Tradutor de livro da EdUFSC explica importância e atualidade de clássico romano
Clássico do Direito Romano, a tradução de Digesto de Justiniano – Livro Segundo: Jurisdição será lançada no dia 18, quarta-feira, às 19h30min no Auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SC), em Florianópolis. Publicação conjunta da Editora da Universidade Federal de Santa Catarina (EdUFSC) e da Fundação José Boiteux (Funjab), foi traduzido diretamente do latim pelo romanista José Isaac Pilati, que antes da sessão de autógrafos proferirá a palestra “A jurisdição romana segundo o Digesto: lições para os dias atuais”. Para conhecer melhor e entender a importância da obra que tem quase dois mil anos, o tradutor concedeu uma breve entrevista:
P– Poderia traduzir para o leitor, em poucas palavras, o que é Digesto de Justiniano?
R–O Digesto é uma compilação das fontes clássicas romanas, realizada pelo Imperador Justiniano, entre 528 e 534 da nossa era, já no período final do Império. O Digesto está dividido em Cinquenta Livros, e a minha tradução é do Livro II, exatamente aquele que trata da Jurisdição romana, dos processos em Juízo. Essa codificação de Justiniano quase tudo, praticamente, do que chegou até nós dos doze séculos de produção do Direito Romano, além de uma obra de Gaio chamada Institutas. Assim, com essas duas obras, de Gaio e de Justiniano, é possível reconstruir as fontes nas dimensões: jurídica, política, econômica, social, enfim, paradigmaticamente.
P– Qual a importância da publicação no Brasil? O que a sociedade brasileira pode ganhar com esta iniciativa inédita?
R– A tradução dessas fontes proporciona aos estudiosos o acesso direto a elas, em seu vigor de técnica jurídica, libertando-o da visão estreita, muitas vezes preconceituosa de manuais tradicionais. Quem estuda pelas fontes compreende e anda pelas próprias pernas; quem se limita aos manuais decora, fica à mercê de modismos teóricos inconsequentes. Por isso a formação jurídica no Brasil ganha muito com as boas traduções dos clássicos, porque pode formar juristas melhores, mais seguros de si e com mais recurso. Outros países, que lideram as teorias jurídicas no mundo, formam seus jovens partindo das fontes. Nós, como não as temos em português, e tiramos o latim da formação básica, estudamos às cegas, na dependência do que autores estrangeiros famosos dizem ou disseram a respeito das fontes. Como professor considero isso uma humilhação. Nós temos os nossos problemas e temos que resolvê-los com a nossa formação jurídica.
P– O que significa a obra para a EdUFSC e para a Universidade?
R–-Quando concluí os trabalhos, depois de três anos exaustivos, aconselharam-me a publicar por uma grande Editora comercial; mas preferi lançar pela minha instituição, a UFSC, por ter consciência do que essa obra representa para a língua portuguesa e para o Direito, portanto, o seu peso na inserção internacional da nossa Universidade. E também porque seria uma obra barata, subsidiada, fácil de adquirir. Mas é de se ter em conta que nem mesmo o Rei de Portugal, que tentou, conseguiu a proeza que espanhóis, italianos, franceses, ingleses, e mais recentemente russos conseguiram de ter o Digesto na própria língua. Num momento de esgotamento de todo um paradigma, como se observa pelo clamor das ruas de hoje, é importante retornar às fontes para retomar o rumo. Por outro lado, é bom ter presente que eu traduzi o segundo dos cinquenta livros, após um professor da USP, Hélcio Madeira, ter traduzido Livro I. Faltam 48; muita coisa. E ao demais, o resgate das fontes não se faz pela simples leitura de uma tradução, é necessário trabalho exaustivo. Facilita, evidentemente, se o professor da matéria tem esse conhecimento.
P– Relacione o seu conteúdo com o momento político vivido pelo País.
R–-O Brasil de hoje não está conseguindo exercer a dimensão de democracia participativa da Constituição de 1988; justamente pela falta de prática e conhecimento teórico para tanto, depois de séculos de democracia indireta e sistema representativo puro. Ora, a Antiguidade grega e romana trabalhava com democracia direta; o Direito antigo era exercido nessa perspectiva: eleição direta de magistrados, e juízes nomeados entre a população de particulares para julgar as causas. Nesse modelo construiu-se a jurisprudência mais perfeita da História, a romana, que nos ensina e inspira até hoje. Por outro lado, a situação atual é bem mais complexa que a romana, e agora nos obriga a criar um terceiro modelo, que eu chamo de pós-moderno. Como fazê-lo sem conhecer a fonte, o início de tudo? Admite-se que os protestos que incendeiam o mundo e o Brasil de hoje não encontram resposta nas instituições que praticamos. Sim, nossos políticos e juristas poderiam ter recebido, mas não receberam formação jurídica adequada para tanto, dado que rompemos com os modelos participativos que a humanidade já vivenciou. O nosso Direito sabe lidar com questões entre indivíduos, mas não sabe lidar com os grandes conflitos de massa, justamente aqueles através dos quais se absorvem as grandes mudanças. Foi exercendo competentemente o Direito, mediando os conflitos da mudança pelo Direito, que Roma, de uma simples vila, tornou-se do tamanho do mundo de então. Hoje o desafio voltou, e estamos sem perspectiva.
P– Comente o trabalho de revisão da tradução, considerando que algumas editoras comerciais vêm relaxando neste aspecto fundamental.
R– O padrão de exigência da EDUFSC é muito alto, muito rigoroso. As idas e vindas da revisão tomaram meses, aperfeiçoando a obra até aonde era possível. Muitas autoridades em Língua Latina, em Direito Romano, ajudaram. Sabíamos que estávamos produzindo um clássico para ser lido no mundo inteiro, especialmente nos países de língua portuguesa. Sozinho eu não teria conseguido, sinceramente.
P– Quem é José Isaac Pilati? Cite outras obras e fale um pouco da sua trajetória acadêmica.
R– Fui advogado de interior, lidando com os problemas do Direito no dia a dia; fui parecerista no Estado, o que me mostrou outra face da lida jurídica; fiz Mestrado e Doutorado em Direito e abracei o magistério superior. Daí virei um pesquisador, e assumindo a disciplina de Direito Romano constatei a pobreza da literatura nacional a respeito do assunto e a gravidade disso. Como havia tido sete anos de latim na adolescência, os contatos com as fontes levaram a aceitar o desafio. Conseguir, por exemplo, matar uma charada do jurisconsulto Paulo, o mais complicado deles, proporciona uma felicidade indescritível.
Mais informações:
Diretor executivo da EdUFSC: Fábio Lopes – (48) 9933-8887 ou flopes@cce.ufsc.br
José Isaac Pilati – (48) 9980-6305 ou jipilati@matrix.com.br.