Pesquisa da UFSC pode ajudar no controle da Leishmaniose em Santa Catarina

24/06/2013 16:03

No mapa estão destacados os municípios onde houve relato de casos da Leishmaniose em Santa Catarina em 2002

Uma tese de doutorado defendida na Universidade Federal de Santa Catarina conseguiu avançar na compreensão da Leishmaniose em Santa Catarina e traz ferramentas práticas que podem ajudar a controlar o avanço da doença. A pesquisa foi realizada pela epidemiologista Mariel A. Marlow durante seu doutorado no Programa de Pós-graduação em Biotecnologia e Biociências, sob orientação do professor Mário Steindel.

Com o título “Epidemiologia molecular e populacional da leishmaniose no Estado de Santa Catarina, Brasil”, a tese faz um retrato da doença no Estado: a Leishmaniose está aumentando, os novos casos são predominantemente urbanos, a maioria tem origem em Santa Catarina, existe um padrão dos surtos e os casos de origem externa exigem atenção especial dos serviços de saúde pública. Além do avanço no entendimento da doença, a pesquisa inova ao promover a colaboração de áreas diferentes como epidemiologia e biologia molecular. “Ao trabalhar de forma colaborativa, é possível desenvolver um novo olhar sobre o problema e avançar nas descobertas científicas”, explica Mariel.

Municípios onde houve relato de casos de Leishmaniose em 2008

Causada por protozoários do gênero Leishmania transmitidos pela picada de flebótomos, a Leishmaniose pode se apresentar de forma variada, como feridas que não cicatrizam nem doem até lesões na boca e nariz. A leishmaniose tem cura clínica, mas o parasito sempre ficará no organismo, podendo novamente provocar feridas, os chamados casos de recidiva. No mundo, anualmente registram-se cerca de dois milhões de casos de Leishmaniose. Em Santa Catarina, o surto mais recente aconteceu em 2005, com mais de 100 pessoas infectadas no Vale do Itajaí.

Desde a década de 1990, a Leishmaniose é tema de investigação dos pesquisadores do Laboratório de Protozoologia da UFSC.  Durante esse período, os pesquisadores têm isolado amostras desses parasitos a partir de pacientes como parte de diagnóstico de rotina. Mariel estudou esse material por meio de métodos moleculares e identificou as características genéticas das cepas de Leishmaniose.

A combinação de marcadores genéticos dos parasitos estudados no Laboratório de Pesquisas em Leishmaniose do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) no Rio de Janeiro, associado aos dados epidemiológicos dos pacientes, permitiu a Mariel traçar as origens das cepas de Leishmaniose. O marcador genético possibilitou identificar se o paciente foi infectado pelo parasita local ou de outros estados e também determinar o risco de recidiva da doença de acordo com a origem do parasito.

A Leishmaniose é causada por protozoários do gênero Leishmania transmitidos pela picada de flebótomos (foto). Foto: Ministério da Saúde

Essa informação tem uma aplicação de ordem prática para os profissionais de saúde no tratamento e acompanhamento deste grupo de pacientes. “Ao conhecer a origem da doença, os profissionais saberão como lidar com cada caso. Os dados mostram que há mais gravidade nos casos de recidiva da Leishmaniose que tem origem fora de Santa Catarina”, explica o professor Mário Steindel. Outra constatação é que a Leishmaniose está em expansão no Brasil, mudando seu perfil ecológico e saindo do ambiente rural para o urbano. Cerca de 70% dos casos de leishmaniose em Santa Catarina são urbanos.

“É importante lembrar que a expansão de uma doença não necessariamente depende do número de casos ou do aumento desse número. O que é mais importante é saber onde os casos estão ocorrendo, pois se um caso ocorreu em uma determinada área, então a possibilidade de um surto existe. A partir daí é possível investigar se há mudança nas condições ambientais que possa causar a expansão do habitat do vetor, ou se há migração de trabalhadores originários de uma área endêmica em leishmaniose”, explica Mariel em sua tese.

A metodologia desenvolvida na UFSC ajudará a investigar com mais precisão os surtos da doença que, de acordo com o professor Mário, apresenta um padrão cíclico. “Temos observado o aumento de casos a cada cinco anos. Essa análise pode servir de base de políticas de prevenção, a chamada vigilância proativa, que são estratégias mais baratas do que aguardar a chegada dos surtos e tratar a doença”, explica.

A preocupação é relevante. Os primeiros registros no Estado foram em Quilombo e Coronel Freitas em 1987. Inicialmente, o número de casos por ano era reduzido, e em sua maioria importados de outros Estados onde a doença era endêmica. Com tão poucos casos relatados, a doença não recebeu muita atenção até o surto de 2005, no Vale de Itajaí, onde mais de 100 casos foram notificados na região em apenas um ano. Em 2007 a doença foi notificada pela primeira vez em Florianópolis.

Sobre a Leishmaniose

Úlceras de Leishmaniose. Foto: Mario Steindel / UFSC

A leishmaniose é uma doença que pode se apresentar de forma muito variada, incluindo feridas (úlceras) de bordos altos e fundo rebaixado na pele, que usualmente não doem (forma cutânea), lesões na mucosa do nariz e da boca que podem ocasionar grave deformação (forma muco-cutânea) e a forma visceral da leishmaniose que ataca o fígado, baço e medula óssea e que pode ser fatal se não tratada. Os parasitos que causam a doença são protozoários do gênero Leishmania.

A doença ocorre em diferentes regiões do mundo com uma incidência de cerca de 2 milhões de casos por ano. No Brasil atualmente todos os Estados registram casos da doença decorrentes de transmissão autóctone. Pelo menos seis espécies do protozoários (Leishmaniabraziliensis, L. guyanensis, L.amazonensis, L.lainsoni, L.shawi e L.naiffi) causam a Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA), que inclui todas as formas cutâneas, mucocutâneas e aquelas formas disseminadas que podem ser observadas em pacientes com AIDS e a Leishmaniainfantum que causa a Leishmaniose Visceral (também conhecido como calazar) em humanos e cães. Os parasitos são transmitidos pela picada de insetos fêmea de flebótomos, também conhecidos como mosquito palha ou birigui.

Em Santa Catarina duas espécies (L. braziliensis e L. amazonensis) causam a LTA, sendo 99% dos casos em humanos devidos a L. braziliensis. O diagnóstico da doença que é relativamente simples, muitas vezes é demorado por que os profissionais de saúde não estão atentos a doença e o tratamento requer a aplicação de injeções do medicamento (Glucantime), durante três a quatro semanas. As cicatrizes das lesões são permanentes.  A parasitose é uma zoonose típica (doença de animais) que é transmitida para humanos. Os reservatórios naturais são várias espécies de pequenos mamíferos (roedores, gambá, cão, entre outros), e a transmissão sempre se dá pela picada da fêmea do flebotomo. A partir de 2007 a LTA foi registrada em Florianópolis e em 2010 ocorreu um surto de Leishmaniose Visceral Canina no distrito de Lagoa da Conceição com grande repercussão na imprensa.

Recomendações úteis para a população:

– Se você tem ferida que não dói e que não cura, procure o serviço de saúde para investigar a causa e a possibilidade de ser leishmaniose.

– Cães de rua devem ser recolhidos e castrados. Cada dono deve ser responsável pelo seu animal.

– Deixe o ambiente em volta da casa limpo. Isso diminui a possibilidade de contato com flebotomíneo, que é o inseto que transmite o protozoário causador da Leishmaniose.

– Para prevenir sobre a doença, busque informações científicas em fonte confiáveis.Exemplo: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1560

Por Mariel Marlow e Mário Steindel / Laboratório de Protozoologia / UFSC
mmarlow3@gmail.com e mario.steindel@ufsc.br

Editado por Laura Tuyama, jornalista da Agecom/UFSC
laura.tuyama@ufsc.br

 

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