Saad supera barreiras para garantir inclusão digital de estudantes cotistas
No início de setembro, a secretária de Ações Afirmativas e Diversidades da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Francis Tourinho, pegou emprestado o carro do filho e viajou até a zona rural da cidade de Paulo Lopes. A viagem – mais de 120 quilômetros entre ida e volta -, foi para entregar um computador à estudante Natalina Felipe, de 67 anos, moradora em uma comunidade quilombola no bairro Santa Cruz. A iniciativa de Francis mostra os desafios enfrentados pela Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidades (Saad) para garantir a inclusão digital dos estudantes incluídos nas políticas de cotas.
Até o momento, a Saad já providenciou a entrega de equipamentos para sete estudantes privados de liberdade, 50 para indígenas, cinco para quilombolas, seis para alunos de Licenciatura do Campo e sete para pessoas com deficiência, além de ceder 120 computadores para o Colégio de Aplicação. “Os estudantes de Florianópolis que não puderam vir pegar os equipamentos, nas datas em que estávamos entregando, eu fui entregar nas casas”, relata Francis. O roteiro de entregas na capital incluiu os bairros de Santo Antônio de Lisboa, Sambaqui, Ingleses, Rio Vermelho, Barra da Lagoa e Lagoa da Conceição.
Para entregar os equipamentos em pontos mais distantes, a Saad obteve apoio de outras entidades. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) entregou computadores em Biguaçu e Palhoça. O Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Interior Sul levou computadores para estudantes indígenas que retornaram às suas aldeias em cidades das regiões Oeste, Sul e Médio Vale, em Santa Catarina, e também ao interior do Rio Grande do Sul.
Elisani Bastos, assistente social da Coordenadoria de Relações Étnico-Raciais (Crer) da Saad, diz que logo que houve a publicação do edital de inclusão digital a secretaria se mobilizou e solicitou à Pró-Reitoria de Assuntos Acadêmicos (Prae) que garantisse computadores para atender ao seu público. “Existem alguns aspectos que podem dificultar a permanência de indígenas e quilombolas na universidade”, observa Elisani, citando o racismo e o tratamento diferente como barreiras ao aprendizado. A Saad, segundo ela, trabalha na dimensão política, com iniciativas visando equilibrar as condições de acesso e permanência a todos os estudantes.
Garantir a inclusão digital e a acessibilidade para os estudantes inseridos nas políticas de ações afirmativas representa um duplo desafio: tanto para entrega dos equipamentos quanto para sua utilização pelos estudantes. Elisani cita que, no planejamento da distribuição de computadores aos indígenas, por exemplo, a Saad se deparou com a existência de barreiras sanitárias nas aldeias. A situação foi contornada com a colaboração da Sesai e do DSEI. Em algumas aldeias e quilombos, localizados em lugares remotos, a qualidade da conexão de internet é ruim e algumas vezes as instalações elétricas são precárias.
Em relação aos estudantes em privação de liberdade, os atendidos pela Saad não estão todos na mesma unidade prisional. Os equipamentos não ficam com os detentos, são entregues a eles apenas por determinados períodos. E eles também não têm espaços apropriados para acompanhar as aulas e atividades. Para mitigar essas dificuldades, Elisani conta que muitos materiais destinados aos alunos reclusos são transformados em textos impressos, que precisam ser distribuídos às várias unidades.
Vontade de aprender
Natalina Felipe, que é caloura no curso de Licenciatura do Campo, diz que ficou muito feliz em receber o computador. “Se a gente não pode estar estudando agora tudo junto, pelo menos assim a gente acompanha. É uma maravilha, adorei mesmo”, diz a estudante quilombola, reconhecendo que tem bastante dificuldade em lidar com o equipamento. “A gente faz o que pode para aprender”.
Ela afirma gostar muito do lugar onde vive, perto dos filhos, dos 22 netos e 11 bisnetos. O lugar era conhecido antigamente como Bairro Toca, por ser de difícil acesso, onde só se chegava a cavalo ou em carro de boi, conta ela. “Com o tempo foi evoluindo, foi se abrindo e graças a Deus agora está tudo diferente”.
Natalina se diz uma pessoa muito curiosa e que adora escrever e estudar. “Se tiver um cursinho que veja que dá para fazer, eu faço. Mas aqui em Paulo Lopes o único curso que tem para a gente fazer é artesanato, essas coisas, mesmo assim a gente faz”. Geralmente, nesses cursos dona Natalina costuma conviver com pessoas mais jovens. “Sempre é bom a gente saber e aprender mais um pouco”. Francis Tourinho considera aquela viagem uma experiência gratificante. “Foi muito bom estar com ela, a vontade de aprender e como ela vai fazer diferença na comunidade. Será um exemplo”, diz a secretária da Saad.
Acessibilidade
Além da inclusão digital dos alunos cotistas, a Saad também ficou com a atribuição de “garantir acessibilidade educacional e suporte em tecnologia assistiva, em tempo adequado, para estudantes com deficiência, de acordo com as necessidades individuais (pessoas com deficiência auditiva e/ou visual, cegos, surdos e outras deficiências)”, conforme os termos da Resolução 140 do CUn, que normatizou o retorno às atividades de ensino de forma não presencial.
Francis afirma que a equipe multiprofissional da Coordenadoria de Acessibilidade Educacional (CAE) entrou em contato os estudantes e verificou as necessidades de cada um, tais como lupas, softwares, teclados colmeia, tablets e computadores. “A equipe conversou com os docentes e coordenadores de cada estudante de forma a dar assessoramento para o atendimento em aula online, para adaptações”, diz a secretária. A CAE elaborou e publicou um material com orientações para coordenadores, docentes e técnicos. Há sugestões específicas sobre como adaptar o ensino remoto às necessidades das pessoas com deficiência física, surdas ou com deficiência auditiva, autistas e pessoas cegas e com baixa visão atual.
“Também foram contratados seis tradutores e intérpretes de Libras pela CAE/Saad, com ajuda da Seplan”, afirma Francis. Eles estão interagindo com os alunos e professores e fazendo as adaptações ao ensino remoto. Os tradutores atuam sempre em dupla e se conectam às atividades para apoiar os alunos surdos.
Luís Carlos Ferrari/Agecom/UFSC