Parceria entre UFSC e UFSM, podcast Legítima Defesa lança um olhar crítico para temática da criminalidade
Fome, problemas com a higiene, superlotação e violações de direito praticadas pelo Estado são alguns dos assuntos abordados no episódio 11 do podcast Legítima Defesa, uma parceria entre a UFSC e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) conduzida pelo Grupo de Pesquisa Poder, Controle e Dano Social, coordenado pela professora do curso de Direito, Marília de Nardin Budó. O projeto de extensão e de divulgação científica abrange temáticas como prisões e violência e criminologia verde. Na produção, os acadêmicos realizam pesquisas em documentos, artigos, vídeos e documentários, além de entrevistarem profissionais e especialistas
De acordo com a professora, o episódio é uma continuação de um outro, intitulado Como surgiram as prisões, que encerra ao mostrar que o principal objetivo declarado do nascimento da prisão seria a humanização das penas. “Se lá a gente tinha essa promessa da humanização das penas, aqui a gente confronta essa promessa com a realidade”, comenta. Para imergir nessa realidade, o podcast traz entrevistas com uma pessoa que já esteve presa, com uma defensora pública, com um professor que trata do tema suicídio nas prisões, além de dados impactantes sobre o sistema.
Os temas do Legítima Defesa são definidos nas reuniões de pauta, que ocorrem mensalmente. A proposta é alinhar o produto de divulgação científica ao que está sendo estudado pelo grupo de pesquisa. As séries sobre prisões e violência e sobre criminologia verde, que trata das questões ambientais a partir da criminologia, são intercaladas e correspondem às linhas de estudo da equipe.
Com um conjunto de onze episódios, o podcast nasceu da interdisciplinaridade entre Direito e Jornalismo – as duas formações de Marília. Depois, quando ela, que era professora da UFSM, passou a lecionar na UFSC, a iniciativa tornou-se também interinstitucional. “Eu já tinha previsto a possibilidade de criação de um programa de rádio ou um podcast de divulgação científica”, lembra.
Então, a parceria com a professora Laura Storch, de Jornalismo da UFSM, e com Barbara Marmor, orientanda que pretendia fazer um TCC sobre crime e mídia, começou a dar o tom do projeto. “Ele não é apenas interinstitucional, mas também interdisciplinar, porque a gente trabalha com conceitos, práticas e técnicas do jornalismo e da divulgação científica e, evidentemente, com o conteúdo da criminologia”, explica ela, que também busca a parceria de estudantes de Jornalismo.
Newsmaking criminology
A professora está inserida no campo conhecido como newsmaking criminology, do pesquisador estadunidense Gregg Barak, que designa a busca pela desmistificação do crime e da punição na mídia. “É interessante a gente falar sobre essa nova mídia que é o podcast, tanto pelo amplo acesso quanto pela facilidade de lidar com esse formato”, argumenta. De acordo com ela, uma das críticas que se fazia à noção de construção social da criminalidade pelos meios de comunicação era justamente à unilateralidade e impossibilidade de uma produção de conteúdo associada ao campo científico.
Sob essa perspectiva, contextualiza a professora, é possível que haja um campo crítico, capaz de desconstruir os estereótipos do crime, do criminoso, da criminalidade, e que se posicione criticamente à seletividade do sistema penal. “A seletividade faz com que o sistema recrute desproporcionalmente pessoas negras, pobres e desprivilegiadas dentro da sociedade”. A ideia do podcast, nesse sentido, também tem como ponto de partida a possibilidade de produção de um discurso contra-hegemônico.
A popularização de termos recorrentes no código penal e de conceitos do campo do Direito e da Justiça é um dos desafios do formato. “Não adianta nós ficarmos encasteladas no discurso acadêmico, conversando uns com os outros a partir de marcos teóricos que todo mundo já conhece e não comunicarmos, não trabalharmos a partir da perspectiva do senso comum”, afirma a professora.
Para ela, essa adaptação da linguagem acadêmica é desafiadora, mas essencial, especialmente no campo jurídico, conhecido por jargões prolixos. “Desde o primeiro dia da faculdade os estudantes adquirem um novo vocabulário que realmente não comunica com a sociedade. Então, esse é também um trabalho pedagógico de desconstrução”.