EdUFSC traduz e organiza a ‘poesia inumana’ do grande poeta de Trieste

05/01/2015 14:07

d1f6323f92b483e9668dc697c4588be7Inumano, póstumo, espontâneo, melancólico, social, ecológico e engajado. Esse é o poeta italiano, de Trieste, Umberto Saba, pseudônimo de Umberto Poli (1883-1957), um dos grandes nomes da literatura europeia do século XX. Em trabalho inédito oferecido aos leitores brasileiros, a Editora da Universidade Federal de Santa Catarina (EdUFSC) lançou O homem e os animais – Poemas de Umberto Saba, organizado pelas professoras e escritoras Patricia Peterle e Lucia Wataghin, com tradução de Aurora F. Bernardini. Além dos poemas que marcam a relação do escritor com os animais e, de quebra, denunciam as fraquezas humanas, o livro da EdUFSC inclui ensaios das organizadoras e do tradutor. Uma “nota introdutória” situa também o leitor e contextualiza a obra. “O tema da prisão, do estar enjaulado, é uma das inquietantes problemáticas do século XX, trabalhadas até o limite mais extremo pelo poeta por meio de diferentes imagens de animais”, assinalam as organizadoras.

Nos poemas selecionados pelas estudiosas, Umberto Saba “registra o sofrimento na distância que separa os animais da crueldade dos homens”. É o pássaro, preso, engaiolado. O próprio Saba torna seus poemas mais acessíveis através de notas explicativas. Da seleção editada pela EdUFSC, destacam-se os poemas dos volumes “De Casa e Campo”; “De Trieste e uma mulher”; “Epígrafe”; “Pássaros”; “Quase um relato”; e “Seis poemas da velhice”. O autor nutre uma relação especial com os bichos de pena. Passarinhos, galinhas, canarinhos, pombos, melros servem de “contraponto para se pensar também o próprio viver humano”. Segundo Patricia Peterle, “são essas criaturas, que num momento de profunda melancolia, trazem um pouco de vida ao cotidiano de poeta”. Trieste, cidade portuária e fronteiriça, influencia diretamente a literatura do intelectual. “Uma exploração que tem a potência de destrinchar  um comum e um cotidianos e ilegíveis pelo próprio ritmo das vidas que ali habitam, captados pela sensibilidade singular do poeta”, lembra Peterle.

O “devir-animal” desfila na poesia de Saba também com gatos, cabras, cachorros, vacas, formigas, abelhas e andorinhas. No poema Pássaros, confessa que “o único destino invejável seria aquele de nascer passarinho”. No prefácio que ele mesmo escreveu para a coletânea Epígrafe sentenciou: “Sentir-se leve e voar com forças próprias pareceu-me, naquele último respiro que me dera a vida, o ápice da felicidade”. Trieste foi evidentemente o divisor de águas da literatura de Umberto Saba: “Minha cidade, que em toda parte é viva, tem seu cantinho afeito a mim, à minha vida pensativa e esquiva”, resume o poeta.

O poema “À minha mulher”, considerado um dos melhores pela crítica literária, recebeu, no entanto, a reprovação da esposa. As comparações eram por demais inumanas e a mulher, obviamente, não conseguiu se identificar com tantas qualidades “notadas” na galinha, na novilha, na cadela e na coelha. Militante político, literário  e da natureza, a escritura do poeta de Trieste é também reflexo das neuroses da solidão, da esperança e da crise existencial do cidadão Umberto Poli, que, segundo Saba, conta a “história de um velho poeta e de um jovem canarinho” (…).

No poema A cabra , que também é dedicado à mulher, Saba ressalta o “sentimento de fraternidade na dor e no comum lamento do homem e do animal”. Lucia Wataghin, em seu ensaio, sublinha que a temática “é estranhamente atual nos nossos tempos ecologicamente corretos”, acrescentando  que os argumentos e teses de Umberto Saba “poderiam integrar hoje os mais óbvios programas animalistas”. Afinal, mesmo hoje, não parece razoável a ideia de comparar a mulher amada a galinhas ou cadelas. Saba foi, contudo, um dos precursores do inumano na literatura e “terminou” reconhecido e premiado internacionalmente.

Aurora F. Bernardini, a tradutora, é professora- titular aposentada da Universidade de São Paulo (USP). Entre outras obras, traduziu O nome da Rosa, de Umberto Eco. Lucia Wataghin atualmente leciona na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e Patricia Peterle é professora de Literatura Italiana do Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras da UFSC.

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Moacir Loth/Jornalista da Agecom/UFSC

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