Novo método revoluciona aprendizado de leitura
A UFSC recebeu dia 13 de julho o neurocientista francês Stanislas Dehaene, diretor do INSERM – CEA Cognitive Neuroimaging (França), que ministrou a palestra Os Neurônios da Leitura (Reading in the Brain), participou de colóquio e do lançamento da edição brasileira do livro, com o mesmo título da palestra, traduzido pela professora emérita da UFSC, já aposentada, Leonor Scliar- Cabral. O evento, gratuito, foi promovido pela UFSC em parceria com a UDESC e apoio dos Programas de Pós-graduação em Linguística e Inglês da UFSC e da Secretaria de Estado de Educação. Os participantes, vindos de todo o Brasil, praticamente lotaram o auditório Garapuvu do Centro de Cultura e Eventos.
A mesa foi composta por Dehaene, Leonor Scliar-Cabral, Sydneia Gaspar de Oliveira, secretária Municipal de Educação, Vinícius Perucci, pró-reitor de Administração da UDESC, e Lúcia Helena Pacheco, vice-reitora da UFSC.
A professora Leonor Scliar disse que a contribuição do livro servia para diminuir “a mais iníqua das exclusões – a exclusão no mundo da informação”, e a vice-reitora destacou a questão comportamental como uma das fundamentais do século XXI e de como problemas como o da dislexia poderiam ser amenizados pela contribuição da neurociência. Para ela, entender melhor a parte cognitiva e neuronal ajuda a alfabetizar pessoas que às vezes são excluídas. Agradeceu a dedicação de tantos anos à UFSC das professoras aposentadas Leonor e Sydneia e parabenizou a primeira pela tradução do livro.
Dehaene começou a palestra explicando sua proposta de uma nova ciência do aprendizado da leitura, valendo-se de como a neurociência explica nossa capacidade de ler. Falou sobre o maravilhoso mistério da leitura e citou Vladimir Nabokov (1899-1977), seu escritor favorito, que escreveu: “somos absurdamente acostumados ao milagre da gente olhar esses caracteres estranhos e ler”. As perguntas do novo método têm como base “Como é possível ler?” e “Como ler muda nossos cérebros?”
Aprender a ler, disse o cientista, consiste em ter acesso às áreas da linguagem falada por meio da visão, isto é, criar uma interface com a “caixa de letras” do cérebro, uma região que pode ser detectada em qualquer leitor em poucos minutos por meio de testes de ressonância magnética e que é situada no mesmo local em todas as culturas. Mas esta região só é detectada nas pessoas que aprenderam a ler e apenas para os sistemas de escrita conhecidos. A leitura modifica, pois as conexões cerebrais sugerindo uma mudança na mielinização (mielina é uma substância “gordurosa” que isola a membrana celular do neurônio).
Algumas das questões a pesquisar são como o sistema visual muda com a alfabetização, o que faz a “caixa de letras” do cérebro antes de sermos alfabetizados e se podemos nós mesmos induzir essas mudanças no cérebro da idade adulta.
O neurocientista falou sobre os princípios pedagógicos que prega para a aprendizagem da leitura como ensino explícito do código alfabético; progressão racional – quebrando a simetria, como exemplo aprendendo a distinção entre “b” e “d” e “p” e “q”; aprendizagem ativa associando leitura à escrita; transferência do explícito ao implícito; a escolha racional de exemplos e exercícios e adaptação ao nível do aluno.
Também citou a importância na mudança do método pedagógico para um engajamento ativo (erros Ok e os que devem ser corrigidos), atenção (orientada ao nível pertinente) e prazer (recompensa) e adaptação ao nível da criança, já que ela, segundo Vygotsky (1896- 1934) aprende numa zona de desenvolvimento proximal. Por isto deve haver uma avaliação permanente pelo professor e uma autoavaliação pela criança. Falou sobre o sistema visual e desorganizado dos disléxicos e da consequente dificuldade de determinar causalidade. Ao tentar decifrar o código neural das palavras escritas, a neurociência contribui para alternativas de alfabetização que facilitem a inclusão das pessoas portadoras de distúrbios de linguagem.
Dehaene elogiou o método de autonomia pregado por Maria Montessori (1870-1952) e finalizou mostrando uma gravura de Fragonard com uma pessoa lendo. A partir do quadro estabeleceu um paralelo entre leitura de sociedade e, falando sobre o futuro terminou: “Espero que a gente vá para uma sociedade com melhores leituras”
Por Alita Diana/jornalista da Agecom
Fotos: Henrique Almeida/Agecom
Mais informações sobre o tema: professoras Ana Claudia de Souza anacs3@gmail.com e Rejane C. Dania rcd@ced.ufsc.br (CED / UFSC)
Saiba mais:
Neurociências
As neurociências, campo de especialidade de Stanislas, apresentam grandes avanços com forte impacto em diferentes áreas, em particular às que se referem ao aprendizado e aos distúrbios de linguagem, como a dislexia, que afeta mais de 18 milhões de pessoas no país. Com o avanço da neurociência, o tratamento passa por uma fase revolucionária.
Stanilas Dehaene
Nasceu na França, em 1965. É mestre em Matemática Aplicada (Universidade Paris VI) e Doutor em Ciências Cognitivas (École des Hautes Etudes en Sciences Sociales, Paris). Atualmente dedica-se a pesquisar as neurociências cognitivas. Seu livro Os neurônios da leitura (Reading in the Brain) conquistou o Grand Prix RTL-Lire, como melhor livro de ciência em 2007.
Outra obra – La Bosse des Maths – conquistou o prêmio Jean Rostand de melhor livro de divulgação científica. No Brasil, faz parte do Conselho de Administração da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação. É fundador e coorganizador com L. Cohen do clube parisiense de Neuropsicologia no Hôpital de la Salpêtrière. Atualmente é diretor-presidente da Inserm-CEA, Cognitive Neuroimaging Unit.