Educação bilingue entre os Warlpiri da Austrália em debate na UFSC
Barbara Glowczewski, pesquisadora do Centre National de Recherche Scientifique (CNRS) da França, ministrou palestra dia 5 de março, sobre a educação bilíngue entre os Warlpiri, da Austrália, com os quais trabalha há mais de 30 anos. Ela é autora, entre outros livros, de Les reveurs du desert: Aborigenes d’Australie, les Warlpiri (Os sonhadores do deserto: Aborígenes da Austrália, os Warlpiri). O evento foi realizado no Auditório da Reitoria, com uma plateia composta quase integralmente por alunos do curso de graduação de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, da UFSC, das etnias dos Guarani, Kaigang e Laklãnõ/Xokleng.
Barbara iniciou agradecendo a presença das pessoas e disse que entre os aborígenes da Austrália é tradição começar uma reunião, qualquer que seja, cumprimentando a terra, o que fez, manifestando seu respeito à terra daqui.
A pesquisadora relatou como a cultura se inscreve no corpo. Como cada desenho se refere a algum lugar. O corpo da pessoa se transforma numa carteira de identidade, em que se está inscrito o lugar a que pertence.Os Warlpiri são um dos poucos grupos que recuperaram suas terras, que ficam no deserto, e tiveram sua língua escrita. Eles viviam de caça, mas a colonização os obrigou a viver em reserva. Nos anos 1970 quando recuperaram as terras, começaram a se dispersar novamente e criar pequenas comunidades autogeridas.
Nessa época começou a educação bilíngue de escrita em warlpiri e eventos culturais. Cada criança tem seu sonho desenhado – inscrito no corpo, numa técnica feita com grãos. “O sonho do pão é traduzido no espírito das estrelas que ensina ao jovem como se tornar homem. Os homens se vestem com penas de pássaros, como um algodão selvagem”, relata Barbara. Como são caçadores dizem que a terra é como um livro. Cada marca significa as coisas que acontecem e desta forma são lidas: marcas de mulheres sentadas, de fogo aceso, do caminho de mulheres para conseguirem água.
Nos desenhos sobre a areia foram relatados os cinco pilares da cultura: A terra, a lei, as cerimônias, a língua que é ali falada e a família. A família é pensada em grupo. Eles se referem a todos com algum termo de parentesco. Todos os aborígenes da Austrália têm estas referências – todas as coisas estão conectadas. No caso dos Warlpiri cada pessoa está ligada a um sonho que determina com quem se pode ou não casar.
Um festival é realizado bianualmente para a preservação da cultura. Os jovens usam camisetas coloridas conforme o grupo: amarelo, vermelho, verde e azul e se apresentam com danças modernas. Os mais velhos se vestem e dançam de forma tradicional. O evento é realizado no meio do deserto.
O programa bilíngue foi realizado de 1983 a 2006, quando houve uma interrupção por parte do governo. A retomada se deu em 2013. Os Warlpiri reivindicaram ter novamente o programa bilíngue, mas o governo não queria que fosse mais que duas horas por semana.
As terras Warlpiri estão num deserto, mas há ouro nelas. Eles recebem royalties sobre os contratos de exploração. Com os recursos deles provenientes decidiram construir uma biblioteca para um centro de documentação e registro sobre sua língua.

Alunos do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica. Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC
Lançaram um Pictionary (dicionário de imagens) em oposição ao tradicional Dictionary (dicionário). Associaram-se a outras comunidades para o fortalecimento da língua. Uma das iniciativas foi a organização de cerimônias e festas na língua nativa.
Na parte final do evento, quando se abriu às perguntas da plateia uma das alunas da etnia Xokleng comentou que havia reparado nas fotos mostradas a presença constante de cães e perguntou se tinham algum significado especial para os Warlpiri. Barbara disse que o registro era muito interessante porque realmente a ligação dos cachorros com as famílias se dá de tal forma que recebem que eles também recebem nomes de sonhos. A estudante disse que os Xokleng também têm uma relação muito estreita com os cachorros e contou que sua avó possui 10 cães.
Estatuto dos objetos nos museus
Em encontros com populações indígenas de outros países se discutiu a questão do estatuto dos objetos nos museus. Com quem devem ficar esses objetos?
A França não costuma praticar uma política de restituição. A exceção aconteceu recentemente: 20 crânios tatuados dos Maoris, da Nova Zelândia, foram restituídos em 2012, mudando a lei, mas ainda há muito enfrentamento.
Na Austrália, onde se falam mais de 200 línguas, várias situações ocorreram: populações que quiseram ter o retorno e graças aos objetos devolvidos puderam celebrar novamente cerimônias às quais eles eram indispensáveis; houve populações que venderam os objetos restituídos que, desta forma voltaram ao mercado de arte; também houve populações que em decorrência do elevado consumo de bebidas alcoólicas tiveram os objetos roubados. Uma outra solução foi que anciãos pediram aos museus que os objetos ficassem guardados como em custódia, isto é continuavam pertencentes a elas. Então se construíram salas nos museus australianos onde as populações podem realizar seus rituais usando esses objetos.
Patrimônio Cultural
Quanto à questão do reconhecimento do patrimônio cultural dos aborígenes, alguns lugares foram reconhecidos – como os que possuíam inscrições rupestres, mas ainda não houve reconhecimento de patrimônio imaterial. Há uma grande disputa de grandes firmas farmacêuticas sobre o saber fitoterápico principalmente em relação a remédios para combater a AIDS.
Informações: barbara.glowczewski@gmail.com
Alita Diana/Jornalista da Agecom/UFSC
alita.diana@ufsc.br
Fotos: Henrique Almeida/Agecom/UFSC
henrique.almeida@ufsc.br