Fazendo Gênero 13: primeira mulher a comandar nação de maracatu, Mestra Joana ressalta o combate ao machismo
“Mulheres do mundo inteiro, com garra pra vencer, vamos unir as nossas forças e fazer acontecer. Temos direito à liberdade, temos direito de viver, temos direito, temos direito, temos direito de vencer”. Esse é um trecho da loa “Maria da Penha é forte”, primeira canção composta por Joana D’arc da Silva Cavalcante, a Mestra Joana, no Baque Mulher. A artista foi responsável pela conferência do quarto dia do Seminário Internacional Fazendo Gênero 13, na última quinta-feira, 1° de agosto.
O Maracatu Baque Mulher nasceu em outubro de 2008, em Recife, com o objetivo de combater o machismo nos grupos que realizam essa prática cultural. Em depoimento à dissertação de mestrado de Héveny Araújo, Mestra Joana explicou que o Baque Mulher buscava inicialmente “fazer com que as mulheres da comunidade tocassem livremente instrumentos de percussão até então proibidos para elas, ainda hoje há nações de Maracatu que proíbem que as mulheres toquem.” Em Florianópolis, o Baque Mulher foi criado em 2016.
A artista popular pernambucana Mestra Joana é a única mulher a coordenar e apitar o batuque de uma Nação de Maracatu de baque virado, a Nação Encanto do Pina. Ela lidera dois outros grupos: Baque Mulher e Mazuca da Quixaba.
Joana nasceu e cresceu na Comunidade do Bode, periferia de Recife. Neta da Yalorixá dona Maria de Quixaba, Mestra Joana integra uma linhagem de mulheres que têm o candomblé como tradição religiosa. Além de ser mãe pequena do Ylé Axé Oxum Deym, segunda pessoa na hierarquia de mando de uma casa de Candomblé, ela é responsável pela manutenção da tradição afro-pernambucana da Nação de Maracatu Encanto do Pina.
Durante a conferência, Mestra Joana explicou que, no contexto em que o Baque Mulher foi criado, a mulher desempenhava funções específicas no maracatu: “A mulher não tinha protagonismo dentro do maracatu, mas sempre fez tudo: costurar, lavar, cozinhar e varrer. Tudo dentro do maracatu quem fazia era a mulher. O único papel que a mulher não desempenhava era tocar”.
Em 2008, no ambiente de encontro para tocar maracatu, as mulheres começaram a dialogar sobre o que acontecia em suas vidas. A partir disso, os relatos de violência e abuso sofridos por elas começaram a ser compartilhados. Dessa maneira, para além de um encontro de arte tocando maracatu, esse espaço se tornou um lugar seguro para essas mulheres denunciarem e lutarem contra as violências sofridas por elas.
A internet foi uma aliada no conhecimento de ferramentas até então ignoradas pelas batuqueiras, como o feminismo e a lei Maria da Penha. Apesar disso, a Mestra destacou o medo que tinha em se expor ao denunciar esses casos: “Na hora que combato essa violência, estou me colocando em risco e colocando em risco a minha família”, detalhou. Ainda que esse receio estivesse presente, o maracatu se tornou uma ferramenta política de denúncia, resistência, luta e militância para essas mulheres.
Como ferramenta política e de militância, Mestra Joana ressaltou que o Baque Mulher também tem o objetivo de rememorar, cultivar e compartilhar a sua ancestralidade. Ela criticou o apagamento da ligação do maracatu com as religiões de matriz africana, ressaltando que isso acontece por conta do racismo religioso. Para a Mestra: “a maior preocupação é ter liberdade de ter religiosidade”. Para garantir que esse movimento não se desvincule de sua ancestralidade, o Baque Mulher tem um regimento interno.
Ao longo da conferência, Mestra Joana foi tocada por um comentário da plateia que falava sobre a necessidade de lugares como as universidades serem ocupados por mais pessoas negras, que tragam seus conhecimentos, ancestralidades e religiosidades. Como resposta, a conferencista denunciou a falta de políticas públicas que cumpram esta função: “Eu queria muito que esses espaços, esses seminários, pensassem em como manter essas pessoas, esses meninos e essas meninas negras, de comunidade, dentro da universidade”, concluiu.
Fechando a sequência de conferências, Débora Diniz encerra o evento na sexta-feira, 2. A professora irá abordar o tema “Esperança Feminista”, título de um de seus livros, publicado recentemente. Ambas serão realizadas a partir das 18h30.
A programação completa do Fazendo Gênero está disponível no site do evento.
Publicação da comissão de comunicação do Fazendo Gênero, com texto de Jaine Araújo, Vandiara Cesco e Yasmin Muraski e edição de Lynara Ojeda