sono profundo possui flores de dedaleira (planta selvagem europeia), sapos secos do gênero bufo e extrato de serpentina (planta de jardim conhecida na medicina popular). Na dedaleira há a digitoxina, molécula capaz de diminuir drasticamente os batimentos cardíacos, levando o usuário a um estado muito parecido com o da morte. Nos sapos do gênero bufo, é possível encontrar a bufotoxina, que também diminuiu a frequência cardíaca. Já o extrato de serpentina possui, sobretudo em suas raízes, alcaloides de ação fisiológica e psicotrópica, que diminuem a pressão arterial e também a frequência cardíaca. O resultado da mistura é uma droga capaz de deixar o usuário em um estado letárgico profundo, que pode ser diagnosticado como morte clínica.
A próxima da lista foi a poção do amor. Em sua composição há extrato de raízes de mandrágora (planta comum em contos de bruxaria), folhas de meimendro, noz de areca e cânhamo amarelo. O extrato de raízes de mandrágora é afrodisíaco. Em sua composição há alcaloides propanos, como a atropina, que causa euforia. A folha de meimendro, embora tóxica, em doses moderadas pode causar alucinação. Era utilizada pelos oráculos gregos para se comunicarem com o deus Apollo, segundo suas crenças. Além da atropina, o meimendro também é composto por escopolamina, alcaloide conhecido como “soro da verdade” em romances policiais, que é euforizante e ajuda a combater náuseas em astronautas da NASA. A noz de areca era mascada por nômades do Oriente Médio e África, durante suas longas jornadas no deserto. Já as bruxas faziam extrato alcoólico desse ingrediente, rico em arecolina, que atua como estimulante e tranquilizante. Por fim, o cânhamo amarelo, planta utilizada no chá dos mórmons, possui como principal alcaloide a efedrina, que aumenta a pressão arterial e circulação sanguínea. Portanto, o elixir do amor possui substâncias estimulantes e euforizantes, resultando em um amento de ânimo.
A última receita comentada é também a mais perigosa: a poção da morte. Nela há extrato de sementes de cicuta, sementes de estricna e, novamente, sapos secos. A cicuta ficou conhecida na literatura por ter sido a planta que matou o filósofo Sócrates, que foi obrigado a ingerir sua solução em uma taça. Ela possui o alcaloide coniina, uma neurotoxina capaz de paralisar todo o sistema nervoso, causando morte cerebral. A semente de estricna possui como principal alcaloide a estricnina, a mais amarga de todas as substâncias conhecidas. Ela mata por asfixia, pois provoca parada súbita do sistema respiratório. Como resultado da mistura, cria-se uma substância totalmente letal, que mata em poucos segundos.
Como as bruxas “voavam”?
Um utensílio característico das bruxas na literatura é a vassoura, responsável por fazê-las voar. Segundo a química, essa história realmente é verdadeira, mas tem outro significado. De acordo com Minatti, essas mulheres criavam uma essência e a passavam no cabo da vassoura. Em seguida, esfregavam o cabo na região vaginal, resultando em uma forte alucinação, capaz de causar a sensação de estarem flutuando.
Essa essência era composta por extrato de folhas de belladonna, folhas de datura, cogumelos secos, gordura de bebê recém-nascido e, novamente, extrato de raízes de mandrágora. A belladonna possui alcaloides do tipo tropanos, tal como escopolamina e atropina. Os efeitos são amplos, como dilatação de pupilas, aumenta da frequência cardíaca, visão embaralhada, tontura, confusão e impressão de estar fora do corpo. As folhas de datura possuem substâncias altamente alucinógenas e sedativas. Os cogumelos secos possuem fungos com triptaminas psicoativas, como a psilocibina e psilocina, que causam alterações sensoriais agudas. Alguns usuários relatam ter visões de seres fantasmagóricos e perdem a capacidade de distinguir o real do irreal. Já a gordura de bebê, que era misturada ao óleo de amêndoas, tinha apenas objetivo psicológico, para que a substância estivesse associada ao demônio.
Ao final da apresentação, ficou evidente: as cientistas de hoje e as bruxas do passado são as mesmas mulheres, tendo como única diferença seus contextos históricos.
Uma palestra que dura quase 11 anos
Minatti conta que sua ideia inicial era dar a palestra uma única vez, durante o Halloween de 2007, para o pessoal do curso de Química da UFSC, mas o sucesso do tema o levou para diversas universidades do país, fazendo com que continue falando sobre o assunto após quase 11 anos. “Me especializei no tema por curiosidade, pois via nas práticas de bruxaria os primórdios das técnicas que usamos hoje no laboratório. E me chamava a atenção o fato de elas dizerem que tinham a capacidade de voar, então me aproximei dessas histórias. Para Florianópolis, o assunto gera ainda mais interesse, pois estamos na ilha da magia, então há todo um misticismo envolvido aqui na região”, conta Minatti, que atualmente é professor de disciplinas sobre polímeros, coloides e nanotecnologia.
Alan Christian /estagiário de Jornalismo da Agecom/UFSC