Ostras ajudam a identificar metais e bactérias resistentes em estudo com participação da UFSC

Estudo não avalia risco para o consumidor, mas aponta dados sobre contaminação no meio ambiente (Imagem de Yung-pin Pao por Pixabay)
Um artigo publicado na Food Research International com participação da Universidade Federal de Santa Catarina e liderança da Universidade de São Paulo analisou a bioacumulação de arsênio em ostras prontas para consumo no Brasil e sua associação com bactérias resistentes. Com foco em Cananéia, Santos, São Paulo e Peruíbe, no Estado de São Paulo, e em Florianópolis, a análise não abrangeu o risco imediato para o consumidor dos moluscos, mas apontou questões relevantes sobre ambientes contaminados e suas consequências.
O estudo identificou altas concentrações de arsênio total nas ostras e a presença de cepas bacterianas resistentes a antibióticos de prioridade crítica da OMS, incluindo Klebsiella pneumoniae, Escherichia coli e, pela primeira vez em frutos do mar, Citrobacter telavivensis, bactéria oportunista descrita em 2021.
“O que a pesquisa traz é uma contribuição científica para compreendermos melhor os fatores ambientais que podem impactar a cadeia produtiva de alimentos de origem marinha, como é o caso das ostras”, explica o pesquisador Gustavo Rocha, do Laboratório de Microbiologia Molecular Aplicada (MIMA).
“Os resultados reforçam a necessidade de atenção contínua à qualidade das águas utilizadas na maricultura, não apenas sob os critérios microbiológicos tradicionais, mas também considerando a presença de contaminantes químicos que podem favorecer desequilíbrios microbiológicos no ambiente”.
Gustavo explica que o ambiente sofre com o que se chama de “pressão seletiva”. Isso ocorre, de acordo com ele, quando a sobrevivência de certos organismos é favorecida pelo meio em detrimento a outros. “No caso das ostras e do ambiente marinho, a presença constante de contaminantes como antibióticos e elementos químicos, como o arsênio, funciona como essa pressão. Ou seja, só sobrevivem as bactérias que conseguem resistir a esses compostos”.
A iniciativa do estudo partiu do professor Nilton Lincopan, da Universidade de São Paulo (USP), e de seu orientando de doutorado, Felipe Vásquez-Ponce. O professor é fundador e idealizador da rede OneBR.OneBR – One Health Brazilian Resistance Project (http://onehealthbr.com/), uma plataforma nacional de vigilância epidemiológica genômica. A proposta, de acordo com o pesquisador da UFSC, é integrar dados e especialistas de diferentes área conectando saúde humana, animal e do meio ambiente.
Genes de resistência
A pesquisa enfatiza que o arsênio e outros metais pesados podem selecionar genes de resistência nas bactérias que compartilham o ambiente marinho com as ostras e são filtradas por ela. “Ostras são organismos filtradores e, por isso, têm a capacidade de acumular contaminantes presentes no ambiente, como metais pesados e microrganismos”, explica.
Neste caso investigado, o que os resultados indicaram é que as altas concentrações de arsênio total refletem um ambiente ao redor dessas áreas de cultivo exposto a níveis elevados do contaminante.
O Mima/UFSC participou da pesquisa com análises microbiológicas das ostras coletadas em Florianópolis, com foco na detecção e caracterização das bactérias resistentes. “Esse intercâmbio científico possibilitou o uso de tecnologias de ponta, como o sequenciamento genômico, além de análises físico-químicas e microbiológicas de alta precisão, aprofundando a compreensão sobre a presença de contaminantes e microrganismos de relevância para a saúde pública”, completa Gustavo.
A presença de elementos químicos como o arsênio no ambiente atua favorecendo a sobrevivência e a proliferação de bactérias que possuem mecanismos de resistência tanto a químicos quanto a antibióticos.O pesquisador indica que, com o tempo, essas bactérias se tornam dominantes e podem transferir seus genes de resistência para outras. “Assim, mesmo que as áreas sejam classificadas como seguras sob critérios tradicionais, essas bactérias continuam circulando e se espalhando, o que representa um risco silencioso”.
Embora o estudo não avalie o risco imediato para o consumidor e não sugira ou indique que ostras não possam ser consumidas, ele aponta para a necessidade de preservação da qualidade ambiental. “O estudo não aponta um risco direto ao consumo, mas sim uma problemática ambiental mais ampla, que deve ser acompanhada com responsabilidade e cuidado por todos os setores envolvidos, incluindo ciência, governo e sociedade”, finaliza.