Do sertão cearense a Florianópolis: UFSC recebe criador da Fundação Casa Grande

Alemberg é entrevistado pelo Conexão, telejornal universitário produzido por estudantes de jornalismo da UFSC.
Um canal de TV, de rádio, uma editora de gibis, um museu, uma banda e um teatro: tudo comandado por um monte de crianças. Seria uma adaptação do famoso clássico de J. M. Barrie, sobre Peter Pan e a Terra do Nunca? “As pessoas chegam à Casa Grande e sempre dizem que aqui parece a Terra do Nunca”, brinca Alemberg Quindins. O “aqui”, na verdade, não é bem aqui. Toda esta estrutura funciona na Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri, localizada em Nova Olinda, no sertão do Ceará.
Alemberg esteve na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a convite do Programa de Educação Tutorial de Educação do Campo (PET Educampo), na quinta-feira, 17 de agosto, para uma roda de conversa sobre sua trajetória e a Fundação. Trajetória que, desde o início, já demonstrava sinais de sua personalidade inovadora. Aos nove anos, deixou o Ceará e se mudou para a região que antes era denominada de Goiás, atual Tocantins. “Quando a gente chegou, não tinha desenvolvimento nenhum”, lembra Alemberg. Por isso, ele resolveu criar uma “editora” de revista em quadrinhos. Uma das revistas era sobre esporte – uma imitação da revista Placar (da editora Abril). “Eu fazia toda a reportagem do que acontecia no cenário esportivo das crianças. Eu ia para a beira do campo e ficava entrevistando as pessoas, depois eu desenhava aquela entrevista e fazia as perguntas e respostas”, conta.
Foi também nessa idade que Alemberg começou sua carreira na música, ao montar uma banda de lata, na qual era o percussionista. E, por meio da música, surgiu a Fundação Casa Grande. Ele e sua esposa, Rosiane Limaverde, desenvolveram uma pesquisa sobre a pré-história caririense, a história dos índios kariris e as lendas da região, transmitindo todo o conteúdo em forma de música. “Durante dez anos nós circulamos o Brasil, tocando essa música nos festivais. Com as premiações que fomos ganhando, investimos em livros, em filmes, num acervo cultural, e resolvemos restaurar a casa de meu avô, que estava em ruínas”, explica Alemberg.
A casa de seu avô, Neco Trajano, é a atual Casa Grande. Ela foi construída em 1717, e, durante o Ciclo do Couro – período em que o gado chegou ao Brasil -, funcionava como um posto para o descanso dos bois. É a casa que deu início à cidade de Nova Olinda, sendo, portanto, a primeira peça arqueológica do Memorial do Homem Kariri. “O Memorial expõe fotografias dos lugares mitológicos e arqueológicos, pedras que se diz serem parte dos locais das lendas, das cavernas com pintura rupestre, além do acervo lítico, que é de pedras do povo da pré-história, e o acervo cerâmico”, descreve Alemberg. “E eles são todos sinalizados com a literatura em quadrinhos, tem sempre um personagem contando a história”, acrescenta.
Os personagens são elaborados pelas crianças da Fundação Casa Grande, que se apropriaram, de forma voluntária, do espaço. As crianças de Nova Olinda começaram a usar o terreno para brincar, e Alemberg percebeu que elas explicavam para os visitantes do memorial as mesmas coisas que ele explicava. Hoje, as crianças apresentam o museu, numa vivência de educação patrimonial, que também se dá por meio de aulas de arqueologia, mitologia, museologia e conservação do patrimônio. Com programas de educação infantil, profissionalização de jovens, empreendedorismo social, geração de renda familiar e sustentabilidade institucional, as crianças ainda têm acesso à biblioteca, a computadores e a toda estrutura de comunicação. “Nós temos laboratórios de conteúdo e laboratórios de produção”, explica Alemberg. Dessa forma, tudo o que as crianças aprendem pela teoria é aplicado na prática. “Eles leem o gibi, e depois vão produzir o gibi no laboratório”, exemplifica.
Alemberg ri, dizendo que as crianças da cidade fizeram um “motim e tomaram o navio” da Casa Grande. “A gente entregou a chave da casa para as crianças, elas que abriam, elas que zelavam”, conta. Para ele, é isso que tornou o formato da Casa Grande tão diferente. Se existissem duas prateleiras, uma de coisas que surgiram e outra de coisas que nasceram, Alemberg diz que “a Casa Grande estaria na prateleira do surgir”. “Nascer é quando você faz aquilo existir, e surgir é quando aquilo que você fez existir, se faz”, reflete. Deixa, ainda, uma constatação: “eu só sei que se eu fosse inventar, não tinha inventado”.
Maria Clara Flores / Estagiária da Agecom / UFSC
Foto: Ítalo Padilha / Agecom / UFSC