Álcool e outras drogas: simpósio reúne representantes da UFSC e do governo
Palestrantes de Florianópolis, São Paulo e Brasília participaram do “II Simpósio sobre Álcool e outras drogas: formação profissional e práticas de atenção”, nos dias 21 e 22 de fevereiro, no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O Centro Regional de Referência para Formação de Profissionais que Atuam com Usuários de Crack e outras Drogas e seus Familiares (CRR/UFSC) promoveu o debate, que abordou, em mesas-redondas, os temas “Abordagem ao usuário e à família” e “Epidemiologia, Prevenção e Assistência”. Após as exposições, formaram-se rodas de conversa, que proporcionaram aos interessados e profissionais de saúde troca de informações sobre um grave problema social que atinge, indiscriminadamente, toda a sociedade.
Na abertura do evento, Vitore André Zilio Maximiano, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça (MJ), apresentou a conferência “Álcool e Drogas no Brasil – Panorama Atual das Políticas Públicas”. Antes da palestra, o secretário havia sido entrevistado pela TV UFSC; confira no Boletim “Universidade Já”: http://www.youtube.com/watch?v=v6X-Bi07YHg& No último dia do evento, à tarde, o médico Tadeu Lemos, professor do departamento de Farmacologia e vice-diretor do Centro de Ciências Biológicas (CCB) da UFSC, abordou “o futuro do tratamento farmacológico da dependência química”; Ana Paula Fonini Araújo, psicóloga e coordenadora do Centro de Apoio Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) da Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF), falou sobre os desafios do trabalho no Centro; e Daniela Ribeiro Schneider, psicóloga e professora da UFSC, versou a problemática da prevenção. “Eu acho que a questão mais importante que nos faz pensar no futuro foi chegar ao consenso ou a caracterização da dependência química enquanto um transtorno mental”, constatou Tadeu Lemos. A problemática das drogas era antigamente tratada como uma questão moral; porém, com o avanço do conhecimento e a reprodução das pesquisas feitas em outras partes do mundo, pôde-se verificar que ela se trata de um transtorno mental, que não é apenas biológico, psicológico ou social – mas “biopsicossocial”.
E, dentro desse contexto, a espiritualidade está se inserindo. Para o professor, “o importante é que todos os lados sejam contemplados; esta visão nos dá a possibilidade de avaliar e abordar o indivíduo como um todo, e não somente um cérebro ou um comportamento”. Uma vez que o assunto passa a ser entendido dessa forma, os interessados em estudar e atuar no uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas precisam se aprofundar em Saúde Mental. O professor apresentou dados atuais, tais como: aproximadamente metade dos transtornos mentais começa antes dos 14 anos; 20% das crianças no mundo apresentam algum tipo de problema mental, e o início do uso de drogas – conforme pesquisas epidemiológicas – está ficando cada vez mais recente (sobre isso, acrescentou que “não há consenso na Medicina ou em qualquer outra área da saúde sobre o uso de medicamentos em crianças e adolescentes, do ponto de vista terapêutico, e, ainda, por razões éticas”); 800 mil pessoas cometem suicídio anualmente – a maioria entre 15 e 44 anos, 86% em países pobres –, e os transtornos mentais estão entre as principais causas de suicídio. Na sequência, relacionou as cinco barreiras que devem ser superadas para aumentar a disponibilidade de serviços de saúde mental, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS): 1 – os serviços são negligenciados pelas políticas de saúde pública; 2 – a maioria dos serviços atuais anunciados não funciona na prática; 3 – falta de integração na atenção primária; 4 – falta de capacitação profissional; 5 – falta de lideranças públicas na área.
Mesmo com essas barreiras, o professor acredita que as ações estão caminhando de forma positiva, e quem está começando na área não deve desanimar. E questionou: “Será a falta de medicamentos um problema prioritário no contexto atual da atenção à saúde mental em nosso país?”. Embora seja farmacologista, considera que a medicação tem um papel importante, mas não é prioridade no Brasil, sendo bastante útil em algumas circunstâncias. Apresentou um alerta da OMS: pacientes, familiares, governantes e organizações afins precisam unir-se para a melhoria dos serviços de saúde mental – nos países pobres é preciso de 2 a 4 dólares por pessoa ao ano para a melhoria ou implantação desse serviço. Alguns dados do Brasil: portadores de transtornos mentais sofrem a ignorância, o preconceito e a discriminação dos profissionais de saúde, incluindo também os dependentes químicos; os transtornos mentais são duas vezes mais frequentes na população mais pobre do que na mais rica; crianças que vivem em situação de miséria têm cinco vezes mais chances de ter um transtorno mental que as da classe média. Citou ainda que politicas, planos e programas de qualidade resultam em melhores serviços e que “cabe a cada um de nós combater o preconceito e a discriminação; tudo começa no saber ouvir”.
Qual o papel dos fármacos na prevenção? Para essa pergunta, Lemos colocou que um deles é na prevenção da recaída. Somente o medicamento não funciona, tem que estar associado à abordagem. Remédios também são úteis na desintoxicação e na síndrome de abstinência, aliviando os sintomas, o sofrimento e principalmente a dor do paciente. Os transtornos psiquiátricos mais frequentes entre adolescentes usuários de drogas são: Humor; Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH); Ansiedade; Conduta; Psicóticos; e Alimentares. Estes são transtornos comuns dos dependentes químicos, e, quando diagnosticados, precisam de tratamento farmacológico – com algumas exceções. O professor elencou os 13 princípios do tratamento da dependência química, definidos pelo Instituto Nacional Americano para Dependência Química. A questão dos medicamentos aparece no item 7 – “medicamentos são importantes, especialmente quando combinados com psicoterapia”. Segundo Lemos “a efetividade da medicação é relativa, embora útil” e “a base do tratamento farmacológico é a compreensão do mecanismo neurobiológico do sistema de recompensa, este relacionado à sensação de prazer desencadeada pela droga”. A disputa entre ser biológico ou psicológico não existe mais; atualmente, entende-se que é um conjunto de fatores.
A psicóloga Ana Paula Fonini Araújo trouxe algumas questões que têm permeado várias discussões em nossa sociedade, relativas ao tratamento dos usuários de drogas. Essas ideias chegam ao cotidiano do CAPS AD por meio de usuários, familiares ou pelos próprios profissionais: “a associação imediata do uso de drogas com a violência e a criminalidade; e a resistência à critica da redução de danos que, decorrente disto, faz uma equivalência entre tratamento e internação”. “A gente sabe que a questão do uso de drogas extrapola a esfera da saúde”, afirmou Ana Paula. Mesmo com tantos recursos existentes –como o próprio CAPS AD, onde atua há 4 anos –, o que há não é o suficiente para dar conta de um assunto tão complexo, que envolve outras áreas como planejamento urbano, trabalho, educação, assistência, moradia, justiça. O problema exige trabalho em conjunto, “sem querer retirar a posição da saúde; esta deve estar à frente desta politica; é importante institucionalizar o cuidado”. Para a coordenadora, “o primeiro grande desafio é estabelecer quem é o usuário do CAPS AD”, pois isso ainda não está claro para a rede de saúde, nem para os profissionais que atuam no Centro. Na teoria, o CAPS AD atende os casos mais graves; por isso, a equipe precisa adotar critérios, uma linha de trabalho, para não excluir casos que realmente necessitam desse tipo de atendimento. “Um dos primeiros critérios adotados são as consequências do uso, casos em que houve ruptura grave e persistente do usuário em suas relações de trabalho, familiares, sociais, enfim, situações em que a droga passa a ocupar quase que um único lugar na vida daquela pessoa”. E explicou: “Por isso que não podemos atender usuários eventuais, pessoas com uso constante, mas sem prejuízo grave na sua vida, jovens cumprindo penas alternativas por terem sido surpreendidos fazendo uso da maconha”. Nesses casos, Ana Paula entende que a atenção básica tem o papel de prover, acolher e se responsabilizar. Enfatizou que para cada caso é necessário cuidado intenso, articulação de rede e atendimento familiar. A abordagem da redução de danos, que acha fundamental, possibilita acolher as pessoas que não conseguem parar. Para cada indivíduo é necessário construir um projeto terapêutico, respeitando as singularidades e as diferentes possibilidades.
A equipe do CRR/UFSC é composta pelos professores Marcos Antônio Lopes, Tadeu Lemos e Daniela Ribeiro Schneider. O Centro tem como objetivo incrementar a formação dos profissionais que atuam nas áreas da Saúde, Educação, Assistência Social, Poder Judiciário, Ministério Público e Segurança Social para o desenvolvimento de ações de identificação, prevenção, intervenção e reinserção social do usuário de drogas e de suas famílias.
Mais informações: www.crrufsc.ufsc.br / (48) 3721-2098
Rosiani Bion de Almeida/Jornalista da Agecom/Diretoria-Geral de Comunicação
Claudio Borrelli/Revisor de Textos da Agecom/Diretoria-Geral de Comunicação