UFSC na mídia: escola de Águas Mornas recebe prêmio nacional de Direitos Humanos

14/12/2015 08:23

No momento em que o país e os Estados definem os planos de educação para os próximos 10 anos sem incluir questões de sexualidade e identidade de gênero, o exemplo no sentido contrário vem de uma pequena cidade de Santa Catarina. Na Escola de Educação Básica Coronel Antônio Lehmkuhl, em Águas Mornas, na Grande Florianópolis, esses temas fazem parte do cotidiano dos alunos há cinco anos e nesta sexta-feira a iniciativa será reconhecida nacionalmente. O projeto Expressão de Gênero da Infância à Juventude e Faces da Homofobia foi o vencedor da categoria Garantia dos Direitos da População LGBT, do Prêmio Direitos Humanos 2015, que será entregue em Brasília.

Estruturadas como projeto, as atividades começaram em 2013, depois que a professora de Língua Portuguesa Maria Gabriela Abreu fez um curso de extensão pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) sobre gênero e diversidade na escola. A partir da capacitação, ela colocou a teoria em prática na escola de cerca de 400 alunos. Primeiro, o assunto foi introduzido de maneira leve e informal às aulas, para depois partir para oficinas, dinâmicas, debates e confecção de cartazes sobre a temática do Concurso de Cartazes: Trans-Lesbo-Homofobia e Heterossexismo nas Escolas, promovido pelo Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades — Projeto de Extensão Papo Sério da UFSC.

Hoje o trabalho é feito com as nonas séries do ensino fundamental e com as turmas da primeira à terceira série do ensino médio. As ações ocorrem nas aulas da professora Maria Gabriela e também nas do professor Robson Ferreira Fernandes, que leciona Sociologia e Filosofia.

O projeto foi crescendo ao longo dos anos, com os assuntos específicos dentro dos temas globais sendo trabalhados conforme a realidade de cada ano. De um início tímido, com atividades espaçadas, a ideia ganhou força e incentivo de toda a escola, incluindo a direção. O resultado foi o amplo destaque acadêmico no Estado, com várias premiações dos educadores e dos alunos em premiações de gênero e diversidade da UFSC.

— Em tempo de tanta desinformação, esse projeto e o reconhecimento dele mostra que é possível trabalhar esse tema. Não vamos influenciar a sexualidade de ninguém, só queremos ter alunos mais respeitosos, lutar para que menos pessoas sofram preconceito — destaca Maria Gabriela.

Projeto enfrentou resistência no início

Com pouco mais de 6 mil habitantes e uma população de maioria cristã, era natural que o debate de sexualidade e gênero, especialmente dentro de uma escola, gerasse resistência em Águas Mornas. Da parte dos alunos, Maria Gabriela lembra que o maior questionamento era justamente quanto a religião.

— Os estudantes trazem pra escola o reflexo da sociedade, das suas casas. A maioria é religiosa e perguntava sobre o fato de ser pecado, por exemplo. Eu tentava ter uma postura neutra. A escola é um espaço laico, onde não se discute, mas sim se respeita as religiões. E sempre frisei que acreditava que as religiões tinham por princípio o amor, tolerância, respeito pelos outros — comenta a professora, garantindo que hoje a situação é bem mais tranquila.

O professor Robson também ressalta a dificuldade inicial em lidar com o tema em uma comunidade tradicional como a do município na Grande Florianópolis:

— Às vezes me sentia pisando em ovos no que ia dizer. Os alunos têm curiosidade, querem falar sobre isso, mas em casa são impossibilitados desse tipo de discurso.

Na escola, a resistência já foi menor, com uma compreensão mais significativa da importância de se estar atento a situações de qualquer tipo de preconceito. Inclusive, depois que o projeto ganhou destaque, a professora Maria Gabriela até deu um curso de capacitação em gênero e diversidade aos outros professores, a pedido da direção.

A professora conta que a maior surpresa foi na relação com os pais. Por saber se tratar de uma cidade pequena, acreditava que teria muito mais problemas com os pais. Mas, segundo ela, não foi tão complicado assim:

— Sempre quis estar muito bem preparada para explicar a importância e a forma como o trabalho era feito. Mas se houve alguma resistência maior, não chegou diretamente à escola. Só alguns comentários nas rodas de conversa de que “essas coisas” estavam chegando ao interior também.

Texto: Victor Pereira

Publicado no Diário Catarinense.