Espécies invasoras ameaçam redes de polinização vitais para ecossistemas no Sul do Brasil

10/09/2025 11:14

Área das dunas frontais da Lagoa da Conceição onde fica evidente a invasão do chorão-das-praias. Foto: Luiz Felipe Cordeiro Serigheli

Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) revelou o impacto de duas espécies invasoras nas redes de interação entre abelhas e plantas em ecossistemas costeiros do sul do Brasil: Carpobrotus acinaciformis (chorão-das-praias) e Apis mellifera (abelha-europeia). Com o título em inglês “Prepare for trouble and make it double: Effects of Carpobrotus acinaciformis and Apis mellifera invasion in floral visitor networks” (em português: “Preparem-se para a encrenca, encrenca em dobro: efeitos da invasão por Carpobrotus acinaciformis e Apis mellifera em redes de visitantes florais”), a pesquisa acaba de ser publicada na revista NeoBiota

Luiz Felipe Cordeiro Serigheli durante coleta de dados da pesquisa. Foto: Divulgação.

O artigo, que é assinado por Luiz Felipe Cordeiro Serigheli, Sofia Gabriele Marafon Bacca, Brisa Marciniak de Souza e Michele de Sá Dechoum, destaca como a interferência dessas espécies altera a estrutura das redes de polinização e, portanto, faz-se urgente controlá-las para restaurar a estabilidade desses sistemas ecológicos. O trabalho destaca que este é um tema relevante e que deve ser olhado com atenção, uma vez que as espécies invasoras, de forma geral, “representam uma das maiores ameaças aos sistemas ecológicos globais, impactando diretamente a biodiversidade e o funcionamento de ecossistemas ao redor do planeta”. 

A polinização, segundo o texto, tem a particularidade de ser um serviço fundamental não só para a manutenção da biodiversidade, mas também para a segurança alimentar, que se torna vulnerável quando fontes de alimentos deixam se reproduzir pela ação natural de abelhas nativas. “A presença de plantas e abelhas invasoras pode modificar as redes de mutualismo, que envolvem complexas interações entre espécies. Em termos práticos, isso significa que as redes de interações se tornam menos diversificadas e mais dependentes de poucas espécies generalistas, o que pode levar à diminuição da biodiversidade e da especialização das interações”, destaca a pesquisa.

Carpobrotus acinaciformis, conhecida como chorão-das-praias, registrada nas dunas da Lagoa da Conceição. Foto: Luiz Felipe Cordeiro Serigheli

O estudo, que foi conduzido no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição, em Florianópolis (SC), é fruto da dissertação de mestrado de Luiz Felipe Cordeiro Serigheli. Apis mellifera é uma forrageadora generalista e Carpobrotus acinaciformis, cuja origem é a África do Sul, é uma planta exótica melitófila – isto é, atrai as abelhas para serem polinizadas. “Esta espécie tem sido muito plantada em áreas de restinga em Florianópolis e em outros municípios do litoral de Santa Catarina, tanto para controlar a erosão costeira, quanto para uso ornamental”, explica Michele de Sá Dechoum, orientadora do trabalho.

Contribuições da pesquisa

Abelhas nativas da espécie Lassioglossum (dialictus) sp. cobertas de pólen. . Foto: Luiz Felipe Cordeiro Serigheli.

O trabalho de campo foi realizado em duas etapas, de outubro a janeiro, em dois anos consecutivos: 2021/2022 e 2022/2023. As coletas de abelhas e plantas foram feitas em áreas invadidas e não invadidas por Carpobrotus acinaciformis no primeiro ano. No segundo ano, os procedimentos foram repetidos em áreas não invadidas e em áreas que passaram por controle mecânico da Carpobrotus (chamadas de “áreas gerenciadas”). Foram coletadas e identificadas 1.672 abelhas de 29 espécies em interação com 31 espécies de plantas. “A hipótese central era que as duas espécies teriam influência nas redes de interação e, portanto, seu controle poderia alterar a estrutura dessas redes”, explica Luiz. 

Os resultados da pesquisa evidenciaram que os locais onde Carpobrotus acinaciformis estava presente apresentaram maior aninhamento (nestedness) e menor modularidade (modularity) em comparação aos locais sem a planta invasora. Isso porque a Carpobrotus acinaciformis se mostrou mais atrativa para as abelhas (representando 24% das interações), ocupando um papel central na rede de interações. O aninhamento e a modularidade são indicativos da capacidade de um ecossistema de manter suas interações e resistir a perturbações.

Carpobrotus acinaciformis (chorão-das-praias) e Apis mellifera (abelha-europeia). Foto: Luiz Felipe Cordeiro Serigheli.

Apis mellifera se destacou como a espécie de abelha mais abundante em três das quatro redes pesquisadas, contribuindo significativamente para o aninhamento e a centralidade da rede. Essa influência combinada das duas espécies invasoras corrobora a Invasive Meltdown Hypothesis, hipótese que sugere que duas ou mais espécies não nativas podem facilitar ou intensificar o impacto uma da outra em espécies nativas.

A pesquisa também identificou que as plantas são mais dependentes das abelhas do que o contrário. No entanto, essa dependência diminuiu após a remoção de Carpobrotus acinaciformis. Fica claro, portanto, que o controle das espécies invasoras gera impactos positivos na resiliência ecológica da rede a longo prazo. Além da remoção mecânica da planta, feita pelas pessoas que participaram do estudo e por pessoas voluntárias, uma simulação da eliminação da Apis mellifera também indicou um aumento da estabilidade e resiliência do ecossistema, tornando mais saudáveis as interações entre espécies nativas.

A experiência realizada pelo grupo de pesquisadores mostrou que é possível restaurar um ecossistema e torná-lo mais estável e resiliente a longo prazo. Após o manejo da Carpobrotus, espécies nativas de plantas como Acicarpha spathulata e Porophyllum ruderale, que antes eram pullers (mais vulneráveis), assumiram o papel de pushers (mais influentes). Além disso, a abelha nativa Lasioglossum (dialictus) sp. se tornou a espécie de abelha mais influente em todas as redes na simulação sem Apis mellifera

O artigo aponta para a necessidade de estudos de longo prazo, com o uso de múltiplas metodologias, incluindo ações de restauração ecológica e simulações, para obter avaliações abrangentes. Estudos sobre espécies invasoras são prementes para se buscar caminhos viáveis para a conservação da biodiversidade em ecossistemas costeiros e a proteção de espécies nativas.

Daniela Caniçali | daniela.canicali@ufsc.br
Jornalista da Agecom | UFSC

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