Raúl Zaffaroni: referência em direitos humanos recebe título de ‘Doutor Honoris Causa’ da UFSC
Um currículo que inclui a Corte Suprema de Justicia de la Nación Argentina e a Corte Interamericana de Direitos Humanos: com estas credenciais, um dos maiores juristas vivos da América Latina, Eugenio Raúl Zaffaroni, receberá a outorga de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) nesta sexta-feira, 18 de dezembro, durante cerimônia do Conselho Universitário. A data também marca o 60º aniversário da instituição.
Zaffaroni, que completa 81 anos em 7 de janeiro, é considerado uma das maiores autoridades mundiais em Direito Penal da atualidade. Referência para juristas de toda a América Latina, relembra com carinho das ocasiões em que participou de eventos, palestras na UFSC. “Estive algumas vezes e tive a melhor impressão, além de ter sido atendido com uma enorme generosidade. Entre outras coisas, a Universidade publicou-me a tradução do meu livro sobre os direitos da natureza, com um belo prólogo de Leonardo Boff”.
O jurista se refere à obra A Pachamama e o ser humano, lembrada pelo professor da UFSC Matheus Felipe de Castro, do Cautio Criminalis – Grupo de Estudos e Pesquisa em Realidade do Sistema Penal Brasileiro, proponente original da homenagem a Zaffaroni. “Ele inovou ao estabelecer conexões da Pachamama como pensamento latino-americano, oferecendo um modelo novo de como pensar a democracia e os direitos humanos na América Latina e o próprio Direito. Ele não ficou só nesta área técnica do direito penal e da criminologia, ele foi além”.
Sobre o papel dos direitos humanos num mundo tão conflituoso, Zaffaroni observa que os direitos humanos estão em declínio em todo o mundo. “E na nossa região em particular. No entanto, como Rudolf von Jhering disse no século XIX, o direito sempre é uma luta e, como em qualquer luta, por vezes avança-se e por vezes retrocede-se”.
Quanto aos ataques aos direitos humanos em diversas frentes, Zaffaroni observa que considera a situação no Brasil bastante delicada, “especialmente em termos do exercício do poder punitivo”. “Isto foi feito nas últimas décadas por governos de todas as cores políticas. Penso que chegou o momento de se sentarem à mesa e pensarem todos um pouco mais em verde e amarelo e no Cruzeiro do Sul, porque esta é uma questão cuja gravidade torna a sociedade como um todo”, observa o homenageado.
Matheus destaca pontos importantes da carreira de Zaffaroni. “O professor faz parte de um movimento mais arejado, que nos anos 1970 e 80 estabeleceu a criminologia crítica, que analisa as estruturas do poder do estado, e como são criminógenas por excelência. Até então a criminologia era focada no individual, com um perfil mais conservadora e punitivista. Ele foi pioneiro: traduziu em conceitos concretos estas verificações criminológicas, transformando conceitos criminológicos em conceitos penais”.
A partir dessa base teórica, o jurista influenciou toda a visão de direitos humanos do continente: deu início ao combate da criminalização exagerada que existe na América Latina. Com este pensamento, influenciou a visão dos direitos humanos, estabelecendo um vínculo com o colonialismo e destacando o papel periférico que a América Latina exerce no mundo. Desta maneira, provocou questionamentos quanto à própria libertação da parte sul da América, os movimentos de independência no passado e de hoje e a luta pelos direitos humanos como efetivação soberana da América Latina.
Trajetória
Raúl Zaffaroni obteve doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade Nacional Del Litoral em 1964. Formado pela Universidade de Buenos Aires aos 22 anos, foi bolsista da OEA no México e do Max Planck Stiftung na Alemanha. Zaffaroni foi destaque na criminologia e direito penal a partir da publicação de sua teoria do crime em 1973, em que fez uma contribuição original a partir da concepção finalista. Seu trabalho enfatiza a análise crítica do poder punitivo do estado e suas consequências negativas para os direitos humanos e os setores mais negligenciados, especialmente nas sociedades latino-americanas. Foi pioneiro na explicação do genocídio comedido pelo último governo de facto na argentina com base na teoria criminológica. É considerado o mais notável e lido tratado sobre a ciência criminal ibero-americana. Em 2014, as mães da Praça de Maio entregaram-se o lenço branco que simboliza a luta pelos direitos humanos pelo seu trabalho em prol da justiça. Em 2015, foi indicado para integrar a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Resumo da trajetória pública
- Juiz da segunda Câmara da Segunda Circunscrição Judicial da Província de San Luis (1969-1973)
- Procurador-geral da Província de San Luis (1973-1975)
- Juiz penitenciário nacional criminal e federal da capital federal (1975-1976)
- Juiz criminal nacional do julgamento da capital federal (1976-1984)
- Juiz da Câmara Nacional de Apelações Criminais e Correcionais da capital federal (1984-1990)
- Ministro do Supremo Tribunal de Justiça da Nação (2003-2014)
Resumo da trajetória acadêmica
* Universidad Del Museo Social Argentino (1973-1987) – professor assistente na Faculdade de Direito;
* Universidad Veracruzana em Xalapa, Veracruz – México (1967-1968) – Professor de Direito Penal e sociologia do Direito;
* Universidad del Salvador (Buenos Aires)– professor de história e filosofia de Direito Penal Doutorado em Ciências Criminais (1977-1980) e professor de Direito Penal da Faculdade de Direito (1979-1984);
* Universidade Nacional Autónoma do México – professor de criminologia no Curso de Direito da Faculdade de Direito (1965);
* Universidade Católica de La Plata-Argentina – professor de Direito Penal da Faculdade de Direito (1970-1985), Diretor do Departamento de Direito Penal e Criminologia (1976 a 1981) e Secretário do Instituto de Direito Criminal Comparado da Faculdade de Direito (1970 a 1975);
* Universidade de Zulia, Maracaibo (Venezuela) – coordenador do Espaço Criminal do Mestrado Latino-americano em Ciências Criminais e Criminológicas (1984);
*Universidade Nacional de Rosário – assessor do Conselho de Pesquisa da Universidade (1986);
* Universidade Nacional de Missões, Posadas– avaliador de Tese no Mestrado em Antropologia Social (1998);
* Universidade Federal de Santa Catarina – membro titular do Júri de Teses de Doutorado do Centro de Ciências Jurídicas;
* Universidade de Buenos Aires – professor de Direito Penal de 1986 a 2007; professor de Criminologia na Faculdade de Psicologia (1984 a 2007); Diretor do Departamento de Direito penal e Criminologia da Universidade de Buenos Aires (desde 1994);
* Professor emérito da Universidade de Buenos Aires (2007).
Publicações
É autor de numerosos artigos, brochuras e artigos curtos, participa em publicações periódicas nacionais e internacionais; prólogos e apresentações; comentários bibliográficos; projetos e obras legislativas; artigos de jornal; traduções; participações em congressos e seminários; cursos de curta duração e ciclos de palestras e aulas extraordinárias; integra várias entidades acadêmicas e os conselhos de várias revistas especializadas nacionais e internacionais.
Entre as principais obras estão:
- Manual de Direito Penal;
- Direito Penal Militar;
- Tratado de Direito Penal em cinco volumes;
- Em busca de frases perdidas;
- Estruturas jurídicas;
- Criminologia: abordagem a partir de uma margem;
- A palavra dos mortos, Conferências da Criminologia Prudencial;
- A questão criminal;
- Crimes em massa;
- A pachamama e o ser humano.