Blog Ciência para Todos: um solvente verde
Seguindo os esforços para popularizar a ciência, o professor Faruk Nome, do Departamento de Química da UFSC, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Catálise e Sistemas Moleculares e Nanoestruturados, informa sobre novos ensaios publicados no site Ciência para Todos. O mais recente, sobre o CO2 como “solvente verde”.
Fluidos supercríticos e a utilização de CO2 como solvente
Por Julian Eastoe, School of Chemistry, University of Bristol, UK
Obviamente, o CO2 é um componente da atmosfera e essencial para a vida. Está claro agora que o dióxido de carbono e os gases de efeito estufa (intrinsecamente associados ao crescimento econômico imparável da humanidade) são alguns dos principais contribuintes para o aumento da temperatura, que promove mudanças climáticas.
Desde a Conferência de Cúpula de Copenhagen em 2009, a maioria dos governos tem promovido mecanismos flexíveis, que afetam os custos, para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Como consequência, estão sendo procuradas formas de utilizar o excesso de CO2 e, uma ideia é a de que sob as condições adequadas (isto é, como um fluido supercrítico), poderia ser utilizado como um solvente em microeletrônica, na extração de chá, na limpeza a seco, em nanotecnologia, síntese orgânica, processamentos biológicos e na recuperação aumentada de petróleo.
Este ensaio analisa essa ideia uma vez que, em comparação com solventes perigosos e inflamáveis, a utilização de CO2 como material ou solvente pode ser vantajosa em termos de processamento, custo e segurança.
De acordo com o 5° princípio da química verde, solventes com melhor desempenho ambiental precisam ser desenvolvidos prioritariamente. Como fluido supercrítico, o CO2 mostra propriedades físico-químicas benéficas. Por este motivo é importante entender o que é um “fluido supercrítico”.
O estado supercrítico foi descoberto em 1822 pelo Barão Gagniard de la Tour. Mais tarde, Hannay e Hogarth demonstraram que os fluidos supercríticos mostram certas propriedades de solventes líquidos regulares. Por definição, um fluido supercrítico refere-se ao estado da matéria acima de uma certa temperatura crítica (Tc) e pressão crítica (Pc). Acima deste ponto mágico, qualquer diferença entre as fases líquida e gasosa desaparece.
Surpreendentemente, o fluido supercrítico não pode ser liquefeito através do aumento de pressão, nem pode ser transformado a gás por aumento da temperatura. Assim, em um fluido supercrítico, propriedades fundamentais, tais como difusividade, densidade e constante dieléctrica podem ser modificadas alterando a pressão e/ou a temperatura, sem cruzar quaisquer limites de fase.
Diagrama de fase para CO2 mostrando o ponto crítico (Tc, Pc) e a região de fluido supercrítico.
O gás dióxido de carbono é, essencialmente, um não-solvente, mas como um fluido supercrítico, ou seja acima do seu ponto crítico (Tc = 31,1 °C e Pc = 73,8 bar), a densidade e a capacidade de solvatação do CO2 aumentam dramaticamente. Em termos simples, CO2 como fluido supercrítico mostra propriedades semelhantes a um líquido e, convenientemente, a temperatura crítica para o CO2 é próxima da temperatura ambiente.
Alterações na densidade do CO2 como fluido supercrítico permitem controlar reacções químicas ajustando propriedades físicas, tais como a capacidade do solvente, a difusividade e a viscosidade. O poder de dissolução (capacidade do solvente) pode ser facilmente ajustado mudando a pressão e/ou a temperatura, o que torna o CO2 supercrítico mais efetivo em processos de transferência de massa, especialmente se for usado para extração ou separação. Além disso, é abundante e barato, e a utilização de CO2 nestas formas não contribui diretamente para o efeito estufa ou o aquecimento global. Na verdade a maior parte do CO2 vendido hoje para processamento de produtos químicos e de alimentos é isolado como um subproduto da produção de amoníaco, etanol e hidrogênio.
Embora este solvente verde tenha muitas propriedades desejáveis, tecnicamente falando é um solvente muito “fraco”. Isto é, a polaridade, a constante dielétrica e o momento de dipolo são menores do que aqueles da maioria dos solventes orgânicos convencionais. Consequentemente, muitos compostos orgânicos de interesse industrial são apenas levemente solúveis ou mesmo insolúveis em CO2 supercrítico.
Uma forma eficaz de usar CO2 supercrítico como solvente seria desenvolver aditivos adequados, ou agentes tensoativos, para formar agregados nanométricos, na forma de micelas ou microemulsões. Investigações anteriores demonstraram que surfactantes ou compostos ramificados, metilados e com uma forma molecular “atarracada”, podem ser usados para estabilizar microemulsões de água-em-CO2. Com esta filosofia e a estratégia previamente descrita, algum sucesso tem sido alcançado em Bristol no Reino Unido preparando novos surfactantes solúveis em CO2, derivados de hidrocarbonetos, incluindo compostos altamente ramificados e oxigenados.
Em conjunto com o crescente sentimento público, pressão política e leis ambientais mais rigorosas, a utilização do CO2 emitido de resíduos representa um desafio importante na gestão de resíduos, especialmente para alcançar aplicações industriais mais verdes. No futuro, o desenvolvimento da captura e liquefação de CO2 supercrítico fará com que este solvente seja abundante e barato. De fato, embora CO2 tenha sido um solvente pouco cooperativo, inclusive incompatível com a grande maioria dos solutos e surfactantes comerciais, tem encontrado aplicações, tais como limpeza a seco, extracção e microeletrônica. Sem dúvida, o CO2 ainda não atingiu o seu pleno potencial em termos de usos comerciais, a idade CO2 está chegando…em breve.
Referências
Carbon Dioxide Information Analysis Centre, C. D. I. A. C. (2008). World Data Center for Atmospheric Trace Gas, United States Department of Energy.
Eastoe, J., S. Gold, et al. (2006). “Designed CO2-Philes Stabilize Water-in-Carbon Dioxide Microemulsions.” Angewandte Chemie International Edition 118(22): 3757-3759.
Hollamby, M. J., K. Trickett, et al. (2009). “Tri-Chain Hydrocarbon Surfactants as Designed Micellar Modifiers for Supercritical CO2.” Angewandte Chemie International Edition 48(27): 4993-4995.
McHugh, M. A. and V. J. Krukonis (1994). Supercritical Fluid Extraction (second ed.). Boston, MA, Butterworth-Heinemann
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