Rodrigo de Haro recebe leitores com sarau de poemas em lançamento de obra poética

22/12/2011 10:37
.

Fotos: Gláucia Pimentel, Carolina Coral e Raquel Wandelli

De folias e melodramas, de festa e de luto. Disso é feito a arte e a vida. A nossa vida e a dos poetas, que fazem da tragédia e da celebração a matéria-prima da epifania poética, como Rodrigo de Haro, que lançou na terça-feira à noite, na Fundação Cultural Badesc, dois livros de poemas em uma única edição pela Editora UFSC. Juntas, as duas obras, Folias do Ornitorrinco e Espelho dos Melodramas, costuram a unidade antagônica representada pela imagem dessa espécie meio ovípara, meio mamífera que o autor homenageia no título e no poema “Ornitorrinco”.

Dando vazão à nova obra poética do multiartista ou pan-artista Rodrigo de Haro, a Editora UFSC brindou seus leitores com uma concorrida noite de vinho, poesia e virtude integrada as comemorações do aniversário de 51 anos da universidade. Depois de ouvir a secretária de Cultura e Arte, Maria de Lourdes Borges e o diretor da Editora Sérgio Medeiros discursarem sobre a importância de sua obra, o poeta falou ele próprio do seu ímpeto criativo. Em seguida, vestido de terno branco, com um cravo na lapela e o indefectível chapéu panamá, retribuiu a acolhida dos leitores realizando um sarau na varanda do prédio histórico do Badesc. Em meio a uma grande roda de amigos e admiradores, na maior parte artistas e intelectuais como ele, leu, com um fundo sussurrante de guitarras, versos escolhidos, entre Folias e Melodramas, o primeiro, composto de poemas mais reflexivos e o segundo, mais narrativos. 

A imagem do ornitorrinco bem representa esse poeta-pintor, filho do artista plástico Martinho de Haro e de Maria Palma, uma dona de casa de notória sensibilidade. “Elaborado, como todos nós, de partes antagônicas para maior triunfo da unidade”, o ornitorrico é, como escreve o poeta, “animal sonhador que fecunda e brota de si mesmo”. Nascido em 1939 em Paris, por peripécias do destino, Rodrigo foi o fruto da lua de mel parisiense dos pais, que gozavam uma viagem de estudos recebida como prêmio pelo famoso pintor modernista.

Resgatado às pressas da maternidade quando os nazistas invadiram a França, o recém-nascido fugiu nos braços dos pais da capital mundial da arte, e retornou para a instância da São Joaquim no planalto catarinense, a quem dedica com grande afeto suas melhores elaborações surrealistas em conto e poesia. Sobre essa história, diz ainda o poema: “Celebremos as núpcias do ornitorrinco/ gentil e pertinaz. Brindemos/ a natura folgazã, que – /por incansável amor/ao paradoxo – cheia de/ recursos, concebeu/este jardim de todas as delícias/ com a torre inclinada e/o tarot de Marselha./– Mas sobretudo/criou o ornitorrinco solidário”.

Na transgressão da dualidade entre o universal e o local, o sagrado e o profano, o clássico e o maldito, o político e o surreal se constrói o universo imagético desse delicado e erudito artista que deixou a escola ainda adolescente para construir um caminho próprio de formação. O paradoxo Rodrigo de Haro tem 14 livros publicados e pelo menos outros seis manuscritos (de contos, poemas, novelas) esperando edição. Sua marca como artista plástico – o único catarinense que consta nos catálogos internacionais como pintor e poeta surrealista – está em vários cantos de Florianópolis, onde se criou entre artistas e intelectuais e se confunde com a própria paisagem da Ilha. A mais notória cobre as paredes externas do prédio da Reitoria da UFSC, onde construiu o maior mosaico em extensão do país, com 430 metros quadrados.

SHAKESPEARE E A DITADURA

Dos tempos da Ditadura Militar guarda uma história incrível. Ele a conta em tom baixo e com reserva – não quando lhe pedem, mas quando quer demonstrar o quanto a arte e a erudição, ao contrário do que prega o senso comum, podem elevar o espírito, não importa a classe social. Anos 60, integrante do grupo dos poetas surrealistas brasileiros (Cláudio Willer, Roberto Piva), foi preso perambulando à noite pelas ruas de São Paulo. Jogado em uma cadeia paulista com presos comuns, teve que se apresentar.

Quando os líderes da população carcerária souberam que o novo companheiro era um poeta, exigiram-lhe uma prova: que recitasse seus versos. Emparedado, Rodrigo só se lembrou de Hamlet, de Shakespeare, do qual sabia algumas falas de cor. Começou a declamá-lo e ao chegar à célebre passagem “A vida não passa de uma história cheia de som e fúria contada por um louco significando nada”, todos estavam a sua volta, aplaudindo-o, alguns mudos, outros em pranto. Os 20 dias de prisão passaram depressa para o novo líder-poeta, que comandou longas noites de sarau e leituras compartilhadas. Dessa história, quase uma epifania, ficou a certeza de que a literatura não precisa – nem deve – ser facilitada para se tornar acessível, pois como o ornitorrinco, a arte é feita de uma matéria que brota dentro das mentes e corações.

 

 

 

 

Por Raquel Wandelli / Jornalista na SeCArte/UFSC

Fones: 37218729 e 99110524

raquelwandelli@yahoo.com.br

www.secarte.ufsc.br

www.agecom.ufsc.br

Tags: EdUFSCRodrigo de Haro