Exposição traz poema inédito e outras obras de Franklin Cascaes para a UFSC

10/10/2025 17:09

Das linhas do traço do nanquim às linhas das rendas de bilros são feitas as obras de Franklin Cascaes.

Desenhos feito a tinta nanquim. Foto: Gustavo Diehl/Agecom/UFSC

A exposição Cascaes entre linhas reúne desenhos, esculturas e um poema inédito do ceramista, gravurista, escritor, pesquisador e folclorista da cultura de Santa Catarina, Franklin Joaquim Cascaes, além de rendas de bilro do acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia (MArquE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A mostra está na Sala Cascaes, no terceiro andar do MArquE, até o final do segundo semestre letivo. 

O nome da exposição foi escolhido para mostrar a linha do tempo, desde a produção dele como artista, ao trabalho das mulheres transformando o algodão em linha e depois o algodão em renda. “A linha da escrita, com a linha do desenho, com a linha da escultura”, revela a mestranda do Programa de Pós-graduação em Literatura da UFSC Katiely Michielin, que é curadora da exposição junto com o professor Ricardo Gaiotto.

Os Cadernos de Cascaes

O artista multifacetado teve um novo poema encontrado depois de 42 anos da sua morte. “A gente quer que as pessoas descubram esse lado escritor do Cascaes. E não só esse escritor desse universo fantástico. Mas o seu interesse genuíno por história e geografia de Santa Catarina”, diz a curadora.

Estrofe do poema “As Rendeiras e a Renda de Bilro”. Foto: Gustavo Diehl/Agecom/UFSC

O poema As Rendeiras e a Renda de Bilro, escrito provavelmente entre 1972 e 1980, resgata a religiosidade e o misticismo que envolvem as almofadas. Entre fios que se cruzam como caminhos de vida, as rendeiras tecem mais do que rendas: bordam memórias, tradições e destinos. O bilro ecoa como reza, como canto antigo, preservando saberes que atravessam gerações. Em seus versos, acompanha-se de forma linear a introdução das meninas no universo das rendas e, consequentemente, no mundo das mulheres. Em paralelo, o texto estabelece a conexão entre bairros da cidade e seus pontos de renda, ao mesmo tempo em que descreve a beleza, a destreza e a habilidade das mulheres locais, elevando as rendeiras à condição de verdadeiras fadas. 

No primeiro quarteto, diz:

O pique de minha renda
Marca a minha linda infância
Foi trazida da Madeira
Pela minha avó Constância

Também ganham relevo as condições de vida dessas mulheres e o peso do trabalho árduo, que, apesar de exaustivo, garantia o sustento das famílias e a preservação de uma tradição que resiste no tempo.

Com mais de cem estrofes, o texto faz parte da pesquisa de mestrado de Katiely. Outros poemas podem ser lidos no caderno 91 de Franklin Cascaes, disponível no site Mafuá. “Ele observava, e anotava tudo do dia a dia no caderno. Então, quando for olhar no site, você verá que tem muita coisa escrita no caderno e no meio disso o poema”, afirma Katiely.

Conjunto de gesso “Tecelagem Manual” Foto: Gustavo Diehl/Agecom/UFSC

Folclore e misticismo na Ilha da Magia

A curadora estagiou no MArquE de 2004 a 2008, quando teve contato com as obras de Cascaes. Na época, o museu tinha vários projetos de pesquisa e de extensão para assuntos específicos, que precisavam ser resolvidos para catalogar e restaurar. Segundo ela, Franklin Cascaes tinha uma espécie de museu dentro de casa. Com um acordo entre a prefeitura e a Universidade, ele foi realocado para a UFSC para trabalhar dentro do museu na parte de arte e cultura popular.

Cascaes tinha uma catalogação e uma organização prévia, eram cadernos onde ele anotava as informações sobre as esculturas. “O meu trabalho foi este, ler essas anotações, juntar as informações que ele escreveu com fotos, disposições que ele tinha feito e fotografar as 2.800 esculturas de todos os ângulos em fundo preto”, diz a mestranda.

As histórias folclóricas populares marcam as obras de Cascaes. Mas, nessa exposição, os curadores trazem uma explicação sobre toda essa misticidade da Ilha da Magia. Ressaltam temas como o papel da mulher na sociedade local, as transformações sociais e ambientais e a cultura açoriana e afro-brasileira em Santa Catarina. Ao longo da vida e entrevistas, Cascaes explica que não acreditava nas histórias folclóricas, mas convencia os leitores de que o que escrevia realmente aconteceu. Usava o medo do ser humano para criar as maiores fantasias.

“A mentira é sempre mais interessante que a verdade”, diz a mestranda Katiely Michielin. Na época, era comum que as pessoas associassem acontecimentos cotidianos a demônios, bruxas e boitatás buscando a religiosidade como solução de questões que não entendiam. “As pessoas jogavam na rua bicho morto, lixo, e aí queimavam, com aquele fogo que subia no alto do morro, eles chamavam de boitatá”, diz Katiely. Cascaes usava essas crenças para contar sobre a situação do saneamento da ilha e da violência. Eram formas de expor os problemas que aconteciam.

Renda de Bilro do acervo da Universidade. Foto: Gustavo Diehl/Agecom/UFSC

A coleção que está no acervo do MArquE leva o nome da esposa dele, Professora Elizabeth Pavan Cascaes. Os dois tinham interesse em preservar e pesquisar a cultura catarinense. “Ele falou, em diversas entrevistas, o quanto deve a ela, e quanto era um trabalho coletivo dos dois. Eles tinham esse elo”, menciona a mestranda. Cascaes sempre falou do quanto a esposa o ajudava em tudo. “Nós encontramos o caderno 34, são anotações dela. Ela faz um grande resumo sobre normas poéticas sobre orientações de como compor. Ela foi pesquisar para ajudá-lo. Então conseguimos ver que os poemas tinham muitas frases escritas, muitas vezes reescritos e frases riscadas”, finaliza.

A sala Cascaes é dedicada a sempre ter exposições de curta duração de suas obras. Por conta da fragilidade do seu trabalho, ela pode ficar apenas alguns meses exposta e depois precisa voltar para a reserva técnica. “A gente vive sempre esse desafio entre o desejo e a obrigação de comunicar a obra e a necessidade de preservar ela para que possa ser comunicada por muito tempo”, diz a chefe da Divisão de Museologia Flora Bazzo Schmidt.

 

Isadora Cristina agecom@contato.ufsc.br
Estagiária da Agecom | UFSC

Tags: Cascaes entre linhasFranklin CascaesMArquEpoema inéditoUFSCUniversidade Federal de Santa Catarina