Pesquisador defende pedagogia antifascista para combater nazismo e ascensão da extrema direita

18/11/2022 11:01

Plateia lotou auditório da Reitoria (Foto: Divulgação)

Pensar numa pedagogia antifascista é uma das chaves fundamentais para combater o nazismo e a ascensão da extrema-direita. Ao falar para um auditório cheio em meio à programação do Novembro Negro na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Michel Gherman, historiador e referência em estudos judaicos, sensibilizou a plateia para a importância de se discutir processos históricos para compreender um fenômeno que precisa ser combatido e derrotado. Gherman é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O evento foi oferecido pela Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade (Proafe) e planejado em meio a denúncias de manifestações nazistas na UFSC, que estão sendo investigadas e mobilizam a comunidade universitária para responder de maneira firme a atos criminosos. As professoras Leslie Chaves, pró-reitora de Ações Afirmativas e Equidade, e Marilise Luiza Martins dos Reis Sayão, diretora de Ações Afirmativas e Equidade, conduziram os debates.

“Santa Catarina tem sido nomeada como um dos estados com mais células neonazistas. Nós, professores e alunos, não podemos deixar que pessoas saiam daqui com um diploma técnico sem que passem por uma educação antifascista. É dever de todos nós”, pontuou a professora Lia Vainer Schucman, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC, responsável por direcionar perguntas sobre o tema da palestra para o convidado.

Para Gherman, a dimensão do fascismo exige que seja compreendido para que seja derrotado, o que envolve, por exemplo, perceber que ele se expande sempre que ocorre expansão de direitos sociais. “O fascismo não tem coerência ideológica, mas tem coerência discursiva. O racismo do fascista está estabelecido em locais de poder onde ele gostaria de estar”, disse.

O professor falou sobre como o “quarto de empregada” pode ser um símbolo metafórico da perda de privilégios da classe média que resulta em fenômenos como o de crescimento da extrema-direita. “A redução desse espaço gera ressentimento. A ideia de que o filho da empregada entrou na universidade e o meu não, gera ressentimento. Esse ressentimento era parte da Alemanha na década de 1930 e é parte do Brasil atual”, compara. Segundo ele, é nesse processo de perda de privilégios que a classe média decide “derrubar o tabuleiro”, um horizonte propício para o fascismo.

Gherman rejeita a ideia que se evite comparações entre nazismo e fenômenos que são expressão do conservadorismo e autoritarismo no Brasil. Segundo ele, é preciso acabar com a sacralização da história do nazismo. “É fundamental que a gente compare. Os elementos são parecidos: a criminalização do outro e a dimensão conspirativa estão ali. A dimensão conspirativa é a ideia de que se uma coisa mudou foi por causa de um grupo específico”, explica.

Essa dimensão conspirativa foi responsável pela perseguição aos judeus por parte dos nazistas, mas, segundo o professor, também pode ser vista na contemporaneidade. Por meio dela, por exemplo, é possível entender por que a extrema-direita rejeita as discussões sobre gênero, uma das pautas conduzidas por movimentos de esquerda. Elegem-se os grupos que reivindicam a inclusão dessas pautas como inimigos e, discursivamente, trabalham para destruí-los.

“O fascismo não tem projeto de futuro: tem projeto de passado. Por isso quando negros e indígenas reivindicam o passado são odiados pela extrema-direita”, afirma. O professor também lembra que o fascismo é o desejo da morte. “O inimigo da extrema-direita brasileira é aquele que não aceita ser subjugado”, diz, relembrando quando o presidente Jair Bolsonaro comparou quilombolas a animais. “A referência desumanizadora não é casual, pois para eles os brancos podem resistir, mas os negros têm de se submeter”.

Letramento e educação antisfascista

Painel fez parte da programação do Novembro Negro. (Foto: Divulgação)

A palavra “letramento” foi utilizada de forma recorrente pelo historiador tanto para se referir ao fenômeno de legitimação do nazismo tanto como forma de responder a esse fenômeno em direção à educação antifascista. Segundo ele, o processo de legitimação e a “epidemia de nazismo no Brasil” ocorrem por conta desse letramento que às vezes não se dá de uma forma clara.

Para ele, o letramento funcionou mais ou menos como o que se chama de “apito de cachorro (dog whistle)” – quando alguém menciona algo que o outro não conhece e isso desencadeia uma busca por informação. A estratégia para responder a isso é investir no letramento antifascista, o que pode ocorrer, por exemplo, recorrendo-se tanto a estudos afro-centrados como a partir dos estudos semitas.

O professor falou que a educação deve ocorrer questionando-se os processos que levam à ascensão do fascismo e do nazismo. Ele lembra que, em muitos momentos, recorreu ao Holocausto como forma de desenvolver essa pedagogia, mas que é preciso entender como os eventos ocorreram ao invés de centrar o ensinamento nos eventos em si. “Trocar o remember pelo understand”, disse, retomando o verbo utilizado no Dia Internacional da Lembrança do Holocausto. “Não é o lembrar, mas o entender”. Sob esse ponto de vista, seria essencial estudar as condições que criaram o Holocausto.

O entendimento, segundo o professor, passa também pela compreensão de que é penoso conferir às vítimas a responsabilidade por ensinar sobre o seu processo de vitimização. Segundo ele, é preciso lançar um olhar para os algozes e questionar quais os processos levam ao nazismo, ao racismo e ao colonialismo. Gherman também defende a ideia de que, nestes cenários, os algozes colonizam suas vítimas. “Ao se perceber a vítima há que se olhar para o algoz, pois é ele quem produz as vítimas”, lembra. Isso faz com que, muitas vezes, se perceba que os fascistas nem sempre “se vestem de mal”. “Isso tudo acontece no cotidiano. Quem elegeu os nazistas não foram os nazistas militantes”, diz.

A professora Marilise lembrou o momento de tomada de decisões pelo qual a UFSC está passando e o quanto é importante buscar estratégias de como combater o nazismo. “Entender para combater. Entender para dizer que não vamos tolerar e que na nossa universidade isso não vai acontecer”, disse. A professora Leslie reiterou que esses debates vão continuar ocorrendo e que o professor Michel Gherman será parceiro de outras atividades na UFSC.

O painel teve transmissão ao vivo pelo YouTube da TV UFSC.

Sessão aberta

O Conselho Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (CUn/UFSC) realiza uma sessão extraordinária aberta ao público para debater a manifestação de enfrentamento ao nazismo e suas apologias dentro da comunidade universitária. A reunião ocorre na próxima terça-feira, 22 de novembro, às 14h, no auditório da Reitoria, com transmissão ao vivo pelo canal do CUn no YouTube.

 

Amanda Miranda/Jornalista da Agecom/UFSC

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