Seminário nacional sobre educação de surdos reúne lideranças e gestores públicos
O seminário nacional A Formação de Professores para Atuar na Educação Bilíngue de Surdos ocorreu nos dias 30 de setembro e 1º de outubro, no Auditório Antonieta de Barros, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), em Florianópolis. O evento representou um marco para a educação de surdos no Brasil, ao reunir, pela primeira vez, gestores federais, estaduais e municipais, pesquisadores, representantes da comunidade surda e educadores, entre eles pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Com o objetivo de discutir os desafios e as perspectivas da formação de professores para a educação bilíngue de surdos no Brasil e em Santa Catarina, o seminário também buscou elaborar proposições a partir de debates públicos com agentes do campo educacional. A organização esteve sob a responsabilidade da deputada estadual Luciane Carminatti (PT), presidente da Comissão de Educação e Cultura da Alesc, que mediou, no primeiro dia, uma mesa-redonda sobre o cenário catarinense, com a participação da UFSC e de outras instituições públicas. No segundo dia, os professores e pesquisadores da UFSC, Marianne Rossi Stumpf, Ronice Müller de Quadros e Dionísio Schmitt, conduziram o seminário com foco na perspectiva histórica.
A programação incluiu palestras de especialistas, como Patrícia Luiza Ferreira Rezende-Curione, diretora de Educação Bilíngue de Surdos do Ministério da Educação (MEC), e mesas protagonizadas pela comunidade surda e a apresentação de experiências exitosas de Santa Catarina e de outros estados. Representantes de instituições como a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), a Associação de Surdos da Grande Florianópolis (ASGF) e a Associação de Surdos da Região de Laguna (Assul), além de gestores surdos em cargos públicos, marcaram presença no encontro.
Santa Catarina destacou-se no evento por suas iniciativas pioneiras, como o curso de Letras Libras da UFSC, referência nacional na formação de professores, e o Campus Palhoça Bilíngue do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), único da rede federal com essa característica. Além disso, o estado conta com escolas especializadas, programas de apoio consolidados e experiências exitosas em diversos municípios.
Durante o seminário, a professora Ronice Quadros abordou as conquistas da comunidade surda e a importância de se avançar ainda mais. Ela celebrou o protagonismo de lideranças surdas em espaços de destaque e ressaltou as transformações sociais e culturais que levaram ao reconhecimento e à valorização da língua de sinais. “Hoje nós temos uma mudança de consciência. Nós temos um crescimento, um avanço da sinalização”, afirmou.
Ronice enfatizou a necessidade de “fortalecer essa educação desde a base” e destacou a tecnologia como uma aliada no processo de inclusão e empoderamento da comunidade surda. “A tecnologia está aqui, está posta. Nós precisamos aceitá-la e trabalhar com isso, trabalhar usando essa ferramenta. É um ganho surdo.” Ao rememorar os desafios históricos, ela comparou o período do oralismo, que restringia o uso da língua de sinais, a um “momento obscuro” e destacou os avanços proporcionados por legislações como a Lei de Libras (2002) e o Decreto 5626 (2005), que abriram caminhos para a regulamentação da educação bilíngue e a formação de professores.
Ronice também ressaltou a importância do contato com outras línguas de sinais, como a língua de sinais internacional, e reforçou a ideia de um mundo plurilíngue e conectado. Encerrando sua fala, deixou uma mensagem de esperança: “Passamos por momentos obscuros, sim, mas hoje nós temos a luz. Que vocês sintam essa luz, que vocês vejam essa luz e levem com vocês.”
Dionísio Schmitt, outro palestrante do seminário, revisitou a história da educação de surdos em Santa Catarina, destacando o papel central de Francisco, conhecido como Chiquito, na criação da Associação de Surdos de Santa Catarina nos anos 1950. Dionísio ressaltou o impacto do trabalho pioneiro de Francisco, que mapeou a comunidade surda, criou redes de apoio e disseminou a língua de sinais. “Se ele não estivesse nesse momento da história desenvolvendo todo o trabalho que desenvolveu, nós não estaríamos aqui”, afirmou.
Ele também relembrou a criação da primeira escola para surdos em Florianópolis, liderada por Francisco, e os desafios enfrentados com o surgimento do Instituto de Audição e Terapia da Linguagem (Iatel), que defendia o método oralista. Apesar das dificuldades, Francisco foi responsável por criar as bases que fortaleceram as associações e os movimentos surdos ao longo das décadas.
Dionísio destacou ainda o papel das instituições de ensino superior, como a UFSC e a Udesc, na formação de professores e na valorização da Libras. Ele relembrou a criação do primeiro curso de Letras Libras do Brasil, fruto de uma luta coletiva, e a importância de polos de educação bilíngue em cidades como São José, Joinville e Chapecó. “Antes não havia nenhum curso de Letras Libras. A reitoria aceitou a nossa proposta e foi criado então o primeiro curso de Letras Libras do Brasil”, disse.
O seminário também serviu para refletir sobre o papel das associações de surdos na conquista de direitos e na criação de políticas públicas. Dionísio lembrou o movimento de 2005, quando associações, instituições de ensino e a comunidade surda se reuniram em frente à Alesc para lutar por formação de professores e pela difusão da língua de sinais. Para ele, as associações foram essenciais para abrir caminhos e consolidar as conquistas celebradas hoje.
Ambos os palestrantes reforçaram a importância de revisitar o passado para reconhecer os desafios superados e celebrar as conquistas históricas. O seminário foi encerrado com um chamado à continuidade da luta por uma educação inclusiva e bilíngue, que valorize a língua de sinais e amplie as oportunidades para as futuras gerações da comunidade surda.
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