Ciro Gomes na UFSC: ‘Ninguém tem projeto de país, é sempre um projeto de poder’

17/06/2016 18:26
Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC

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A palestra do ex-ministro Ciro Gomes na UFSC estava marcada para as 20h. A essa hora, a fila para entrar no auditório Garapuvu, no Centro de Cultura e Eventos, já alcançava cerca de 200 metros. Ciro percorreu toda sua extensão cumprimentando e tirando fotos com quem lhe solicitava. E repetia: “Obrigado por terem vindo”, “Obrigado pela presença”, “Desculpa esse transtorno. Estou aqui para dizer que só vai começar quando todos vocês entrarem”. Ele procurava demonstrar simpatia e interesse pelos demais: “Qual curso você faz? Relações Internacionais? Muito importante!”, “As crianças vieram também?”, “Quantos anos você tem?”, “Você é de Cuba? Gosto muito de lá!”. O público retribuía o carinho e perguntava: “Eu te admiro muito! Você vai ser candidato?”. A resposta não era afirmativa: “Primeiro vamos salvar a República, depois pensamos nisso”.

Ciro expressava, nos menores gestos, a imagem de um político bastante informal e acessível. Agachou-se para conversar com uma cadeirante, pulou do palco em vez de se dirigir até a rampa e, sobretudo, atendeu a todos os pedidos: questionamentos, selfies e autógrafos no livro que escreveu em coautoria com Roberto Mangabeira Unger: O próximo passo: uma alternativa prática ao neoliberalismo. Quando entrou no auditório, completamente lotado, foi aplaudido de pé. Após muitas outras sessões de fotos, foi enfim convidado à mesa. O público, mais uma vez, ovacionou-o calorosamente: “Ciro! Guerreiro! Do povo brasileiro!”, “Ciro presidente!”, emendando com o já tradicional “Fora Temer”. Ciro aproveitou a deixa para iniciar sua fala: “Primeiramente, fora Temer”. A plateia riu. E esse foi o tom da noite.

Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC

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Durante a palestra, o tema que esteve em pauta a maior parte do tempo foi economia e a crise política atual: “O Brasil não é para amadores. Estamos passando pelo pior momento da história moderna. Eu tenho 35 anos de militância e nunca vi o Brasil em uma situação tão potencialmente crítica como agora. Por isso estamos chamando o povo para defender a democracia em abstrato”, afirmou Ciro. O evento, que teve como título “O Brasil de hoje: a crise política e saídas para a economia brasileira”, ocorreu na última sexta-feira, 10 de junho, organizado pelo Centro Acadêmico Livre de Engenharia de Produção (Calipro) e Centro Acadêmico Livre de Economia (Cale). Com uma longa carreira política, Ciro Gomes já foi prefeito de Fortaleza, deputado estadual e federal, governador do Ceará e ministro dos governos Itamar Franco e Lula. Disputou duas eleições presidenciais – terceiro lugar, em 1998; quarto lugar, em 2002. Já passou pelos partidos PDS, PMDB, PSDB, PPS, PSB, Pros e, atualmente, está no PDT. Confira abaixo alguns trechos da palestra:

Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC

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Crise

“Nosso povo está profundamente decepcionado com a governança daqueles que, como nós, tinham a obrigação de dar exemplo de decência, de administrar a economia em bases progressistas, de ter comportamento altivo, de ser capaz de ordenar o desenvolvimento do país. Nós falhamos feiamente. Por isso precisamos refletir com muita humildade sobre o que está acontecendo no Brasil.”

“Ninguém tem projeto de país. É sempre um projeto de poder, que deixa a agenda estratégica para outra hora, porque ela implica em dissenso, conflitos e mediações sofisticadas. Mas essa marketagem mistificadora começa a cair, a se desmoralizar.”

“Inflação boa é inflação zero. Com a inflação não se deve ter qualquer contemporização. Meta de inflação é um mecanismo tosco que não funciona em lugar nenhum do mundo. Não temos um modelo de administrar a economia minimamente correto.”

Mídia

A grande mídia não quer que ninguém entenda o que realmente importa. Aí vive distraíndo o povo com essa novela escandalosa, em horário nobre, todos os dias, para tentar provar que o Estado e seus agentes não passam de um pardieiro de pilantras.”

Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC

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Previdência

“Não temos mais uma pirâmide etária, temos um butijão etário. Poucos jovens para financiar muitas barrigas da meia-idade. É uma janela demográfica que vai se fechar. Temos que nos debruçar sobre o assunto e refletir de forma progressiva, progressista e solidária aos mais idosos sobre esse novo país que vamos ter. Nós não podemos ter uma atitude reacionária ao debate sobre a questão previdenciária. Esse debate não precisa ferir o direito de ninguém. O problema não apareceu de ontem para hoje, ele foi aparecendo. Mas os políticos, em vez de tratarem o assunto, foram fazendo um puxadinho aqui, um remendo acolá… de maneira que a soma dos puxadinhos e arremedos faz com que, hoje, a previdência brasileira ainda esteja superavitária. Ou seja: não está em déficit. Então é mentira do Lula, do Fernando Henrique, da Dilma e muito mais desse calhorda que está querendo tomar conta do país na marra, que a previdência social esteja em desequilíbrio. Ainda não está. Mas o país está.”

Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC

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Dilma

“A decepção com a Dilma faz com que o povo brasileiro fique passivo diante da crise”.

“Dilma não confiou o que estava acontecendo ao povo e pensou assim: ‘vamos enganar, ganhar a eleição e depois consertamos as coisas’. É aí que o político erra profundamente, sobretudo na sociedade moderna, absolutamente conectada, com capacidade de recuperar memórias.”

“Os políticos se reuniram contra a Dilma para tentar parar a Lava-Jato: o PT, o PMDB… É claro que não falo de todos. Tem gente muito boa nesses partidos, é importante nunca generalizar. Mas essa trempe que toma conta  de Brasília fez o golpe para parar a Lava-Jato.”

“A sensação, justa, do povo, é de que, durante a eleição, a Dilma acusou o Aécio de fazer uma coisa e, quando ganhou, foi ela fazer o que disse que o Aécio faria. Não digo isso para amargurar a Dilma, que é vítima, afinal de contas, de tudo isso. Mas moderar promessas é essencial para um governo ser forte do primeiro ao último dia. É importante moderar promessas; confiar na inteligência popular; repartir com as pessoas as dificuldades, as contradições; e sair da tentação vã, fácil, porém mentirosa, da articulação de gabinete corrupta, da retórica marketeira e irresponsável.”

Foto: Henrique Almeida/Agecom/UFSC

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Eleições 2018

“Não sei se serei candidato, mas podem contar comigo para lutar.”

“Eu vou lutar, seja com qual ferramenta for. Quero logo avisar à comissão de ética do meu partido que não vou ficar comportado, porque o que está acontecendo no país é absolutamente intolerável.”

“É preciso defender a democracia, seus ritos, seus prazos, seus valores, para que, um dia, quando um de nós chegar à presidência da República pela força dessa nação, com a agenda correta, possa mexer no que tem que ser mexido. Nós não podemos deixar que o jogo jogado em Brasília, que o jogo da grande mídia, desestabilize a democracia a pretexto de moralismos e coisas e tal. Por isso nós temos que, agressivamente, perceber o que está acontecendo no Brasil.”

Daniela Caniçali/Agecom/UFSC

daniela.canicali@ufsc.br

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