Lévi-Strauss e o totemismo é tema do Café Philo desta quarta-feira
Na conferência do Café Philo do dia 27, às 19h, no auditório da Aliança Francesa, o poeta e professor da UFSC Sérgio Medeiros pensa o totemismo na arte a partir de Lévi-Strauss, que elevou o “pensamento selvagem” ao mesmo patamar do raciocínio “domesticado” ocidental.
Seria preciso muito mais que uma vida, muito mais do que os 101 anos vividos pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss para compreender a sua obra e a matéria viva que a inspira: o espírito selvagem. O encontro entre esse pensamento ocidental, caracterizado pela abstração, com o pensamento dito concreto dos povos ameríndios se faz por avanços e recuos, revisões críticas, contradições e encantamentos. Lévi-Strauss viu na imagem do totem a representação mais bem acabada de uma lógica que ele chamou ironicamente de “selvagem” para contrastar com o raciocínio “domesticado” ou abstrato do homem ocidental. Sua grande contribuição foi desautorizar a relação de superioridade e mesmo de antagonismo entre um e outro. “Não se trata de pensamento dos selvagens, mas de pensamento selvagem”, advertiu o etnólogo.
Transitando entre a antropologia e a teoria literária, o poeta, professor e ensaísta Sérgio Medeiros tomou o pensamento totêmico como paradigma filosófico e emblema para sua produção poética. Medeiros comanda o próximo encontro do Café Philo deste semestre, no dia 27 de junho, às 19 horas, no auditório da Aliança Francesa, com uma conversa sobre “Claude Lévi-Strauss e o Totemismo”. A conferência é uma homenagem ao célebre autor de Tristes trópicos, com quem trocou conhecimento no Laboratório de Antropologia Social, em Paris, onde realizou pesquisa sobre os heróis Jê entre 1994 e 1995.
Desde então, Medeiros persegue o emblema do totem. Além de motivar suas pesquisas sobre a cosmogonia dos povos indígenas da Amazônia e os estudos de literatura comparada entre a arte de vanguarda e a lógica do pensamento dos povos ameríndios e orientais, a figura totêmica assombra a obra poética do diretor da Editora da UFSC. É o caso de Totens, seu último livro de poemas, publicado pela Iluminuras, que ele lança ao final do 43º encontro do Café Philo, um projeto de extensão do pesquisador Pedro de Souza, professor do curso de Pós-Graduação em Literatura, em parceria com a Aliança Francesa e apoio da Secretaria de Cultura.
O pensamento selvagem se desenvolve a partir de termos concretos e estaria a serviço das sociedades extra ocidentais, mas também do discurso da arte universal. Strauss mostrou que esse paradigma não se vale de termos abstratos, como na lógica ocidental, mas dispõe de outras ferramentas específicas para atingir os mesmos fins e, por isso, não pode ser usado para justificar uma inferiorização do homem “primitivo” em relação ao “civilizado”. “A linguagem é uma razão humana que tem suas razões, e que o homem não sabe”, disparou o etnólogo na obra O pensamento selvagem (1963). De onde Medeiros diz: “Considero o contato com a lógica do concreto fundamental para que se entendam os procedimentos de outras culturas sem subjugá-los”.
Um passo decisivo para que Lévi-Strauss delineasse em sua obra os procedimentos dessa lógica do concreto foi a rediscussão do conceito de totemismo. Antes dele, a ciência ocidental acreditava que a arte totêmica pressupunha uma continuidade entre natureza e cultura, enquanto a lógica abstrata sempre parte do princípio de uma descontinuidade. A postulação de uma identidade de parentesco entre o animal, a planta ou a água revelaria um raciocínio ingênuo ou primitivo que as sociedades brancas já teriam superado. “Embora sejamos defensores da ecologia, sabemos que compartilhamos um espaço com animais e plantas, mas não somos idênticos a eles”, explica Medeiros.
Lévi-Strauss mostrou que o totemismo não é a afirmação pueril da identidade entre homem e natureza, mas um sistema de classificação com a mesma operacionalidade de outros em uma perspectiva diferente. O antropólogo sustentou, assim, que o argumento da ingenuidade é inaceitável para essencializar o primitivismo intelectual das populações que não se valem da lógica abstrata. Os índios usam termos concretos que já existem, como nomes de animais, plantas e fenômenos meteorológicos, para classificar grupos humanos, em vez de inventar novos nomes, acrescenta Medeiros. “E de certa forma nós também fazemos isso quando usamos palavras como carneiro, pinheiro, leão, barata a título de sobrenome”.
Arte promove encontro entre homem e natureza
Empenhado em livrar o totemismo do estigma de mistificação, Lévi-Strauss acabou, contudo, negando seu peso afetivo e ritualístico. Fez isso inclusive tentando estabelecer uma regra estrutural fixa para o seu funcionamento. É nesse ponto que o discípulo lança um olhar crítico para o mestre, repensando a repercussão da teoria totêmica no campo da arte. Para Medeiros, é possível sim, afirmar que na arte se produz uma continuidade entre homem e natureza, sem que se incorra em uma visão de mundo infantil. De que modo? Pela importância que nela assume a infância, entendida como um estado primordial e pleno de revelação do mundo onde seres de diferentes naturezas podem se encontrar e se confundir.
Em sua conferência, Medeiros vai exibir postes totêmicos esculpidos por índios que vivem entre Estados Unidos e Canadá, na região da Costa do Pacífico, como mostra de uma arte viva, que sobrevive nas mitologias, nas crenças e na escultura e inspira a arte ocidental. Sua própria obra poética é visceralmente impactada pela associação entre esses postes e o totemismo, um sistema tribal de classificação de nomes de família, em que animais e vegetais do convívio humano são eleitos como símbolos de linhagens de diferentes clãs. O escritor identifica poeticamente os personagens de seus livros por “postes totêmicos”, como neste fragmento de Totens:
a gesticulação copiosa a voz enérgica do artista impressionava e era
de se prever que os ouvintes satisfeitos encheriam de cédulas o chapéu
de palha do maestro
tocando fogoso seu órgão selvagem Henry Flower casou um Carneiro
com uma Leitão casou uma Carvalho com um Pinheiro casou um
Laranjeira com uma Loureiro casou uma Lima com um Rocha casou
uma Pedra com uma Barata
e foi casando árvore com árvore e árvore com bicho e árvore com pedra
Riacho nuvem lagoa etc. sobretudo com pássaros
Enquanto em Sexo vegetal (finalista do Prêmio Brasil-Portugal Telecom e Jabuti de 2010) se inscreve sob o totem de vapor, em Totens imperam a árvore, o tronco e o calor da floresta. O personagem dos poemas é um especialista em música vegetal que tem o sobrenome de flor e o tronco como totem. Em Figurantes (finalista do Prêmio Jabuti 2012), assim como nas demais obras, as cenas que provocam os versos inspirados em haikais brotam de paisagens híbridas de natureza e cultura, nunca puramente humanas. “Os artistas estão sempre tentando reinventar o totemismo”, diz o autor, que no próximo semestre ministra um curso sobre o assunto na Pós-Graduação em Literatura da UFSC.
Esse olhar para o espírito selvagem que se manifesta na arte devolve ao totem o seu peso simbólico e ritualístico afastado por Lévi-Strauss no esforço teórico de dessacralizar o totemismo. Medeiros vai mostrar como diversos artistas celebrados elegem símbolos naturais, à maneira das sociedades totêmicas, para representar totalidades: o sapo, do poeta japonês Bashô; a romã do romancista e dramaturgo italiano D´Annunzio, além de Borges e o labirinto ou o tigre. A onça reina em Guimarães Rosa, a barata em Kafka, a maçã em Clarice Lispector e o ovo nas esculturas de Brancusi. Este artista plástico romeno, as esculturas soldadas (Tanktotens) de David Smith e James Joyce são as maiores referências do poeta. “Joyce inspirou Totens, com sua leitura totêmica de Dublin, numa Irlanda desmatada e vizinha ao Canadá”, revela o poeta.
Pinturas, esculturas, narrativas, poemas em formato de poste, poemas-totem se entrecruzam no olhar estético de Sérgio Medeiros para a obra de Lévi-Strauss. Nessa leitura,o totemismo pode reconciliar sua validade científica como modo de inteligência com a atração afetiva e ritualística que exerce sobre a arte. E também pode reconciliar ciência e magia na obra de Strauss, afinal, como ele próprio afirmou, “nenhuma civilização pode se desenvolver se não possui valores aos quais se agarrar profundamente”. (Raquel Wandelli).
Quem é Claude Lévi-Strauss?
Um dos grandes pensadores do século 20, Lévi-Strauss tornou-se conhecido na França, onde seus estudos foram fundamentais para o desenvolvimento da antropologia. Filho de um artista e membro de uma família judia francesa intelectual, nasceu em novembro de 1908, em Bruxelas, e morreu em novembro de 2009, em Paris. De início, cursou leis e filosofia, mas descobriu na etnologia sua verdadeira paixão. No Brasil, lecionou sociologia na recém-fundada Universidade de São Paulo, de 1935 a 1939, e fez várias expedições ao Brasil central. É o registro dessas viagens, publicado no livro “Tristes Trópicos” (1955) que lhe trará a fama. Nessa obra ele conta como sua vocação de antropólogo nasceu durante as viagens ao interior do Brasil.
Exilado nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), foi professor nesse país nos anos 1950. Na França, continuou sua carreira acadêmica, fazendo parte do círculo intelectual de Jean Paul Sartre (1905-1980), e assumiu, em 1959, o departamento de Antropologia Social no College de France, onde ficou até se aposentar, em 1982.
O estudioso jamais aceitou a visão histórica da civilização ocidental como privilegiada e única. Sempre enfatizou que a mente selvagem é igual à civilizada. Sua crença de que as características humanas são as mesmas em toda parte surgiu nas incontáveis viagens que fez ao Brasil e nas visitas a tribos de indígenas das Américas do Sul e do Norte. O antropólogo passou mais da metade de sua vida estudando o comportamento dos índios americanos. O método usado por ele para estudar a organização social dessas tribos chama-se estruturalismo. “Estruturalismo”, diz Lévi-Strauss, “é a procura por harmonias inovadoras”.
Suas pesquisas, iniciadas a partir de premissas lingüísticas, deram à ciência contemporânea a teoria de como a mente humana trabalha. O indivíduo passa do estado natural ao cultural enquanto usa a linguagem, aprende a cozinhar, produz objetos etc. Nessa passagem, o homem obedece a leis que ele não criou: elas pertencem a um mecanismo do cérebro. Escreveu, em “O Pensamento Selvagem”, que a língua é uma razão que tem suas razões – e estas são desconhecidas pelo ser humano.
Lévi-Strauss não vê o ser humano como um habitante privilegiado do universo, mas como uma espécie passageira que deixará apenas alguns traços de sua existência quando estiver extinta. Aos 97 anos, em 2005, recebeu o 17º Prêmio Internacional Catalunha, na Espanha. Declarou na ocasião: “Fico emocionado, porque estou na idade em que não se recebem nem se dão prêmios, pois sou muito velho para fazer parte de um corpo de jurados. Meu único desejo é um pouco mais de respeito para o mundo, que começou sem o ser humano e vai terminar sem ele – isso é algo que sempre deveríamos ter presente”.
(fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/claude-levi-strauss.jhtm)
O conferencista
Tradutor, ensaísta e poeta, Sérgio Rodrigues Medeiros é mestre em Letras e doutor em Letras na área de Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP. Atual diretor executivo da editora da UFSC, realizou estágio de pós-doutorado na Stanford University em 2001. Voltado para a pesquisa nas áreas de literatura, mitologia, escrita de viagem, poesia, poesia indígena e canto, publicou várias traduções e cinco livros de poesia.
No Brasil, lançou Figurantes e Sexo vegetal, que teve também uma tradução completa publicada pela editora norte-americana Uno Press, e agora Totens, todos pela Iluminuras, de São Paulo. Sua poesia já foi traduzida para o inglês e o espanhol. Traduziu na íntegra para o português, com revisão técnica de Gordon Brotherston (Stanford University), a cosmogonia maia-quiché PopolVuh (Iluminuras, 2007), finalista do Prêmio Jabuti em 2008. Membro do Conselho Editorial da Revista de Estudos Mayas, da Universidade do Estado de Ohio. Em 2008, organizou Makunaíma e Jurupari (Perspectiva, 2002), que a Fundação Biblioteca Nacional incluiu em seu acervo.
SERVIÇO:
Lançamento: Toténs (Iluminuras)
Autor: Sérgio Medeiros (diretor da Editora da UFSC)_
Café Philo – “Claude Lévi-Strauss e o Totemismo”
Conferencista: Sérgio Medeiros
Data: 27 de junho
Horário: 19 horas
Local: Aliança Francesa, rua Visconde de Ouro Preto, Centro
Entrada: Aberta ao público e gratuita
Textos e divulgação: Raquel Wandelli
Assessora de Comunicação da Secretaria de Cultura da UFSC
37219459 e 99110524
raquelwandelli@yahoo.com.br