Planta nordestina é novidade no tratamento de esclerose múltipla

19/11/2012 15:22

Pesquisa desenvolvida no Laboratório de Farmacologia e Terapêutica Experimental (LAFEX), do Centro de Ciências Biológicas (CCB) da UFSC apresenta novidade para o tratamento da esclerose múltipla. Os pesquisadores Rafael Cypriano Dutra e João Batista Calixto, do Departamento de Farmacologia/ UFSC, em parceria com o farmacêutico e empresário Luiz Francisco Pianowski, coordenador da empresa farmacêutica Kyolab LTDA e com os estudantes  do Curso de Pós-Graduação em Farmacologia da UFSC, descobriram um poderoso anti-inflamatório que pode ser a alternativa para os medicamentos convencionais. O euphol, componente isolado, é encontrado no látex de uma espécie de planta típica do nordeste brasileiro, a Euphorbia tirucalli, conhecida popularmente como avelóz.

O trabalho que teve início em 2010 segue uma linha de pesquisa de estudo do euphol para outros usos, como o tratamento de câncer e o efeito analgésico. O professor Rafael, que já pesquisa a esclerose desde 2008 e desenvolvia o projeto de doutorado no laboratório do professor João Batista Calixto, testou o euphol no modelo experimental de esclerose múltipla em camundongos e percebeu que a substância conseguiu inibir a atuação dos linfócitos, os glóbulos brancos do sangue, que atacam a bainha de mielina, responsável pela transmissão dos impulsos nervosos.  “O que conseguimos demonstrar foi que o euphol tem a capacidade de bloquear seletivamente essas células, tanto na origem como no momento do ataque. Consequentemente, os animais tratados com o euphol não apresentaram os sinais clínicos da doença.”, explica Rafael. A administração do fármaco por via oral também representa um avanço, já que a maioria dos medicamentos se apresentam na forma de injeções.

O projeto foi contemplado com uma bolsa de iniciação científica do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), cedida à acadêmica do curso de graduação em farmácia da UFSC Paula Roberta de Cezaro de Souza. De agosto de 2010 a julho de 2011, o trabalho foi desenvolvido pela acadêmica, assim como pelos outros alunos de pós-graduação em farmacologia, sob a coordenação dos pesquisadores. Em novembro do ano passado, o manuscrito foi submetido à revista internacional Biochemical Pharmacology e foi publicado em janeiro desse ano.

Com a publicação dos artigos foi encerrada a fase pré-clínica da pesquisa. Atualmente o laboratório investiga o efeito analgésico do euphol em modelos experimentais de dor inflamatória e neuropática, assim como atividade anti-inflamatória em modelos experimentais de doenças intestinais como a colite ulcerativa. Além disso, o produto AM10, que contém aproximadamente 70% de euphol, já está sendo testado em mulheres com câncer de mama, e pode vir a se tornar o primeiro quimioterápico genuinamente brasileiro.

A chegada do euphol às prateleiras, contudo, pode demorar de dez a quinze anos. Esse é o tempo médio estabelecido para o desenvolvimento de uma substância até sua transformação em medicamento vendido nas farmácias.

Esclerose Múltipla

A esclerose múltipla é uma doença neurodegenerativa autoimune que afeta o sistema nervoso central. A doença é caracterizada pela perda de mielina, substância que isola as terminações nervosas. A mielina ajuda os nervos a receber e interpretar as mensagens do cérebro a uma velocidade máxima. Quando as terminações do nervo perdem esta substância, ocorrem cicatrizes ou ‘esclerose’ nas partes afetadas. São estas zonas de cicatrizes que dão o nome à esclerose múltipla.

A doença acomete, principalmente, indivíduos brancos, na faixa etária entre 20 e 40 anos e com forte predomínio sobre o sexo feminino, afetando aproximadamente 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo. No Brasil, sua taxa de prevalência é de aproximadamente 15 casos por cada 100.000 habitantes. A perda de mielina interfere na transmissão dos impulsos nervosos produzindo os sintomas típicos da doença como, por exemplo, dificuldade de locomoção, perda de coordenação motora, desequilíbrio, tonturas, vertigem, tremores, dor, parestesias, neurite óptica, disfunções sexuais, distúrbios esfincterianos e fadiga. Além disso, dados recentes demonstram que aproximadamente 65% dos pacientes com EM apresentam além dos sintomas locomotores, considerável déficit cognitivo, os quais incluem perda de memória e déficit de atenção, quase sempre associados à depressão e ansiedade, os quais afetam a capacidade dos pacientes em trabalhar, assim como a sua qualidade de vida. Atualmente, não se sabe a real causa do surgimento da Esclerose Múltipla. No entanto, segundo diferentes pesquisadores alguns fatores poderiam explicar o surgimento da doença, tais como os fatores genéticos, epidemiológicos e ambientais.

Tratamento

A esclerose múltipla ainda não tem cura e como se trata de uma doença crônica o seu tratamento torna-se extremamente caro, o que muitas vezes dificulta a adesão dos pacientes. “Por esta razão, acredito que a nossa descoberta poderá, no futuro, representar uma diminuição nos custos do tratamento, pois como se trata de um produto natural o acesso à matéria-prima ficará mais fácil”, explica Rafael.

O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza para tratamento os interferons (IFNs), administrados por meio de injeções diárias, e que custam entre R$ 580 e R$ 1.056, e o Copaxone, com dose subcutânea diária, que custam em torno de R$ 5 mil a caixa com 28 ampolas. Em 2010 um novo medicamento oral foi aprovado pela Agência Internacional de Fármacos e Alimentos dos Estados Unidos (FDA), Fingolimode – FTY720, com custo de R$ 5.300 pela embalagem com 28 cápsulas. “Em relação à nossa pesquisa com o euphol, não temos como estipular um valor comercial para o novo medicamento, pois o valor final do produto irá depender de fatores como o plantio até o isolamento, purificação do composto e todas as demais etapas que envolvem o desenvolvimento”.

O euphol não foi testado em outros modelos de esclerose, tais como a esclerose lateral amiotrófica.

 Patrícia Cim/ Estagiária de Jornalismo/ Agecom/ UFSC
patriciacim@gmail.com
Tags: avelózesclerose múltiplaEupholJoão Batista CalixtoLAFEXRafael Cypriano Dutra