Risco de tsunami atingir a costa brasileira é remoto, diz pesquisador da UFSC

23/09/2021 10:36

A erupção do vulcão Cumbre Vieja, localizado na ilha de La Palma, arquipélago das Canárias, produziu imagens impressionantes, com explosões, colunas de fumaça e rios de lava destruindo casas e correndo em direção ao mar. O frenesi da situação levou alguns órgãos de imprensa a cogitarem que o fenômeno pudesse dar origem a um tsunami e o passo seguinte foi especular se ele poderia atingir a costa brasileira – e até o litoral catarinense.

Essa possibilidade, no entanto, é considerada muito remota, dada a grande distância entre o arquipélago e a costa brasileira – cerca de 4.500 quilômetros das capitais nordestinas de Fortaleza e Natal e 7.000 quilômetros de Florianópolis. Para que isso ocorresse, seria necessário um maremoto de grande magnitude, explica o professor Norberto Olmiro Horn Filho, do Departamento de Geologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). De acordo com o professor, a probabilidade de ocorrer um tsunami que atingisse a costa brasileira é muito baixa.

Nessa entrevista, o professor aborda os fenômenos geológicos que podem dar origem a tsunamis e quais os riscos de eles ocorrerem no Brasil.

O senhor acredita que, de maneira geral, a cobertura jornalística do fato foi fidedigna ao risco de tsunami? Como avalia a cobertura, antes e depois da erupção que ocorreu no último domingo? Como a imprensa que cobre ciência deveria ter reagido à possibilidade de erupção?

Mapa mundial de riscos sísmicos

A Geologia é uma ciência com muitas variáveis e se baseia muito em tendências. O que se tem mais atual em Geologia é a Teoria da Tectônica de Placas, onde 55 placas se movem diariamente e, a partir desse movimento, muitos eventos geológicos nos continentes e nos oceânicos podem ser explicados.

Recomendar-se-ia que antes da divulgação de provável risco de tsunami, uma leitura acerca dessa possibilidade fosse no mínimo explorada. O próprio mapa de riscos sísmicos e zonas de perigo aos terremotos e maremotos mostra muito baixo risco para a região onde estão as ilhas Canárias.

Como está estruturada a Rede Sismográfica Brasileira (RSBR)?

A Rede Sismográfica Brasileira (RSBR) tem por objetivo monitorar a sismicidade do território nacional e gerar informações que suportem a investigação da estrutura interna da Terra através da implantação e manutenção de estações sismográficas permanentes. A RSBR é composta de quatro redes em 90 estações, sendo que atualmente o Serviço Geológico do Brasil e o Observatório Nacional possuem um convênio para apoio à RSBR na sua manutenção e a pesquisas em sismologia, de interesse do Brasil.

Segundo a RSBR, para que houvesse alguma consequência no Brasil advinda da erupção na ilha La Palma, seria ainda necessário a ocorrência de um terremoto e desabamento de parte da ilha. Uma erupção submarina causando um maremoto com sismicidade elevada poderia até ocasionar a formação de um tsunami, entretanto, os reflexos seriam sentidos mais efetivamente na costa africana. O desabamento de parte da ilha não parece ser requisito para que houvesse consequências no Brasil.

Como a ciência analisa esse tipo de risco? Como deve ser o raciocínio de um cidadão comum a respeito da possibilidade de tsunami na costa brasileira? E na costa catarinense?

É bastante improvável a possibilidade de um tsunami na costa brasileira e catarinense, uma vez que possíveis maremotos causadores de tsunamis deveriam ocorrer nas proximidades da Cordilheira MesoAtlântica situada em média 3.000 km da costa brasileira. Entretanto não se descarta totalmente essa possibilidade caso a manifestação venha a ocorrer a partir dos limites transformantes adjacentes à cordilheira. Assim mesmo, a magnitude dos sismos não alcançaria valores elevados.

Que tipo de situação levaria Santa Catarina a um risco real de tsunami, ou maremoto? A UFSC estuda esse tipo de evento?

É bastante improvável a possibilidade de risco real de um maremoto ou tsunami no litoral de Santa Catarina, uma vez que não têm sido detectadas falhas ou rupturas entre placas tectônicas e erupções vulcânicas, que são as principais causas dos maremotos. A Universidade Federal de Santa Catarina não estuda diretamente esse tipo de evento, entretanto, está engajada em diversas pesquisas nas áreas de Geologia Marinha, Geofísica Marinha e Oceanografia Geológica no âmbito da rede de pesquisa nacional do Programa de Geologia e Geofísica Marinha (PGGM).

Existe alguma área ou região do Oceano Atlântico propensa à ocorrência de algum evento sísmico que pudesse originar um tsunami?

O Brasil está inserido na Placa Tectônica da América do Sul, cuja parte continental da placa consiste na área terrestre dos países sul-americanos e na parte oceânica, o oceano Atlântico a oeste da Cordilheira MesoAtlântica. O limite divergente separa a Placa Tectônica da América do Sul da Placa da África, localizado praticamente no meio do oceano Atlântico. Esse limite tectônico de afastamento das duas placas pode gerar eventos sísmicos de baixa magnitude, por conseguinte, maremotos e prováveis tsunamis também de baixa intensidade. Os setores onde a Cordilheira MesoAtlântica e as zonas de fraturas estão mais próximas da linha de costa, como nas regiões Nordeste e Norte e arquipélago São Pedro e São Paulo, representam os setores de maior probabilidade de eventos sísmicos de maior intensidade.

Qual é a origem e o significado da expressão “tsunami”?

Tsunami é um substantivo masculino que significa onda de porto (harbour wave) traduzido do japonês tsunami, sendo conceituado como o deslocamento de uma grande massa de água gerado por maremotos, erupções vulcânicas e impacto de meteoritos. A principal causa que pode gerar um tsunami é a presença de falhas ou rupturas entre placas tectônicas no fundo oceânico.

Na maioria dos casos, para que uma onda gigante se forme é necessário que se tenha um maremoto, isto é, um terremoto no mar, com seus elementos geométricos típicos incluindo o hipocentro ou foco, epicentro e as ondas sísmicas. Nem todo maremoto origina um tsunami. Tsunami e maremoto não são sinônimos.

Um dos fenômenos observados no grande tsunami de 2004, na Ásia, foi o recuo do mar antes da onda que varreu as regiões litorâneas. Qual é a explicação científica deste fenômeno?

Um tsunami ao se aproximar na zona litorânea na plataforma continental interna (mais rasa) tem seu comprimento e velocidade de onda diminuído, com aumento gradativo de sua altura. A força dos ventos empurra e puxa a superfície do oceano em escala regional, elevando o nível do mar em algumas áreas e, inevitavelmente, sugando-o em outras áreas, motivo pelo qual pode ocorrer o recuo do mar antes da chegada do tsunami.

 

A ILHA LA PALMA E A GEOLOGIA DA REGIÃO

A ilha La Palma é uma das sete ilhas que compõem o arquipélago das Canárias localizadas no oceano Atlântico norte. A ilha está distante cerca de 500 km da costa africana no Saara Ocidental e a 1.800 km da capital Madri, uma vez que as ilhas fazem parte do território espanhol. Ainda assim, considerando a costa brasileira, a ilha La Palma dista cerca de 4.500 km das capitais Fortaleza e Natal e 7.000 km da capital Florianópolis, todas situadas a sudoeste do arquipélago.

As profundidades de entorno da ilha são de aproximadamente 2.700m na província fisiográfica oceânica da planície abissal, onde coexistem as referidas ilhas e os montes submarinos não aflorantes, todos produtos de vulcanismo submarino.

O vulcanismo submarino em questão está relacionado ao vulcanismo da intraplaca tectônica da África associado aos pontos quentes (hot spots) típico de erupções efusivas com lava fluida e básica com baixos teores de sílica. O vulcanismo intraplaca, de um modo geral, diferente do vulcanismo interplaca, não provoca abalos sísmicos de grande envergadura, como aqueles observados no limite convergente das placas do Pacífico e da América do Sul (com formação da cordilheira dos Andes) e das placas do Pacífico e da América do Norte (onde aflora a falha de Santo André).

As ondas gigantes (tsunamis) têm como principal causa os falhamentos entre placas tectônicas e subordinadamente, as erupções vulcânicas, explosões de bolhas de gás, deslizamentos submarinos e impacto de meteoritos. No caso específico das ilhas Canárias, a origem de prováveis ondas gigantes poderia estar relacionada às erupções vulcânicas intraplaca da África.

A ilha La Palma é uma ilha oceânica muito jovem formada a partir de um vulcanismo insular submarino nos últimos dois milhões de anos. Ainda está em formação comprovado pelos eventos magmáticos vulcânicos básicos que tem assolado a ilha, cuja última erupção data do ano de 1971.

A probabilidade de ondas gigantes (tsunamis) poderiam ser sentidas mais rápida e efetivamente na costa do Saara Ocidental. Entretanto, para que as mesmas viessem a percorrer toda extensão do oceano Atlântico, alcançando as costas do Brasil, provavelmente, a magnitude do maremoto deveria atingir valores superiores na escala Richter.

CÍRCULO DO FOGO DO PACÍFICO

Tsunamis são uma ocorrência frequente no Oceano Pacífico (80% dos tsunamis), uma vez que nas margens desse oceano em contato com as margens continentais ocidentais da América do Sul e da América do Norte e das margens continentais orientais da Ásia e da Austrália, existe o Círculo do Fogo, que gera vulcanismo, terremotos, maremotos e prováveis tsunamis, muitas vezes relacionados às fossas oceânicas e zonas de subducção. São originados geralmente sob magnitudes dos sismos maiores que 7,0, gerando ondas com alturas entre 5 e 30 metros. Sua ocorrência pode ainda ser registrada no Oceano Índico, entretanto, raramente, têm sido registrados no Atlântico.

Os sismos de Valdivia no Chile em 1960 (Mw 9,5), do Alasca em 1964 (Mw 9,2) e o de Sumatra em 2004 (Mw 9,2), são exemplos recentes de maremotos que geraram teletsunamis, megatsunamis ou tsunamis transoceânicos, que podem atravessar oceanos inteiros. Abalos com magnitudes menores (Mw ±4) podem provocar tsunamis locais e/ou regionais, capazes de devastar as costas nas proximidades dos sismos em apenas alguns minutos.

 

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