Yúpuri é primeiro indígena brasileiro a concluir o doutorado na UFSC
João Rivelino Rezende Barreto (também conhecido pelo nome indígena Yúpuri – guardião das portas do universo) tem 38 anos, é casado e pai de três filhos. Natural do município de São Gabriel da Cachoeira, extremo noroeste do estado do Amazonas, fronteira com a Colômbia e a Venezuela, nasceu na aldeia tukana São Domingos Sávio. Yúpuri é o primeiro indígena brasileiro a concluir o doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A defesa da tese ‘ÚKŨSSE: forma de conhecimento Tukano via arte do diálogo Kumuãnica’ desenvolvida por Rivelino no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social (PPGAS/UFSC) foi realizada na tarde do dia 13 de junho de 2019 no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) e contou com a participação, na banca, da professora-orientadora Evelyn Martina Schuler Zea, dos professores externos Renato Monteiro Athias (UFPE/via videoconferência) e Danilo Paiva Ramos (UFBA), dos professores internos do PPGAS José Antônio Kelly Luciani e Antonella Maria Imperatriz Tassinari.
O ingresso no doutorado aconteceu em 2015 após conhecer mais sobre a UFSC em um evento realizado em Manaus pelo curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, local em que João atualmente reside. Foi aos 11 anos que Yúpuri deixou a aldeia, porém as raízes culturais sempre o acompanharam. “Gosto de estudar as questões que envolvem o conhecimento indígena, por isso no mestrado e no doutorado busquei saber mais sobre o meu povo, o povo Tukano”, revela ele.

Com kumu tukano Luciano Barreto aprendendo a construir jequí (armadilha de peixe), Novo Airão (interior de Manaus).
Por meio da ‘etnografia em casa’, Rivelino desenvolveu a sua pesquisa estando em contato direto com três figuras definidas como detentoras de conhecimentos excepcionais: kumu (o pensador tukano), yai (o pajé), baya (o mestre de música). “A ciência tem focado que o conhecimento é concentrado no pajé, porém na minha pesquisa identifiquei que o kumu e o baya detêm muito conhecimento, sendo o kumu o mais forte”.
Na pesquisa de João o kumu foi o seu pai, Luciano Borges Barreto, que apresentou por meio do diálogo kumuãnica o pensamento, a formação, a organização social e a hierarquização dos tukanos. Assim, Yúpuri restabeleceu um laço forte com a sua comunidade indígena como forma aprofundar e documentar esses conhecimentos. “Com a pesquisa foi possível mostrar como acontece o processo de formação dessas três figuras, a responsabilidade de cada um, mostrando a existência do conhecimento Tukano”, enaltece João.
Na UFSC, Rivelino teve a oportunidade de aperfeiçoar seus conhecimentos sobre os povos indígenas, aprender e pesquisar melhor sobre a etnia tukana, para além daquilo que já sabia do convívio com o seu pai. “Esses capítulos fizeram muita diferença ao serem escritos por quem é indígena. Na UFSC construí e aprendi muito e, junto do meu pai, sofistiquei os ensinamentos tukanos dentro da universidade. A academia me fortaleceu mais na compressão e na existência da minha cultura”, frisa ele.
Na Antropologia, a pesquisa de Rivelino traz conceitos que são novidades neste universo. Assim, as contribuições da sua tese apresentam ao público o funcionamento do pensamento indígena, permitindo que todos conheçam os seus conceitos. Para além da área acadêmica, Yúpuri pretende manter os laços com a aldeia tukana São Domingos Sávio. “Estou em conversas com o meu pai e irmãos para fazer uma maloca às margens do Rio Tiquié, organizar a aldeia e colocar em prática o que estudei no doutorado. Me formei em Antropologia pensando na minha cultura e agora quero mostrar aos tukanos de São Gabriel o que aprendi na universidade e pesquisei com o meu pai”, frisa ele, citando aprendizados sobre danças, trocar flauta, rituais, fórmulas de xamanismo. “Para nós será um momento histórico colocar isso em prática”. O grupo Tukano é composto por 150 indígenas, sendo que no município de São Gabriel da Cachoeira existem 23 etnias indígenas.
Barreto é o primeiro da etnia Tukana a concluir o doutorado, entretanto existem outros com título de Mestrado e graduações concluídas. Na UFSC, Rivelino é o segundo estudante autodeclarado indígena com Título de Doutor, o chileno Luis Hernán Rodríguez Cisterna foi o primeiro a defender a tese em 11 de fevereiro de 2019 no Programa de Pós-graduação em Engenharia Mecânica (PPGMEC). Ainda, a UFSC já formou três mestres autodeclarados indígenas.
Ingresso, permanência e futuro na academia
Rivelino ingressou no Doutorado em Antropologia por meio de ação afirmativa indígena. Para ele, a UFSC possui uma estrutura que se responsabiliza com a história indígena. Entretanto, ele ressalta que o ingresso por cotas é importante, mas a permanência é fundamental. “As cotas dão a possibilidade de o indígena ingressar, mas continuar exige esforço e dedicação”.
Na academia, Yúpuri teve a oportunidade de pensar melhor a sua própria cultura e fazer a diferença a partir da pesquisa. “São vários cursos que abrem as portas para que nós tenhamos melhores condições de refletir sobre a nossa realidade”.
Com a conclusão do doutorado, João foi reinserido no mercado de trabalho e hoje atua como professor em uma faculdade privada no Amazonas. “Devo à UFSC essa porta profissional. É um problema social brasileiro se inserir no mercado após a formação, mas hoje atuo nos cursos de Pedagogia e Administração. As instituições buscam os profissionais levando em conta a qualidade da formação, e a UFSC fala por si só. Me sinto preparado para atuar tanto no contexto urbano como para as questões com o meu povo. A minha formação é para a cidade e para a aldeia”, finaliza Yúpuri.
A tese de Rivelino está em etapa de ajustes e envio para a Biblioteca Universitária. Em breve estará disponível para consulta em https://repositorio.ufsc.br/.
- Com kumu tukano Luciano Barreto aprendendo a construir jequí (armadilha de peixe), Novo Airão (interior de Manaus).
- João Rivelino Rezende Barreto durante a defesa da tese.
- João Rivelino Rezende Barreto com a banca de defesa.
- Participando do Simpósio dos Kumua (benzedores) na cidade de São Gabriel da Cachoeira (Amazonas).
Nicole Trevisol / Jornalista da Agecom / UFSC
*Fotos: Divulgação/João Rivelino Rezende Barreto
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