Pesquisadoras do Núcleo de Estudos em Economia Feminista da UFSC estimulam reflexão sobre realidade da mulher
Desemprego, desalento – fenômeno em que ocorre a desistência da procura por um emprego por conta da falta de perspectiva – e informalidade, por um lado. Acúmulo de tarefas dentro e fora do lar, por outro. Em meio a um cenário de pandemia e crise econômica e social no país, pensar a realidade das mulheres tornou-se uma tarefa cada vez mais complexa, daí a necessidade de fazê-la objeto de estudo. O Núcleo de Estudos em Economia Feminista da Universidade Federal de Santa Catarina (NEEF), ativo desde o ano passado, traz à tona a questão apostando na interdisciplinaridade e na “crítica aos limites do que tradicionalmente é considerado ‘econômico”.
A explicação da professora Liana Bohn, uma das líderes do grupo ao lado da professora Brena Paula Magno Fernandez, vem acompanhada de dados que parecem reforçar a importância de se refletir sobre o assunto a partir do próprio contexto da pandemia de Covid-19: segundo pesquisa da Sempreviva Organização Feminista, 50% das mulheres do país passaram a cuidar de alguém na pandemia e 72% afirmam ter sido necessário ampliar o monitoramento e a companhia de pessoas. “Para as que mantiveram seus empregos, há aquelas inseridas em atividades com a possibilidade de adotar o home office, que sentem fortemente a sobreposição das demandas de cuidado acumuladas. Entretanto, muitas atividades, no setor de saúde e no comércio de produtos essenciais, possuem uma participação feminina muito alta e se mantiveram presenciais. Além da exposição ao vírus, essas mulheres tiveram que rearranjar as atividades de cuidado ampliadas pela falta de escolas”, reflete.
O desafio de pensar nestas e em outras questões relacionadas à economia feminista não é recente para as lideres do núcleo. A professora Brena lembra que essa história começou em 2005, durante um pós-doutorado na Universidade de São Paulo (USP). Um dos trabalhos que ela executou, na época, foi premiado no 3° Prêmio Construindo Igualdade entre os Gêneros, do Ministério da Ciência e Tecnologia/CNPq. Em 2017, a parceria com Liana começou a render outros frutos que resultaram na fundação do grupo. “A criação do NEEF foi um desdobramento natural de pesquisas que já vínhamos desenvolvendo há muitos anos e que ambas julgávamos de extrema relevância tanto teórica quanto empírica, muito tempo antes de o tema se tornar ‘moda’ na academia”, explica.
O NEEF também foi o primeiro grupo de pesquisa do CNPq sediado em um departamento de Economia de uma universidade federal. A disciplina de Economia Feminista, pioneira no Brasil, passou a ser oferecida neste semestre e ministrada pela professora Liana. “A Economia Feminista é uma área de fronteira do conhecimento, dedicando-se a desvelar as questões de gênero que estão presentes na economia, mas que encontram-se invizibilizadas seja pelas correntes hegemônicas, seja por aquelas ditas críticas ou heterodoxas”, pontua Brena. Questões sobre problemas específicos relacionados às mulheres, à posição subordinada no mercado de trabalho, ao trabalho invisível e à dupla jornada fazem parte dos interesses do grupo. “O nosso foco é colocar em evidência estes problemas tratando-os com o melhor instrumental teórico-analítico possível”.
Crítica com amplitude
O núcleo, que conta com quatro professoras e nove estudantes voluntárias de graduação e pós, está ativo na organização de debates e na divulgação da sua proposta. Com o Doses de economia feminista, promoveram uma sequência de palestras sobre temáticas como o feminismo decolonial e economia do cuidado. “Os novos desafios estão chegando com velocidade maior nesse momento em que o Brasil parece ter ‘despertado’ para o tema”, pontua Brena. “Então, o grupo acaba assumindo uma função de divulgar com seriedade os temas analisados, assim como as teorias, para que estas possam ser debatidas de forma mais plural e menos preconceituosa”, completa Liana.
Ela explica que a economia feminista critica os limites do que é considerado ‘econômico’ na tradição porque essa definição não contempla aspectos importantes para a sustentabilidade da vida, como as atividades de cuidado e os serviços ambientais, por exemplo.
A professora reforça, ainda, que a corrente ainda é incipiente, “distante de fórmulas prontas para a solução dos problemas que a economia tradicional julga serem os mais relevantes”. Isso ocorre justamente porque a reflexão sobre esses problemas tende a exigir maior amplitude. “Essa perspectiva tem por finalidade destacar que quaisquer medidas promovem impactos diferenciados sobre os sujeitos da economia – a partir do gênero, da raça, da classe e de outros marcadores sociais”. Quando não se faz esse movimento, ela explica, é possível que se comenta erros de pensar estratégias voltadas apenas à economia, sem que se atente de que a eficiência pode ser conquistada às custas do aumento do peso do trabalho de cuidado não remunerado e feminizado.
Amanda Miranda/Agecom/UFSC