Marilena Chauí discute democracia em aula magna na UFSC
“Primeiramente”, diz Marilena Chauí ao iniciar jocosamente a aula magna “O que é democracia”, logo depois da maioria dos presentes na segunda-feira, 15 de agosto, ao auditório Garapuvu lotado cantar, em coro, o que quase foi proibido nas Olimpíadas do Rio. Em seguida, ela explica, de forma didática, as origens e o desenvolvimento da democracia, finalizando com as dificuldades do Brasil em lidar com o tema da aula magna do curso de formação profissional “Como lidar com os efeitos psicossociais da violência”.
O encontro foi promovido pelo Centro de Estudos em Reparação Psíquica de Santa Catarina (CERP-SC), uma realização do Instituto APPOA (Associação Psicanalítica de Porto Alegre), no âmbito do Projeto Clínicas do Testemunho, financiado pela Comissão de Anistia, órgão do Governo Federal brasileiro, e pelo Fundo Newton, iniciativa do governo britânico.
Como o curso é destinado a profissionais que tratam dos efeitos psíquicos da violência e das graves violações de direitos humanos pelo Estado, os organizadores trouxeram Marilena Chauí, professora de Filosofia da USP e autora de A nervura do real, para fazer elaborações sobre a necessidade da democracia.
A palestra iniciou com a descrição da invenção da política por gregos e romanos, “que não dispunham de modelos para enfrentar problemas. O poder político nasceu quando foram separados os poderes do chefe de família, do chefe militar e do religioso, nasceu para distinguir o público do privado”. Ela explica que, com a criação da democracia, pelos gregos, e da república, pelos romanos, nasceu o espaço público, com direitos e leis a serem seguidos pelos cidadãos, agora associados por uma comunidade de interesses.
Marilena Chauí esclarece a distinção entre poder, que é do povo, e governo, delegado por ele. “Só na democracia os governantes não podem se apropriar do poder”. Ela afirma que, com a existência de maioria e minoria, situação e oposição. “Isto significa que a sociedade não é una, as divisões são legítimas e devem se expressar”.
Um dos pontos problemáticos para a democracia e a participação popular, segundo a palestrante, é o obstáculo dos meios de comunicação de massa. “Cria-se um obstáculo à verdade quando você, ao invés de estar sem informação, está mal informado, um risco à democracia”.
Entre as dificuldades da democracia no Brasil estão o mito da não-violência do brasileiro e o autoritarismo presente na sociedade. “A gente encontra, em cada esquina, a imagem de um povo generoso, alegre, sensual, solidário, que respeita as diferenças. Ele remonta ao período do descobrimento, nossa autoimagem de povo ordeiro e pacífico, bonito por natureza, uma solução imaginária que nega e justifica a realidade”. Ela questiona como o mito persiste sob o impacto da violência cotidiana, divulgada pela mídia: o que se faz “é alojar a violência na criminalidade, ela fica invisível em todo o restante. Não é percebida onde se origina, a sociedade não nota que as explicações estão na sociedade brasileira, estruturalmente violenta”.

Fila para entrar na aula magna chegava à EdUFSC. Dezenas ficaram de fora. Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC
A filósofa defende que o autoritarismo da sociedade brasileira é marcado pelo predomínio do espaço privado sobre o público, onde se reforçam as relações de mando e obediência, onde o outro não é reconhecido. “As relações de iguais são entre parentes; entre desiguais de cooptação e opressão. Da família, o autoritarismo se espraia para a escola, as relações amorosas, mídia, nasce a naturalidade com que se aceita a violência policial”. Ela comenta que, nos Estados Unidos, “quando há uma altercação, pergunta-se ‘quem você acha que é?’ No Brasil, é o ‘você sabe com quem está falando?’, que hierarquiza e propõe situação de mando e obediência”.
Marilena Chauí terminou o encontro respondendo questionamentos da plateia.
Confira a palestra completa:
Caetano Machado/Agecom/UFSC
Fotos: Henrique Almeida/Agecom/UFSC