Adesão do HU à Ebserh completa dois anos e é tema de debate
O primeiro dia deste dezembro marca os dois anos de adesão do Hospital Universitário (HU/UFSC) à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). A polêmica que cerca o assunto foi tema do debate realizado neste dia, no auditório da Pós-Graduação do Centro de Ciências da Saúde (CCS). Os debatedores foram a professora do Departamento de Serviço Social, Tânia Regina Krüger, a superintendente da Ebserh no HU, Maria de Lourdes Rovaris, o assessor institucional, Gelson Luiz Albuquerque, e as representantes dos trabalhadores do Hospital e dos estudantes, Gabriela Santos Pedroso e Lais Krasniak. A mediação foi feita por Bruna Veiga de Moraes, mestranda em Serviço Social e representante da Associação de Pós-Graduandos da UFSC (APG). Após as exposições dos debatedores, a plateia pôde se manifestar com perguntas e, por último, os presentes à mesa realizaram suas ponderações finais.
Crítica à adesão
A docente Tânia Krüger, representante dos movimentos sociais, resgatou a história desse contrato, sob o ponto de vista dos movimentos sociais. Apontou que a defesa do HU começou muitos anos antes da Ebserh. No decorrer desse processo ocorreram muitos debates e ações, dentro e fora do hospital, visando denunciar seu sucateamento e buscar alternativas. A debatedora lembrou-se dos vários atos que terminaram em simbólicos abraços ao HU – em que pessoas dos mais diferentes segmentos sociais davam as mãos ao redor do prédio principal, em demonstração de seu compromisso com a instituição.
Tânia apontou que a partir de 15 de dezembro de 2011, no entanto, um novo ataque foi desferido. Esta data marca a aprovação da empresa pública, que vinha sendo indiretamente imposta a todos os 50 hospitais universitários do Brasil. Desde então, o Conselho Universitário (CUn) passou a discutir a adesão do HU à empresa. Desde o fim de 2011 foram realizadas 119 sessões, dentre as quais, 19 abordaram a possibilidade desta adesão.
A professora destacou o ano de 2014, em que houve sete debates institucionais sobre o assunto, que culminaram na realização, em 29 de abril do ano seguinte, de um plebiscito institucional. O resultado foi, conforme afirma, contundente: 70% da comunidade universitária posicionou-se contrária à adesão. “Para arrepio desta mesma comunidade, em 1º de dezembro de 2015, o CUn se reuniu na Academia da Polícia Militar e aprovou a adesão”, afirmou.

Foto: Ítalo Padilha/Agecom/UFSC
O contrato foi assinado em 16 de março do ano seguinte, com vigência de 10 anos. Previa a transição do comando até 15 de setembro de 2017, quando a empresa passaria, então, à gestão plena. Tânia apontou, contudo, que a plenitude da administração não se iniciou, havendo ainda muitos elementos pendentes. Dentre eles, as cláusulas 7ª e 9ª do contrato, que prevê um rol de obrigações da Ebserh, e conforme sua avaliação, muitas não foram cumpridas. Entre elas, destaque para a ausência de prestação anual de contas aos conselhos superiores da UFSC, a reativação de leitos em até um ano e a contratação por concurso público dos trabalhadores que faltam para manter o quadro funcional completo.
Quanto a este último aspecto, a docente alertou que, antes da adesão à Ebserh, a necessidade apontada pelo HU era cerca de 700 trabalhadores. A primeira avaliação da Empresa, quando do contrato já assinado, era, todavia, de aproximadamente 400. E foi esse o número de vagas previstas no concurso. Foram, entretanto, chamados pouco mais de 20 trabalhadores. O plano de reestruturação de abril de 2016 indica a metodologia de ampliação de leitos, de procedimentos e de pessoal e, em fevereiro, já havia um dimensionamento, a partir da análise da estrutura encontrada, em que a Empresa se comprometia, para o ano de 2016, com a reabertura dos leitos fechados. Segundo Tânia, nenhuma dessas metas foi cumprida.
Ao final, Tânia apresentou os quatro macroproblemas presentes no Plano Diretor Estratégico (PDE) da Ebserh: gestão de pessoas, captação de recursos, infraestrutura física e tecnológica e modelos clínico e assistencial insuficientes para atender ao Sistema Único de Saúde (SUS). Todos esses problemas já vinham sendo apontados há anos, em especial o referente ao subfinanciamento.
Balanço positivo frente aos desafios da nova gestão
Na sequência, Maria de Lourdes Rovaris, superintendente da Ebserh no HU e docente do Departamento de Análises Clínicas da UFSC, realizou sua exposição, intitulada “ganhos e desafios”. Maria de Lourdes, no cargo desde 2 de setembro de 2016, procurou delinear a estrutura herdada e o processo de transição ainda em curso. Lembrou aos presentes que o HU é um hospital de ensino, assim reconhecido desde 2004. Vinculado a dois ministérios, Saúde e Educação, trata-se de um espaço educacional com perfil assistencial de médio porte, e que contratualizou com a Secretaria Estadual de Saúde de Santa Catarina, de 2004 a 2010, depois com o Município de Florianópolis e, desde 2016, com a secretaria estadual novamente.
Na sequência, a superintendente apontou que, até o momento, somente em três universidades não ocorreu a adesão de seus hospitais à Empresa. Do total de 50, 39 já firmaram contrato com a Ebserh, 10 não e um contratualizou com uma empresa pública. No caso específico do HU da UFSC, Maria de Lourdes afirmou que, após a adesão, ocorreu o dimensionamento, em conjunto entre trabalhadores e gestores. A partir disto foi iniciado um processo de reorganização do hospital, complexo e cheio de desafios.
O concurso foi encaminhado, quando foram delineadas as vagas e os perfis para provimento dos cargos. A homologação deu-se no final de junho de 2017 para mais de 400 vagas, sendo 60 para cadastro reserva. Já em agosto foram nomeados 25 trabalhadores. Em setembro, assume a superintendente e, em dezembro, a estrutura organizacional começa a ser montada, com nomeações de gerentes a partir deste período. Maria de Lourdes alertou para as dificuldades de realizar a transição. Uma das que destacou é decorrente da complexa nomeação de docentes com dedicação exclusiva (DE). Hoje com 133 docentes DE cedidos, muitos desses problemas têm sido superados.
Os desafios para a adequação às normas de pesquisa e extensão também têm sido enfrentados. Atualmente o HU possui um perfil específico no Sistema Integrado de Gerenciamento de Projetos de Pesquisa e de Extensão da UFSC (Sigpex) e órgão interno para tramitação e eventual aprovação dos projetos. Maria de Lourdes exibiu ainda dados dos programas de pós-graduação em implantação. São um mestrado, em parceria com o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), e um doutorado já em tramitação junto à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Por fim, a superintendente expôs os dados relativos ao andamento das alterações na estrutura do hospital, com os serviços, cargos, metas, obras, cessão patrimonial e gestão. Apresentou ainda os quantitativos e qualitativos das metas traçadas, apontando para o alinhamento entre as metas e o realizado.

Foto: Ítalo Padilha/Agecom/UFSC
Dificuldades financeiras
O terceiro a falar foi Gelson Luiz Albuquerque, assessor institucional da atual gestão da UFSC e docente do Departamento de Enfermagem. Primeiro informou que o reitor da UFSC não pôde vir ao debate, devido às aulas que ministra na pós-graduação em Direito. Ressaltou que há na UFSC duas visões legítimas quanto à relação HU-Ebserh. A atual gestão, com mandato iniciado em maio de 2016, criou uma comissão de acompanhamento do contrato, cuja fase de transição já se iniciara quando da posse da nova reitoria.
A partir desse grupo, foi realizado o acompanhamento da transição até a gestão plena, que deveria ocorrer quando fossem finalizadas as metas propostas. E partiu do Conselho Universitário a previsão de 12 meses para a conclusão da fase de transição e, portanto, de início da gestão plena da Ebserh. Segundo Gelson, este prazo era superestimado. Prova disso foi a decisão do CUn em ampliá-lo para 18 meses.
A dificuldade de transição, entretanto, não sinaliza para uma gestão conduzida de forma equivocada por parte da empresa. Nacionalmente se verifica que a maioria das universidades ainda não têm gestão plena da Ebserh em seus hospitais. Gelson atribuiu essa dificuldade às complexidades inerentes em um serviço desta natureza e com tantos elementos complicadores da própria estrutura pública. “Parece simples, mas não é. Em dois anos ainda não foi realizada a transferência patrimonial do HU à Ebserh. E como falar em gestão plena quando a Empresa sequer consegue gerir o patrimônio?”, exemplificou.
Os mesmos obstáculos se explicitam em todas as áreas. Outro exemplo citado por Gelson foi o referente aos contratos, que foram firmados com a universidade e que posteriormente teriam de ser transferidos, uma vez que os recursos oriundos não poderiam ser destinados à Ebserh. “Isso dificulta. Como fazer uma gestão plena sem acesso a todos os recursos? Não é fácil fazer a passagem de uma estrutura de transição para uma gestão plena. Quem critica não conhece a máquina pública. Não sei dizer quando será uma gestão plena”, reiterou. Diante desses elementos, o representante da gestão da Reitoria afirmou que entende que devem ser firmados “[…] tantos aditivos quanto forem necessários até ter a gestão plena”.
Gelson finalizou com uma breve análise das dificuldades enfrentadas pelo hospital. Segundo destacou, o Hospital Universitário precisa realizar contratações de trabalhadores, porém, alertou para a necessidade de compreensão de que as dificuldades hoje enfrentadas são decorrentes do contingenciamento recente. Os problemas que o HU enfrenta na gestão Ebserh não diferem, em forma, dos problemas enfrentados pelo conjuntos das instituições de saúde e educação públicas em tempos de baixos investimentos. A disputa por recursos públicos é, portanto, ampliada em um espaço que conjuga saúde e educação, como é o HU, ao que o assessor atentou à necessidade de os movimentos sociais colaborarem com a luta por mais recursos ao hospital.
Falta de pessoal
Gabriela Santos Pedroso, representante dos trabalhadores do HU, expôs como “os problemas vistos de fora são sentidos por dentro”. A trabalhadora enriqueceu o debate a partir da expressão cotidiana dos obstáculos debatidos por seus antecessores à mesa. Gabriela afirmou que a falta de recursos é visível, ao que há o convívio com unidades fechadas. A impossibilidade de atender à demanda, decorrente, principalmente, da falta de pessoal, implica em sobrecarga de trabalho. Esta, por seu turno, acarreta no adoecimento crescente de trabalhadores, que se afastam para tratamento, ampliando crescentemente a intensidade de trabalho no hospital, no que resume como “problemas em sequência em função da desoneração na saúde”.
A técnica-administrativa em Educação (TAE) ressaltou que as dificuldades oriundas da falta de pessoal são crescentes também no que diz respeito às aposentadorias não repostas e ao não cumprimento, por parte da Ebserh, da regularização da situação dos trabalhadores contratados por fundação de apoio [neste caso, a Fapeu]. Soma-se ainda a avaliação de que “[…] as 421 vagas propostas ainda não [foram] cumpridas [por parte da Empresa]. E mesmo que cumpridas não são suficientes; Não bastasse somente 25 nomeações, a minoria é assistencial. O problema é sistêmico, sabemos. A Ebserh surge, no entanto, com a promessa de superação da ‘ineficiência pública’ e também sofre com o contingenciamento. O pagamento é por serviço, mas os serviços não têm sido prestados por falta de pessoal. Como lidar com uma instituição com quatro vínculos: estatutário, Ebserh, fundacional e terceirizado? Cada um tem uma peculiaridade, uma jornada de trabalho, uma limitação. Montar uma escala de trabalho é muito complexo, pois é tudo distinto. O desafio, contudo, é como fazer tudo isso mantendo o HU 100% SUS. E ser 100% SUS é muito diferente de ser 100% gratuito”, finalizou.
Falta de condições e de transparência
A última debatedora foi a estudante Laís Krasniak, do curso de graduação em Medicina e do Diretório Central dos Estudantes (DCE/UFSC). A graduanda se propôs a sintetizar a visão dos estudantes sobre a atual condição do HU. Iniciou com o seguinte dado: por ano, segundo o Plano Diretor Estratégico da Ebserh, passam pelo HU aproximadamente 2 mil estudantes, oriundos de vários cursos de graduação da UFSC e de outras universidades, além de alunos do Ensino Médio. São, no total, 2003 bolsas, mais bolsistas permanência e 99 residentes médicos e 57 residentes multiprofissionais. O papel de hospital-escola é, dessa forma, inegável.
A estudante, contudo, alertou quanto à perda paulatina desse caráter e da precarização do espaço formativo em decorrência de diversos fatores. Em primeiro momento, Laís destacou a cláusula 7ª do contrato entre o hospital e a empresa, que versa sobre a “preservação dos espaços formativos e produção e promoção de pesquisa e extensão”.
Problematizou que “para isso, [preservação dos espaços formativos,] os leitos precisam ser reabertos. Essa era a principal demanda de quem se posicionava favorável à adesão à Ebserh. A cláusula 7ª, no entanto, dá o prazo de até um ano, e 16 de março [deste ano] era o limite. Assim, é triste ver a reitoria relativizar essa questão e sugerir termos aditivos na sequência. O plano de reestruturação aponta a emergência como o ‘centro nervoso’ do HU. Essas dificuldades já existiam antes. Os estudantes, por exemplo, muitas vezes cumprem horário somente na emergência, pois ela é constantemente fechada. Há o caso de um estudante de Medicina que foi atendido por entrar no hospital com o jaleco, pois seu caso era grave. Ele tinha leptospirose e em quatro horas estava na UTI. As metas inseridas não foram cumpridas. Além disso, a EBSERH excluiu de suas metas para ensino e pesquisa a residência multiprofissional. Na prática, dos 400 concursados, somente 4% dos chamados até o momento é assistencial. A Ebserh não somente não abriu leitos, como, ao contrário, fechou. Não houve expansão dos atendimentos e até o serviço de emergência foi fechado. No internato, há revezamento ou muitos estudantes por paciente, pois não há pacientes. A organização dos estudantes é necessária para reverter esta situação, pois não há transparência. Se é para descumprir [o contrato], por que assinar? O CUn não pode relativizar”, afirmou a graduanda.

Foto: Ítalo Padilha/Agecom/UFSC
Manifestações e ponderações finais
Quando o debate passou às intervenções da plateia – composta por estudantes, docentes, TAEs e representantes de diversos movimentos, além da presença de dois diretores de centro e de conselheiros universitários – presenciou-se uma manifestação do Coletivo Catarinense de Residentes. Na ocasião, o grupo lançou a campanha contra o assédio na residência. O coletivo apresentou-se enquanto contrário à Ebserh, argumentando que os casos de assédio têm aumentado no HU. O grupo afirmou entender que a precarização fomenta o assédio, e no HU essa correlação é evidente. O Coletivo ainda ponderou que que a campanha visa à combater os assédios moral e sexual no ambiente da residência.
Em seguida, um grande número de inscritos fez uso da fala. A maioria realizou duras críticas ao contrato de adesão, havendo muitos questionamentos quanto à prestação de contas e ao cumprimento do contrato entre hospital e a empresa, considerado por muitos como não cumprido por parte da Ebserh. Foi proposto inclusive, o rompimento do contrato e a convocação de um CUn para debater o tema, a partir de um balanço desses dois anos. Algumas falas, todavia, apontaram para a necessidade de ponderação quanto a medidas drásticas e que as dificuldades do HU devem-se a questões políticas que têm subfinanciado tanto saúde, quanto educação, dificultando sobremaneira a transição.
Se, por um lado, são inegáveis as divergências quanto à adesão do HU à Ebserh, por outro lado, é também explícito o comprometimento de todos, contrários e favoráveis, em solucionar os problemas presentes no HU. Todos apontaram as dificuldades do gerenciamento de um hospital-escola diante da falta de recursos, discordando, portanto, quanto às possibilidades da Ebserh em contribuir ou não para este processo.
Mais informações
O evento foi organizado pelo Fórum Catarinense em Defesa do SUS e Contra as privatizações, Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimento de Saúde Pública Estadual e Privado de Florianópolis e Região (SindSaúde), Associação de Pós-graduandos da UFSC (APG), Diretório Central dos Estudantes da UFSC (DCE), Seção Santa Catarina do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES/SC); Núcleo de Estudos em Serviço Social e Organização Popular (Nessop); Conselho Regional de Serviço Social de Santa Catarina (CRESS 12ª Região); e do Centro Acadêmico Livre de Serviço Social (Caliss); e contou com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis (Sintrasem); Núcleo Previdência e Cidadania (CAD); Centro Acadêmico Livre de Geografia (Caligeo); e do Centro Acadêmico Livre de Medicina (Calimed).
O debate foi transmitido ao vivo pelo Facebook e está disponível na íntegra neste link.
Gabriel Martins/Agecom/UFSC