Tese defendida na UFSC e em Portugal propõe alternativa sustentável para a palmeira Juçara
A palmeira Juçara é uma árvore da Mata Atlântica ameaçada de extinção devido à extração predatória do palmito. Mas seus frutos, parecidos com o açaí, também podem ser consumidos de forma sustentável, evitando o corte da árvore. Uma tese com dupla titulação – defendida ao mesmo tempo no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química da Universidade Federal de Santa Catarina (PósENQ-UFSC) e na Universidade de Aveiro, em Portugal – mostra um caminho possível para o aproveitamento do fruto da juçara. O estudo fornece uma alternativa mais econômica e ambientalmente amigável: a obtenção de compostos essenciais, que podem ser utilizados na indústria da alimentação e de cosméticos.
Bruna de Paula Soares defendeu a tese “Extração de alta eficiência de compostos fenólicos usando solventes de base biológica como hidrótropos” no dia 13 de julho de 2023. Em um vídeo publicado na internet, ela explica que o estudo valoriza os frutos da Juçara através da extração de compostos bioativos, chamados de compostos fenólicos – com propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. “Para isso, estudamos uma série de solventes, considerados sustentáveis, para a extração desses compostos. Os extratos obtidos podem ser utilizados na aplicação de cosméticos e alimentos, uma vez que muitos destes solventes são considerados seguros.”
Na etapa final da tese, foram avaliados os melhores hidrótropos – compostos químicos que têm a capacidade de aumentar a solubilidade de um segundo composto em água – para a extração dos compostos fenólicos da fruta. “Os extratos obtidos demonstraram potencial capacidade antioxidante derivada do fruto e propriedades emolientes e umectantes dos hidrótropos usados, que são regulados para aplicações cosméticas”, descreveu a doutora. “Dessa combinação de propriedades surgiram dois produtos: os sabonetes de juçara e os cremes de juçara, como uma aplicação direta dos extratos obtidos. Esse foi um resultado interessante, que se configura como uma ponte entre ciência e sociedade. De uma tese, surge um produto, que pode ser inclusive comercializado, valorizando ainda mais o potencial do fruto juçara, para que as palmeiras não sejam cortadas para extração do palmito.”
O creme apresentou potencial capacidade antioxidante, mas ainda precisa de estudos a longo prazo para ser comercializado. Já o sabonete está pronto. Junto com a saboaria Shuá, localizada em Aveiro, foram confeccionadas também as etiquetas e uma cartilha. “A cartilha é ‘plantável’ (o papel utilizado foi de semente). Esse sabonete é especial para peles secas e normais, uma vez que as propriedades ‘hidratantes’ do propileno glicol (um dos hidrótropos testados) já faz essa função. Além disso, o sabonete possui maior capacidade antioxidante do que o sabonete controle (sem o extrato de juçara), o que além de aumentar a durabilidade do produto é ótimo para a saúde da pele. Para reforçar o caráter sustentável do projeto, nomeamos a linha de sabonetes de Içara.”
A cartilha explica a escolha do nome. “Içara ou juçara são sinônimos e têm origem no tupi-guarani. Além disso, o verbo ‘içar’ significa elevar, levantar. Esse é o nosso objetivo com esse projeto, elevar o potencial da fruta juçara e valorizar suas propriedades antioxidantes a partir da produção de sabonetes naturais”.
Dupla titulação
De acordo com a pesquisadora, a escolha de uma espécie endêmica do Brasil para o estudo foi influenciada pela parceria com a UFSC. “No Laboratório de Termodinâmica e Tecnologia Supercrítica (LATESC/UFSC), onde desenvolvi parte do meu trabalho, existem equipamentos de extração de tecnologias super recentes, incluindo extratores a alta pressão, o qual tínhamos muita curiosidade para testar no trabalho com os hidrótropos e avaliar também o efeito da pressão sobre esses compostos.”
A história começou em Portugal. Bruna de Paula Soares atuava como pesquisadora no laboratório Process and Product Applied Thermodynamics (Path), que possui expertise no desenvolvimento de produtos e solventes sustentáveis, quando entrou no doutorado. “Então surgiu a oportunidade de um acordo de cotutela com alguma universidade do exterior e dei preferência ao Brasil. E entre as universidades, a UFSC era uma das que já tinham parcerias com o laboratório e renome na área de Engenharia Química, com conceito máximo na Capes. Além disso, a infraestrutura de equipamentos do LATESC permitiu adicionar uma nova componente ao meu projeto, que foi a extração por técnicas emergentes. Sem falar que a UFSC está localizada em uma das minhas cidades favoritas do Brasil, Florianópolis”, contou.
Dessa forma, ela teve três orientadores: João Manuel da Costa e Araújo Pereira Coutinho, professor catedrático do Departamento de Química da Universidade de Aveiro (UA); Simão Pedro Pinho, professor coordenador da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Bragança (ESTIG) do Instituto Politécnico de Bragança (IPB); e José Vladimir de Oliveira, professor do PósENQ/UFSC.
Em um texto divulgado anunciando a defesa, o programa da UFSC ressaltou a importância da dupla titulação. “A presença de orientadores de diferentes instituições reforça o caráter internacional da pesquisa e ressalta a importância da colaboração acadêmica e científica entre universidades estrangeiras e a UFSC. A realização da defesa de doutorado de Bruna de Paula Soares no âmbito do PósENQ fortalece a internacionalização do programa e abre novas perspectivas de intercâmbio e cooperação acadêmica.”
Publicação
Dois capítulos inéditos da tese ainda estão sendo preparados para submissão em revistas internacionais. Dessa forma, o acesso público à tese só ocorrerá daqui a dois anos. Até agora, o trabalho foi apresentado em 13 comunicações orais e nove comunicações em painel (poster) em congressos da área, sendo um deles uma apresentação oral no “XII Iberoamerican Conference on Phase Equilibria and Fluid Properties for process design. (Equifase) & XI Brazilian Conference on Applied Thermodynamics (CBTermo)”, em Campinas, em 2022 – além de congressos na França, China, Portugal e Polônia.
Também foram publicados sete artigos científicos em revistas internacionais no tema, e o trabalho recebeu duas distinções por publicações.
Daniela Caniçali/Jornalista da Agecom/UFSC