Bernardo Kucinski explica a crise financeira mundial
O primeiro encontro do ciclo “Leituras Contemporâneas com Bernardo Kucinski”, foi realizado, 16 de outubro, no Auditório Henrique da Silva Fontes no Centro de Comunicação e Expressão (CCE), na UFSC. Com o tema “A crise financeira mundial: origens e consequências”, o professor visitante junto ao programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC e autor dos livros “A ditadura da dívida: a crise do endividamento da América Latina”, e “Jornalismo Econômico – ganhador do prêmio Jabuti de 1997 – deu um amplo panorama sobre o mercado financeiro para explicar a situação atual. A proposta do ciclo é promover um conjunto de conferências com o professor visitante para discutir alguns dos principais temas da atualidade. Os encontros são abertos ao público, gratuitos e voltados à discussão e reflexão.
Ao explicar o estado da economia mundial, Kucinski afirmou que não gosta do termo crise, pois segundo ele, o que está acontecendo é inerente a lógica capitalista, em que há uma prevalência do capital financeiro sobre outras formas de capital e essa é a forma com que o mercado se recicla. Outras características deste sistema são a movimentação repentina de grande quantidade de capital e a complexidade das operações. O mercado de derivativos movimenta no Brasil cerca de 2,3 trilhões de reais por dia, segundo o professor e, embora os conceitos de riscos estejam muito presentes, estes acabam ofuscados por manobras sofisticadas e por balanços das agências de classificação de risco, que podem camuflar os dados.
A financeirização do cotidiano foi destacada: atualmente os bancos substituíram o Estado e estão presente em todos os aspectos do dia a dia, gerando uma porcentagem de lucro mesmo nas menores transações. “O Brasil, principalmente, é um país onde até o cafezinho é pago com cartão de crédito”, disse o professor. Um aspecto preocupante é a apoderação do poder político pelo financeiro. Formou-se no país uma casta de dirigentes financeiros que transitam entre o sistema Estatal e privado, aumentando assim sua capacidade.
Como se deu a supremacia do capital financeiro:
2ª Guerra
No pós Segunda Guerra Mundial a economia era caótica para a maioria dos países. Os líderes aliados decidiram tomar medidas para estabilizar as relações financeiras internacionais e, em julho de 1944 realizaram as conferências de Bretton Woods. Nos acordos, decidiu-se que todas as moedas teriam entre si uma paridade fixa em relação às outras, oscilando no máximo 1,1%, correspondente a um valor em dólar que, por sua vez, seria igual a 0,88 gramas de ouro.
O dólar passou assim a ser a moeda forte do sistema financeiro mundial, utilizada nas transações, minimizando custos de detenção de diversas moedas estrangeiras.
Nessa conferência também foram criados o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). A quantidade de dólares passou a exceder o estoque de ouro, e em 1971, Richard Nixon, então presidente dos Estados Unidos, suspendeu unilateralmente o sistema de Bretton Woods, cancelando a conversibilidade direta do dólar em ouro.
Década de 60
Foi o início da expansão das multinacionais. Esse tipo de empresa, ao invés de exportar produtos, exporta fábricas, remetendo os lucros às matrizes ao mesmo tempo que explora mão de obra local. As transações dessas empresas eram feitas em dólar, consequentemente, filiais de bancos americanos começaram a surgir em todo o mundo. Surgiram nessa época, na Inglaterra, os empréstimos sindicalizados, em que um grupo de bancos realizam o empréstimo, diminuindo a participação de cada um. A principal característica desses empréstimos são os juros flutuantes, que acompanham algum índice econômico. Ou seja, as parcelas mudam de valor de acordo com a correção monetária do dia do pagamento, não podendo, no momento da contração da dívida, se fazer a previsão o valor de juros a ser pago. Foi por meio desses empréstimos que se constituiu a dívida externa da América Latina e de outras regiões, como o Mediterrâneo.
Década de 70
A situação dos países endividados em dólar piorou com a recessão dos Estados Unidos diante das duas crises do petróleo: na guerra do Yom Kipur em 1973, e na revolução islâmica no Irã, em 1979, seguida pela guerra Irã-Iraque. Como estratégia, o governo estadunidense aumentou substancialmente suas taxas de juros. A inflação mundial levou á crise da dívida externa na América Latina, que fez com que o México decreta-se moratória em 1982 e o Brasil recorrer ao FMI em 1983.
As origens da crise:
Mercado Especulativo
Kucinski chama o mercado especulativo de um grande cassino, em que a cada momento há uma ficha dominante. “A moeda da vez é o Euro”, completa.
Neoliberalismo
Nos governos Reagan, nos EUA e Thatcher, na Inglaterra, os incentivos para a compra da casa própria deram origem ao boom imobiliário, que foram a base para a crise. Com a facilidade de financiamento os bancos passam a oferecer empréstimos sub-prime, de alto risco.
Anos 2000
Quando as taxas de juro subiram, a partir de 2004, o índice de inadimplência também cresceu, e o preço dos imóveis começou a cair. No final da crise, seis grandes bancos de financiamento imobiliário, entre os quais os três maiores bancos de investimento do mundo e também a maior seguradora quebraram.
Manipulação taxa de juros de Londres – Libor
Em junho de 2012 o Banco britânico Barclays reconheceu que manipulou a London Interbank Offered Rate (Libor), entre o fim de 2007 até maio de 2009. A Libor é a principal taxa de referência para as transações financeiras no mercado europeu e que corrige 26% da dívida externa brasileira. A taxa é calculada com base nas transações entre 18 bancos ingleses, que avaliam quanto custaria captar dinheiro entre si para diferentes prazos e moedas e, no período, declarou valores abaixo do quanto pagava pelos recursos que captava no mercado, inflando artificialmente seus resultados.
Euro
A integração econômica da Europa começou com o Tratado de Maastricht, de 1992, para criar uma moeda que fizesse frente ao dólar. Mas a implementação da moeda única não veio acompanhada de uma política fiscal comum que regulasse o mercado, deixando o sistema exposto a especulações de alto risco e endividamento desmedido dos Estados. Em 2008 a corda estourou do lado mais fraco da Zona do Euro: Grécia, Portugal e Espanha. Agora, os bancos exigem que esses países façam cortes sociais na saúde e na educação levando ao que Kucinski considera um aspecto interessante: “Estabeleceu-se um conflito sociedade X Estado e não de trabalhador X patrão como estávamos acostumados”.
Próximo Evento
As Leituras Contemporâneas voltam em novembro, no dia 14, com o tema “Oriente Médio e a Crise de Narrativas”, e em dezembro, no dia 5, com “Comunicação Pública Democrática”, ambos às 10h no Auditório Elke Hering, na Biblioteca Universitária da UFSC. O ciclo é uma realização do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (POSJOR), com apoio do Departamento de Jornalismo da UFSC e Observatório da Ética Jornalística (objETHOS).
Bernardo Kucinski
Bernardo Kucinski é graduado em Física, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, livre-docente pela mesma universidade e pós-doutor pela University of London. Como jornalista, atuou no serviço brasileiro da BBC de Londres, e, ainda na capital inglesa, foi correspondente da Gazeta Mercantil e dos jornais Bondinho e OPINIÃO. De volta ao Brasil, foi correspondente do The Guardian, e editor dos cadernos especiais da revista Exame, além de trabalhar na Veja e outros veículos. Entre 2003 e 2006 foi assessor Especial da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Aposentou-se como titular da USP e é professor visitante junto ao POSJOR da UFSC. É autor de vários livros, entre eles “A ditadura da dívida: a crise do endividamento da América Latina”, “Jornalismo Econômico”, “Jornalismo na era virtual: ensaios sobre o colapso da razão ética”. Em 2011, estreou na ficção com o romance “K”, finalista do Prêmio Jabuti.
Patrícia Cim/ Estagiária de Jornalismo da Agecom/UFSC
patriciacim@gmail.com
Foto: Wagner Behr/Agecom/ UFSC