Boia UFSC-1 monitora em tempo real a água da Lagoa da Conceição, com dados públicos online

Equipamento alimenta o Sistema de Monitoramento da Costa Brasileira (SIMCosta), que pode ser acessado em tempo real. Foto: Divulgação/UFSC
A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) participou do lançamento de uma boia na Lagoa da Conceição, em Florianópolis, para monitorar a qualidade da água e a formação de uma zona morta – área de difícil sobrevivência para vida aquática. O sistema registra dados como temperatura, salinidade, oxigênio dissolvido, luz, turbidez, concentração de algas e nível da água, a cada cinco minutos e em diferentes profundidades. As variáveis são compartilhadas em tempo real no site do Sistema de Monitoramento da Costa Brasileira (SIMCosta), bastando buscar as informações da boia UFSC-1.
O sistema entrou em funcionamento, com dados online, no final de julho. A professora de Oceanografia, Alessandra Larissa D’Oliveira Fonseca, estuda o local desde 2000, quando iniciou seu doutorado. Ela explica que os dados coletados pela boia serão utilizados para alimentar modelos que simulam as respostas da Lagoa da Conceição a diversas intervenções. Isso permitirá que os gestores tomem decisões mais assertivas sobre como gerenciá-la, evitando medidas que possam causar mais danos, conforme a professora.
Para conscientizar a comunidade local da importância do estudo, foram produzidos um folder e um cartaz cartaz com recomendações. Entre elas, destacam-se: não mexer na boia nem em seus sensores, manter uma distância segura da boia e de sua estrutura de cabos, além de ter cuidado ao se aproximar com embarcações ou equipamentos de esportes náuticos.
A instalação da boia com acesso público aos dados envolve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do SIMCosta e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Transferência de Material na Interface Terra-Oceano (INCT-TMCOcean).
Sem oxigênio, não tem peixe e nem turismo, alerta pesquisadora
Segundo a pesquisadora, a formação da zona morta está relacionada à abertura do canal da barra, realizada na década de 1980. Antes da abertura, a salinidade da lagoa era menor, pois a barra permanecia fechada, e a água doce da lagoa aumentava naturalmente com as chuvas, forçando o extravasamento para o mar. A abertura aumentou a entrada de água salgada, elevando a salinidade. Muitas espécies não toleram níveis elevados de salinidade e morreram por choque osmótico. Como consequência, algumas espécies importantes para a cadeia alimentar desapareceram da lagoa.
A água salgada, que afunda na parte central da lagoa, chamada de baía funda pelos pescadores, permanece em camadas inferiores sem receber oxigênio suficiente, favorecendo a decomposição da matéria orgânica e o consequente consumo de oxigênio. Além disso, os nutrientes provenientes da agricultura, da pecuária e dos esgotos fertilizam a água, estimulando o crescimento de algas.
Quando essas algas morrem, sua decomposição acelera ainda mais a redução do oxigênio disponível.
A pesquisadora alerta que a zona morta pode impactar diretamente o turismo e a comunidade local: “se não tem oxigênio, não tem peixe, não tem siri, não tem camarão, não tem vida. E sem vida, a lagoa apodrece. Aí não tem turismo, não tem atividade náutica, não tem nada. Como diz um conhecido meu, a lagoa vira só um estacionamento de barco.”
Água vermelha na lagoa
A análise da lagoa começou quando um pescador da região, seu Tixico, ligou para Alessandra relatando a presença de uma água vermelha na região central da lagoa, que matava os peixes, grudava nas redes e deixava uma coloração avermelhada no material. A amostra foi analisada e identificada como uma bactéria rosa. Alessandra explica que essa bactéria prospera em regiões sem oxigênio. “A água do mar contém uma grande quantidade de sulfato (SO₄), que é derivado do enxofre. Esse sulfato é utilizado na respiração da bactéria, que, ao metabolizá-lo, libera gás sulfídrico, contribuindo para a acidificação da água”, explica.
Eventos climáticos, como chuvas e ondas de calor, também afetam a Lagoa da Conceição. As chuvas aumentam a turbidez da água e transportam mais nutrientes para a lagoa, o que pode contribuir para a expansão da zona morta. Já as ondas de calor diminuem a solubilidade do oxigênio na água, agravando ainda mais esse fenômeno.
“Com esses sensores, que registrarão dados a cada cinco minutos, poderemos analisar as condições em detalhes. Isso permitirá uma compreensão mais profunda da relação entre os usos da bacia e as condições climáticas, por exemplo”, afirma a pesquisadora.
Como interpretar as variáveis da boia
Conforme Alessandra, os dados em tempo real na página boia UFSC-1 do SIMCosta podem ser interpretados da seguinte forma:
- Média de O2 dissolvido é o oxigênio dissolvido, sendo o ideal para a lagoa quando acima de 6,5 mg/L. Abaixo de 2 mg/L indica zona morta.
- Concentração média de clorofila é a biomassa de microalgas, base da cadeia alimentar, e deve estar até 2,5 ug/L.
- PAR é o quanto de luz que tem na água para a fotossíntese (fonte de alimento e oxigênio do sistema). A falta de luz na água de fundo favorece a zona morta.
- Pressão indica a profundidade da coluna da água.
Há ainda, conforme a pesquisadora, dados que passam por ajustes na exibição no sistema e deve ser ainda atualizados.
Alessandra destaca a importância da lagoa para o desenvolvimento científico. Ela conta que sua colega Maria Luisa Fontes, pós-doutoranda e professora substituta de Oceanografia, realizou um estudo sobre as bactérias presentes no local e observou que, quando a luz alcança uma região onde a matéria orgânica é reciclada, ela se transforma em nutrientes. Nessa área, ocorre o oposto do que acontece em uma zona morta, resultando em uma superconcentração de oxigênio.
Ela ressalta que o estudo das zonas mortas está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), um conjunto de metas globais lançadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015, com o objetivo de serem alcançadas até 2030. “O ODS 14 estabelece a meta de prevenir e mitigar a poluição marinha, principalmente causada por resíduos sólidos, sendo que mais de 80% desse material é plástico, além da poluição por nutrientes”, explica Alessandra.
A pesquisadora enfatiza que esse é um problema sistêmico global, especialmente nas zonas costeiras, que recebem nutrientes do continente e sofrem impactos diretos da poluição e das mudanças ambientais.
Mateus Mendonça | agecom@contato.ufsc.br
Estagiário da Agecom | UFSC