Pesquisa busca modelo de comportamento seguro para participantes do Programa Antártico Brasileiro

08/12/2017 07:46

Uma pesquisa pioneira da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) irá elaborar um modelo de comportamento seguro para expedicionários militares brasileiros que trabalham na Antártica. Desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Psicologia pela mestranda Paola Barros Delben, orientada pelo professor Roberto Moraes Cruz, o projeto visa a redução da probabilidade de acidentes e adoecimentos dos participantes do Programa Antártico Brasileiro (Proantar).

Paola foi pela quinta vez à Antártica na missão XXXVI do Proantar, de 28 de outubro a 24 de novembro, um diferencial sobre outros estudos do programa, já que conta com observações, entrevistas e questionários durante as atividades. “Os trabalhos anteriores não eram in loco, ou seja, as pessoas faziam entrevistas após as expedições. Em países como Austrália, Canadá, Estados Unidos, há alguns trabalhos, mas é um campo bem inicial. Com relação à atenção à saúde e segurança, esse é um projeto pioneiro, de fato. Não existem outros projetos, no mundo, relacionados a isto”. A pesquisadora, que integra a equipe do Laboratório Fator Humano e o Grupo de Pesquisa em Psicologia Polar e Segurança, acompanha as saídas de campo e a rotina dos militares e pesquisadores que trabalham no local.

A pesquisa foi iniciada ainda durante a graduação: Paola leu sobre o Proantar, quando investigava programas públicos que tivessem bons desempenhos. Junto com seu orientador, ela apresentou um projeto de iniciação científica para o Programa, a respeito de psicologia na Antártica. Eles foram contemplados com duas bolsas e Paola foi lá pela primeira vez, ainda como estudante de graduação. Ela e mais um colega participaram do treinamento pré-antártico, experimentando as roupas e normas de segurança e conduta da Marinha. “O programa é gerido pela Marinha do Brasil. Embora seja militar, é voltado para a ciência, um meio civil. Então, eles têm a preocupação que a gente entenda como é a conduta deles”.

Segurança

A preocupação com segurança foi redobrada pelo Proantar após um acidente na Estação Antártica Almirante Ferraz, em fevereiro de 2012. Um incêndio, pelo qual uma pessoa foi condenada, atribuído a erro humano, resultou em duas mortes e na destruição do local. Hoje, os brasileiros fazem pesquisas em Módulos Antárticos Emergenciais, enquanto a base é reconstruída. “A partir disso, eles intensificaram os treinamentos de combate a incêndio. A questão mais grave sobre acidentes na Antártica é que, quando acontecem, o resgate é demorado. Este ocorreu no final do verão. Se fosse no inverno, o resgate seria muito dificultado, poderia levar dias e as pessoas estariam expostas àquelas intempéries durante dias”, comenta Paola.

O trabalho de Paola foca na elaboração de um modelo de comportamento seguro em expedicionários militares. Seriam medidas comportamentais necessárias para que acidentes e adoecimentos sejam evitados. Por exemplo, utilizar Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), como botas e luvas para se proteger do frio. “Frequentemente eles relatam que as luvas não permitem o movimento fino. Tem que tirar a luva e expor as pessoas ao risco ou aumentar o tempo que levaria para ser concluído. A gente busca alternativas para que as pessoas cumpram os procedimentos de segurança, utilizem os EPIs, mas que também que os EPIs sejam adequados àquela situação”, explica Paola. A pesquisadora dá o exemplo de um líquido que se passa nas mãos para se proteger do frio por um período específico. “Existem algumas alternativas que não são custosas, especialmente quando a gente está lidando com vidas. É um modelo que não envolve só o nível operacional, as pessoas que estão exercendo a atividade, mas o nível organizacional: que recursos a organização deve fornecer para que realizem o trabalho com segurança”.

O excesso de trabalho, um dos motivos que podem ter levado ao acidente no Proantar, é um dos aspectos que Paola investiga no modelo. “Os expedicionários ficam naquele ambiente durante um ano, que é de residência e trabalho compartilhados. Não podem, no final de semana, sair e espairecer a cabeça. Todos os momentos deles são ali naquela situação. É preciso também pensar formas de entretenimento para que possam enfrentar esta situação”. Os militares passam até um ano na estação, fazendo diversos trabalhos, desde a manutenção até o apoio para as pesquisas. “Eles levam os pesquisadores para os campos de trabalho, coletar alga ou as espécies que precisam. São eles que prestam todo esse apoio. Sem os militares, as pesquisas brasileiras na antártica não ocorreriam”, diz Paola.

Ela desenvolveu um conceito de modelo de comportamento seguro para este ambiente. “O comportamento seguro deve ser analisado em algumas dimensões e facetas. São ações de exposição controlada ao risco, como, por exemplo, o autocuidado, o cuidado com o colega, a atenção a comportamentos repetitivos. Tem uma série de comportamentos para avaliar o quanto este comportamento é seguro, que é uma dimensão maior”.

No momento, o projeto não está trabalhando com grupos experimentais, mas eles devem ser realizados. A proposta é que, no futuro, sejam apresentadas algumas intervenções como uma terapia de luz artificial e o quanto isto pode diminuir os sintomas. “O que mais é reportado como adoecimentos psicológicos são sintomas depressivos ou ansiogênicos e alterações no ciclo sono-vigília. Para todas estas condições, a gente consegue apresentar mecanismos que possam reduzir os impactos. Por exemplo, a alteração do ciclo sono-vigília, poderia apresentar alternativas de luz artificial. Durante o verão, a gente poderia expor estas pessoas, à luz laranja e azul, em determinadas horas do dia, e simular para o cérebro que ele está numa condição normal, e isso reduziria a minimização da produção de melatonina e vitamina”. Paola também lembra que, quando a vitamina D é pouco produzida pelo organismo, está associada à depressão.

Projetos

A mestranda planeja projetos paralelos relacionados ao estudo. Ela já está escrevendo, com outros pesquisadores do Brasil, um livro sobre psicologia, saúde e segurança na Antártica. “Futuramente tenho interesse em fazer um trabalho específico sobre as pessoas que trabalham lá: quem são, sejam militares ou civis, como chegam lá, as dificuldades, motivações, o que a família pensa deles. Fiz um levantamento ampliado sobre isto, mas não cabe no meu estudo. É muito dado, então tive que fazer um recorte específico, no aspecto da segurança”.

Paola também pretende realizar um projeto de divulgação científica para a graduação e o ensino médio, apresentando o que é feito pelo Brasil na Antártica. “O Brasil vai pra lá desde os anos 1980 e tem muitas contribuições. As pesquisas são de ponta, causam grande impacto, mesmo realizadas com pouco investimento. Minha intenção é divulgar isto, tanto pra quem quer ingressar na vida acadêmica, que é possível ir para a Antártica fazer ciência nas áreas biológicas, físicas, humanas, como ingressar nas forças militares. Tanto a FAB como a Marinha do Brasil fazem este trabalho diferenciado, de missão de paz”.

Experiência

Além de chegar perto (mas não muito) de focas e pinguins e enfrentar o frio, Paola diz que viver o isolamento daquela comunidade é uma experiência única. “Lá é um lugar meio utópico, a gente vai para lá e, durante uns 20 dias, não sabe o que é usar dinheiro, usar chave, o que é roubo, nada disso. É uma comunidade que a gente convive 24 horas por dia, conhece as pessoas totalmente, e volta de lá e pensa: que diferença, lá tudo funciona. A gente não produz impacto ambiental, o lixo é totalmente reciclado, a gente tem essa preocupação de não chegar muito próximo dos animais, de preservar realmente”.

Ela também cita a oportunidade de conviver o tempo todo com as pessoas que pesquisa. “Os meus objetos de pesquisa não podem fugir dali. Tudo o que quiser acessar está ali, à disposição. Ao mesmo tempo, tenho aquela questão metodológica brigando comigo, porque deveria ter um distanciamento, mas eu durmo, tomo café, almoço e janto no mesmo lugar que eles. A gente está muito próximo e tem que manter aquela distância”.

Paola conta que teve uma boa interação com os expedicionários. “Para mim, que sou de fora e não conhecia o universo militar, foi a melhor possível. Dentro da estação, alguns aspectos do militarismo como a hierarquia caem por terra. Lá não existe essa questão de chamar a pessoa de senhor ou a patente. Todo mundo faz todos os trabalhos juntos, do chefe da estação que vai limpar o banheiro, ao almirante que vai visitar e tem que trabalhar fazendo comida”.

Das estações de outros países, Paola visitou a da Polônia. “A estação polonesa não é gerida por militares, apenas por civis. Mas eles fazem todos os trabalhos que os militares da estação brasileira fazem, mais as pesquisas. São dez pessoas que ficam lá todo ano também, realizando todas as funções, e é muito trabalho realmente, mas eles já têm uma cultura diferenciada”.

Um dos problemas é da pesquisa é relacionado com o financiamento. Se durante o período de deslocamento, nos navios e aviões militares brasileiros, e de permanência na estação, os custos são do Proantar, a estadia em Punta Arenas, no Chile, fica por conta dos pesquisadores. Como o clima é um fator para as viagens, às vezes é necessário esperar uma janela de transporte por quase três semanas, obrigando os pesquisadores a pagarem hospedagem e alimentação na cidade chilena.

 

Caetano Machado/Jornalista da Agecom/UFSC

Fotos: Paola Barros Delben/Laboratório Fator Humano/UFSC

 

 

 

 

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