Futuro da saúde: tecnologia ou humanização?

Claudio Lottemberg fala sobre a incorporação das tecnologias e a retomada da humanização no atendimento de saúde
O oftalmologista Claudio Luiz Lottemberg, presidente do hospital Albert Einstein e da Confederação Israelita do Brasil (CONIB), ministrou palestra sobre o tema “O Futuro da Saúde: Tecnologia ou Humanização?”, dia 5 de setembro, no auditório da ASSEC, numa promoção da UFSC, Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH)/UFSC e Associação Israelita Catarinense. Antes do evento o médico visitou as instalações do Centro de Pesquisas Oncológicas (CEPON), onde assinou um protocolo de intenções para que os médicos de lá se capacitem no Albert Einstein e que este hospital seja também uma segunda opinião para certos casos do CEPON.
Dos 500 inscritos no evento, a maioria era de estudantes dos cursos do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFSC.
Cláudio elogiou as instalações do CEPON e introduziu o tema da palestra dizendo que para muitas pessoas era uma questão a saúde ser vista pelo lado da tecnologia ou da humanização. Para ele não há dicotomia. Existe sim uma relação que deve ser sinérgica entre tecnologia e humanização, sendo que a humanização precisa ser resgatada em muitos campos, não só o da saúde.
Com a era digital, disse, a comunicabilidade passou a ser um diferencial, mas os fatores extrínsecos continuam sendo muito importantes na saúde: como o olhar face a face do médico, ou do profissional da área, a honestidade da afirmação, a confiança estabelecida e outros componentes de um diagnóstico, consulta ou atendimento que não podem ser passados virtualmente e que devem integrar a formação na área da saúde.
Para Claudio é necessário investir e priorizar no quesito qualidade. O Estado deve garantir o acesso à saúde, mas não todo o atendimento. O Brasil gasta relativamente pouco na área, mas, para ele, não importa o montante dos recursos e sim como estão sendo gastos, e há muitos equívocos sendo cometidos.
O Institute of Medicine (IOM) dos EUA tem pilares definidos para o atendimento em saúde: segurança do paciente, efetividade, assistência focada no paciente, prover assistência no tempo adequado, eficiência e equidade.
Um exemplo dos equívocos cometidos no sistema de saúde são as cirurgias da coluna, em que 60% dos pacientes são internados seis meses depois com os mesmos sintomas pré-cirurgia. Isto é a indicação foi inadequada para uma cirurgia de um custo em torno de R120 mil. “A coluna é mais atividade física, RPG que as próteses que são colocadas. Afinal quem não tem dor na coluna pós 40 anos?” questionou.
Perspectivas e novas atitudes
As metas brasileiras para o bicentenário (2022) em relação à saúde são bem modestas, se comparadas com as da Índia e Israel.
A inteligência artificial é uma realidade na área da saúde e o uso dela acelera o desenho de novas drogas, permite a simulação terapêutica e amplifica os modelos de inovação. O futuro é a medicina personalizada, baseada na genética. Não serão necessários exames para pessoas que jamais vão desenvolver certos tipos de tumores ou Alzheimer. O custo de mapeamento do primeiro genoma foi uma fortuna. Atualmente o mapeamento genético de uma pessoa custa menos de mil dólares. A medicina já foi muito mais arte que ciência, depois mais ciência que arte. E, agora, é preciso se abrir às coisas que não explicamos totalmente. Como a Física deu seu grande salto de cartesiana para quântica, os médicos precisam ter abertura para novos modelos. Como disse Einstein “Vivemos numa sociedade complexa em que é mais fácil quebrar um átomo que um preconceito”.
É necessário abertura para aceitar a medicina chinesa e os tratamentos paliativos. Um paciente terminal com câncer de mama pode ir para uma unidade de Terapia Intensiva ou para um tratamento paliativo. Ela vai morrer, mas vai sofrer menos e vai custar menos financeiramente se receber tratamento paliativo.
Atualmente, disse o oftalmologista, cuidamos muito das doenças e pouco dos doentes. Há médicos bons tecnicamente e poucos líderes. Há falta de conhecimento de como trabalhar em equipe. É preciso um bom engenheiro para calibrar os aparelhos, uma enfermeira competente, e o cirurgião precisa aprender, ainda na faculdade, como liderar esta equipe.
Cláudio citou as cinco maiores invenções das últimas décadas, em que houve a revolução digital: a internet de banda larga, o telefone celular, o PC e/ ou laptop, o e-mail e o sequenciamento do DNA. As quatro primeiras já estão disponíveis no celular, quando a última também estiver facilitará muito os diagnósticos.
De tal forma já existe esta hibridização -com os recursos digitais- que a locação do centro cirúrgico deve ser repensada nas plantas físicas dos hospitais. Ele deve estar no mesmo andar e bem próximo de onde se fazem os diagnósticos.
O abuso da tecnologia pode levar muitas vezes a diagnósticos errados. O foco tem sempre que ser o paciente. No Hospital Albert Einstein já foram revistos vários procedimentos menos o da prioridade do paciente. O paciente deve estar acima de tudo.
Com o aumento da inclusão social aumentou, no Brasil, o número de pessoas com planos de saúde, mas é preciso rever os procedimentos priorizando o atendimento ambulatorial, com menos tempo de internação porque as pessoas vão ser internadas mais vezes, já que a população mundial está envelhecendo. Em 2020 os idosos serão 13%%, em 2050 30% é preciso rever as idades de aposentadoria já que há maior expectativa de vida. Há uma lição de casa a ser feita pelo governo que ainda não acertou em todas as agências reguladoras criadas para defender os interesses da população. Para o médico a ANVISA esta funcionando de forma adequada, mas não a ANS. Os planos de saúde não deveriam ter seus próprios hospitais, porque a tendência é que cortem custos, diminuindo a qualidade. A meta deveria ser pagar pelo processo, mas pelo sucesso, pagar pelos resultados obtidos.
A eficiência em saúde decorre mais de modelos estruturantes que modelos econômicos. Quando uma pessoa começa a se manifestar de maneira diferente as outras pessoas a olham de forma estranha. Novas atitudes podem levar à beligerância no início até que se alcance o respeito. Finalizou deixando uma sugestão aos jovens “Não deixem de sonhar, confrontar, o reconhecimento só vem muito mais tarde, até pode ser póstumo, mas é necessário este enfrentamento para propor e fazer novas coisas.”
Livros recomendados por Claudio Lottenberg na palestra: The checklist manifesto – How to get things right de Atul Gawande, Reorganize for Resilience: putting customers at the centre of your business de Ranjay Gulati e A arte perdida de curar de Bernard Lown.
Texto e fotos: Alita Diana/ Jornalista da Agecom/UFSC
alita.diana@ufsc.br